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Marcia Castro recupera a cor do canto ao revitalizar a ‘baianidade nagô’ no radiante álbum ‘Axé’

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Artista evoca o passado do gênero sem saudosismo em disco concebido por Marcus Preto com dez músicas inéditas e as participações de Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Margareth Menezes. Capa do álbum ‘Axé’, de Marcia Castro
Pedrita Junckes / Divulgação
Resenha de álbum
Título: Axé
Artista: Marcia Castro
Edição: Uanga Produções Artísticas / Altafonte
Cotação: * * * * *
♪ Com a edição de Axé, Marcia Castro apresenta enfim um disco luminoso, grandioso, à altura da artista que apareceu há 14 anos com Pecadinho (2007), álbum que conquistou seguidores ao apresentar cantora cheia de verve e personalidade.
Revertendo expectativas após a estreia promissora, Castro teve o canto abafado pelos excessos de produção do álbum De pés no chão (2012) e empalidecido pela opacidade do som orquestrado por Gui Amabis no disco seguinte, Das coisas que surgem (2014).
O processo de diluição da discografia e da personalidade artística da cantora baiana – residente na cidade de São Paulo (SP) – culminou com a sensualidade artificial do álbum Treta (2017).
Lançado na quinta-feira, 21 de outubro, Axé é disco radiante que devolve cor ao canto de Castro, pedindo passagem para o verão, para o Carnaval e para a vida que já começa a pulsar latejante no Brasil com o arrefecimento da pandemia.
Com edição em LP prevista para 2022, com as dez músicas inéditas alocadas na ordem em que foram idealizadas para o vinil (disposição seguida na edição digital), o álbum Axé tem a marca bem-sucedida do diretor artístico de Marcus Preto, nome fundamental na manutenção da chama reacendida por Gal Costa há dez anos com o álbum Recanto (2011).
Essa marca fica visível sobretudo na arregimentação de (ótimo) repertório inédito que cumpre bem a função de evocar sem saudosismo a era de ouro da música afro-pop-caribenha produzida na Bahia nos anos 1980 e 1990 com o rótulo de axé music – gênero musical calcado na alegria, amado pelo povo brasileiro e rejeitado pela parcela dos críticos que delimitam fronteiras sonoras elitistas.
Guiada por Preto, Castro celebra e atualiza a baianidade nagô exaltada com orgulho pelo compositor Evandro Rodrigues, o Evany, na música intitulada justamente Baianidade nagô e lançada há 30 anos pela banda Mel no álbum Negra (1991).
O conjunto das dez músicas inéditas monta painel de referências na arquitetura da axé music em gravações arejadas feitas com produção musical repartida entre Letieres Leite e Lucas Santtana.
Baianos de gerações e formações distintas, Letieres e Lucas deixaram diferenças estilísticas de lado – a julgar pelas audições das dez faixas – para dar forma a um disco costurado com referências do passado e do presente sem perda da unidade.
Marcia Castro lança álbum gravado com produção musical de Letieres Leite e Lucas Santtana
Pedrita Junckes / Divulgação
Álbum pronto para ser lançado em abril de 2020, Axé teve a edição forçosamente adiada por conta da pandemia, mas não poderia chegar em tempo mais ideal, quando os artistas recomeçam a botar os blocos nas ruas com as reaberturas dos palcos.
Axé tem muito brilho e muita cor, como sinalizou o refrão viciante de Arco-íris do amor (Fábio Alcântara, Magary Lord e Lucas Santtana, 2020), faixa empolgante gravada por Marcia Castro com Margareth Menezes e apresentada em single editado em fevereiro do ano passado, um mês antes da covid-19 acabar com a festa brasileira.
Com metais orquestrados pelo maestro Letieres Leite, Arco-íris do amor concilia a batida percussiva do samba-reggae com o toque do MPC e do baixo synth de Bruno Buarque no fecho cintilante do álbum, mostrando que o axé de Marcia Castro revitaliza o gênero sem a pretensão de voltar no tempo. Bandeira hasteada por Arco-íris do amor, a proclamação da liberdade de amar sem prisões de gênero é tema recorrente na pauta de 2021.
Contudo, a atualidade de Axé embute diálogos felizes com bases do gênero. É fácil reconhecer no vertiginoso frevo que abre o álbum, Que povo é esse (Tenison del Rey, Marcela Bellas e Paulo Vascon), o som agalopado que identificava o grupo Chiclete com Banana no circuito dos trios elétricos. A faixa também remete ao baticum à moda do Olodum, sublinhado no verso que explicita que “tem Angola na Bahia”.
Na sequência, Bolero lero (Russo Passapusso) é tema – composto por dois integrantes da banda BaianaSystem –que revolve as águas caribenhas e a latinidade que sempre deram no mar da Bahia, sobretudo no auge da axé music.
Outra base do gênero, o samba-reggae pulsa na cadência de Holograma (Tiago Simões), música gravada por Marcia Castro com Ivete Sangalo. Os sopros orquestrados por Letieres Leite se harmonizam com a guitarra de Rafa Moraes em faixa assentada sobre o baticum do gênero e pautada pela leveza e pelo flerte com o sotaque da música latino-americana.
Contribuição preciosa do rapper Emicida para o repertório de Axé, Ajuremar-se evoca a espiritualidade afro-brasileira entranhada no céu, mar e terra da Bahia, com referências de reggae e ijexá.
Música solar de Teago Oliveira (compositor e vocalista da banda Maglore), Ver a maravilha funde ijexá e samba-reggae para valorizar “as pequenas coisas da vida” com energias positivas. A faixa foi apresentada em setembro como segundo single do álbum Axé.
Compositor referencial na produção do repertório afro-baiano, Carlinhos Brown assina – em parceria com André Lima – música que extrapola a fronteira da Bahia, ligando Salvador (BA) a São Paulo (SP). Trata-se de As Paulinas dos Jardins, composição ouvida no álbum Axé com a junção harmoniosa das vozes de Marcia Castro e Daniela Mercury, artista que forma com Ivete Sangalo e Margareth Menezes a consagrada trindade das cantoras associadas à axé music (a presença do trio agrega valor ao disco).
Música menos imponente no conjunto das dez faixas, mas não a ponto de empanar o brilho colorido do álbum, o samba-reggae Namorar no mar (Pedro Pondé e Rafa Dias) exala o romantismo que sempre regeu parte do repertório da axé music.
E por falar em amor, a sedutora balada Macapá confirma o autor, Nando Reis, como compositor notável de produção autoral que atravessa décadas sem perda da relevância. Macapá segue por rota menos óbvia da canção como gênero.
Já Coladinha em mim (Fabio Alcântara, Marcelo Flores, Marcia Castro e Hiran) funde samba-reggae e reggaeton, pondo na mistura sensual o rap do baiano Hiran, contribuindo para deixar o disco atual.
Enfim, o Axé de Marcia Castro é álbum radiante, cheio de vida, o antídoto necessário para neutralizar qualquer resquício de baixo astral pandêmico que ainda restar no Brasil quando efetivamente chegarem o verão e o Carnaval.
E, sem querer arrumar treta com produtores e mentores dos três discos anteriores da artista, Axé é o álbum de brilho e cor que Marcia Castro devia há anos aos seguidores que conquistou com Pecadinho no já longínquo ano de 2007.
Marcia Castro canta músicas inéditas de Carlinhos Brown, Emicida e Nando Reis no álbum ‘Axé’
Pedrita Junckes / Divulgação

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