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Mudanças climáticas: a inesperada forma com que os tubarões podem ajudar

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Em todo o mundo, as populações de tubarões estão em declínio — aumentar estes números poderia ter um efeito em cascata para ajudar a sequestrar o carbono e tornar os oceanos mais resistentes às mudanças climáticas. Os tubarões-tigre têm um impacto de longo prazo em seus ecossistemas e podem ajudar a combater as mudanças climáticas
Getty Images/BBC
Na ponta mais ocidental da Austrália, na chamada Shark Bay, pelo menos 28 espécies de tubarões nadam em suas águas cristalinas e pradarias marinhas — as maiores do mundo.
Os tubarões-tigre, em particular, são frequentadores habituais da enseada de Shark Bay.
Estes enormes peixes predadores passam seus corpos de 4,5 m pelas ervas marinhas, pegando de vez em quando um imponente peixe-boi que está no caminho como refeição.
Embora a presença de tubarões-tigre seja uma ameaça para suas presas, esses predadores são cruciais para a saúde do ecossistema marinho que sustenta ambas as espécies.
Na verdade, apesar da conhecida reputação dos tubarões entre os humanos, eles também podem ser um aliado poderoso para conter as mudanças climáticas.
LEIA MAIS: Veja em 7 pontos como será a vida na Terra nos próximos 30 anos, segundo a ONU
Um guia rápido para entender as mudanças climáticas
PODCAST – ESPECIAL CLIMA: ouça todos os episódios da série de O Assunto
Tudo começa com os finos fios de ervas marinhas que balançam com as ondas na parte rasa de Shark Bay.
Esta erva marinha serve de alimento para os peixes-boi e dugongos — que consomem cerca de 40 kg de ervas marinhas por dia —, assim como para manatis e tartarugas-verdes.
Os dugongos, que podem pesar até 500 kg, são uma rica fonte de alimento para os tubarões-tigre.
Ao manter a população de peixes-boi sob controle, os tubarões-tigre em Shark Bay ajudam as pradarias marinhas a prosperar.
Uma pradaria marinha próspera armazena duas vezes mais CO² por milha quadrada do que as florestas normalmente armazenam em terra.
Mas, globalmente, o número de tubarões-tigre está diminuindo, incluindo algumas populações na Austrália.
Na costa nordeste de Queensland, estima-se que as populações de tubarões-tigre tenham caído em pelo menos 71%, devido principalmente à pesca predatória e à captura acidental.
Uma redução no número de tubarões-tigre significa mais ervas marinhas sendo consumidas por herbívoros, o que significa que menos carbono é sequestrado pela vegetação marinha.
No Caribe e na Indonésia, onde as populações de tubarões diminuíram, a pastagem excessiva por herbívoros, como tartarugas marinhas, já é uma ameaça profunda aos habitats de ervas marinhas — e levou a uma perda de 90 a 100% das ervas marinhas.
Além de significar que menos carbono é absorvido, a perda de ervas marinhas também torna o habitat menos capaz de se recuperar de eventos climáticos extremos causados ​​por mudanças climáticas, como ondas de calor.
Uma das piores ondas de calor da Austrália Ocidental ocorreu em 2011, com a temperatura do oceano subindo até 5°C durante dois meses.
Shark Bay viveu uma intensa onda de calor em 2011, fazendo com que a temperatura da água subisse até 5ºC por dois meses
Getty Images/BBC
A onda de calor foi catastrófica para a espécie dominante de ervas marinhas da baía, a Amphibolis antarctica, que forma pradarias ricas e densas que retêm sedimentos e fornecem alimento para os herbívoros.
Mais de 90% da Amphibolis antarctica foi perdida, a maior perda conhecida em toda a baía.
Esta perda de ervas marinhas foi, perversamente, um deleite para os peixes-boi, que adoram um tipo de erva marinha tropical menor e mais difícil de encontrar, normalmente protegida pela alta e densa Amphibolis antarctica.
Quando as ervas marinhas tropicais estão mais acessíveis, os peixes-boi em seu entusiasmo são conhecidos por procurá-las de forma destrutiva, o chamado “forrageamento de escavação”, desenterrando os rizomas de suas ervas marinhas preferidas e tornando mais difícil para o denso leito da Amphibolis antarctica se recompor.
Em Shark Bay, os tubarões-tigre foram de alguma forma capazes de restaurar o equilíbrio, mantendo o número de peixes-boi baixo, e nem todas as ervas marinhas da baía foram perdidas.
Mas isso levantava a seguinte questão: e se os tubarões estivessem ausentes da baía — o ecossistema dominado pela Amphibolis antarctica sobreviveria?
Para descobrir, pesquisadores liderados por Rob Nowicki, da Universidade Internacional da Flórida, nos EUA, passaram um tempo no leste da Austrália, onde o número de tubarões era menor, e os peixes-boi pastavam praticamente sem serem perturbados.
Lá, os mergulhadores desceram e arrancaram as ervas marinhas, simulando a pastagem dos peixes-boi quando não havia predadores para detê-los— o entusiasmado e destrutivo forrageamento de escavação.
Os peixes-boi e dugongos podem ser herbívoros destrutivos, arrancando as espécies de ervas marinhas que ajudam a manter o ecossistema unido
Getty Images/BBC
Sem dúvida, eles observaram uma perda rápida na cobertura de ervas marinhas, particularmente de Amphibolis antarctica, e o ecossistema começou a mudar para um cenário mais tropical, dominado por ervas marinhas tropicais.
“Aprendemos que, quando não é controlada, a pastagem dos dugongos pode destruir rapidamente grandes áreas de ervas marinhas quando realizam o forrageamento de escavação”, diz Nowicki.
Essas mudanças podem ser duradouras.
“Quando as ervas marinhas se recuperam, a comunidade de ervas marinhas parece diferente, com espécies diferentes dominando.”
Estas descobertas enfatizaram o papel que os tubarões estavam desempenhando em Shark Bay.
“Sem os tubarões-tigre controlando os dugongos, a baía provavelmente se converteria em sua maioria em ervas marinhas tropicais”, afirma Nowicki.
Se as populações de tubarões continuarem diminuindo no ritmo que estão ao redor do mundo, a resiliência dos ecossistemas oceânicos ricos em carbono a eventos climáticos extremos, como ondas de calor, provavelmente ficará comprometida, concluiu a equipe de Nowicki.
Dito isso, Becca Selden, professora assistente de Ciências Biológicas no Wellesley College, nos EUA, diz que as consequências para Shark Bay podem ser mais profundas do que para a maioria, devido ao seu ecossistema único.
“O forte efeito pode ter sido reforçado por sua cadeia alimentar comparativamente simples no ecossistema de ervas marinhas, em que os predadores limitam a pastagem por um megaherbívoro”, explica Seldon.
Em outras palavras, outros habitats costeiros podem não se sair tão mal quanto Shark Bay quando colocados sob pressão semelhante.
Além de manter o número de peixes-boi baixo e tornar os ecossistemas de ervas marinhas mais resistentes, os tubarões-tigre também desempenham outro papel crucial na manutenção da saúde do habitat.
Eles agem como fertilizantes potentes quando evacuam e quando morrem nas pradarias.
“Vertebrados longevos podem atuar como sumidouros de carbono quando o carbono consumido na superfície do oceano é transferido para o fundo do oceano por fezes e/ou carcaças que caem no fundo do mar”, diz Selden.
Esse fenômeno, conhecido como sequestro de carbono, é bem conhecido no caso das baleias, mas há pesquisas que mostram que os mesmos benefícios existem quando se trata de tubarões.
Um estudo conduzido por Jessica Williams, da Universidade Imperial College London, no Reino Unido, descobriu que os tubarões-cinzentos-dos-recifes, comumente encontrados em ecossistemas de recifes rasos, transferem nutrientes como nitrogênio para seus habitats por meio de matéria fecal.
Eles estimaram que a população de mais de 8 mil tubarões cinzentos no Atol de Palmyra fornecia cerca de 94,5 kg de nitrogênio por dia.
Com o número global de tubarões diminuindo, a necessidade de entender como eles sustentam seus ecossistemas se torna ainda mais premente
Getty Images/BBC
Como os tubarões-tigre em Shark Bay passam muito tempo caçando e se movendo pelos leitos de ervas marinhas, é provável que forneçam benefícios fertilizantes semelhantes a essas plantas.
“Os grandes tubarões pelágicos podem ser os colaboradores mais importantes para esse efeito, incluindo o tubarão-azul, o tubarão-mako e o tubarão-martelo”, afirma Selden.
Quando se trata de aumentar o número de tubarões, os conservacionistas enfrentam um adversário formidável: a indústria pesqueira.
De acordo com Nowicki e Selden, tem havido um movimento em direção a uma pesca mais sustentável, mas uma grande parte da indústria não modificou seus métodos, o que é um dos principais motivos pelos quais muitos superpredadores marinhos continuam em declínio.
A variação no rigor das leis de proteção animal entre os diferentes países também desempenha um papel nisso.
“Como muitos peixes predadores também são abrangentes, eles podem abranger as jurisdições de muitas nações, algumas das quais podem não protegê-los ou adotar práticas pesqueiras sustentáveis”, diz Nowicki.
Reduzir a pesca ilegal e não sustentável tem sido uma batalha difícil, embora os consumidores estejam se tornando mais conscientes do ponto de vista ambiental e escolhendo pescados sustentáveis, ​​em vez de não sustentáveis.
“A gestão sustentável, coordenada e baseada no ecossistema da pesca é uma ferramenta importante para conservar esses predadores e seu papel ecológico. Os cidadãos comuns podem fazer isso se informando, lendo sobre ciência, exigindo que a pesca se torne ou permaneça sustentável e comprando frutos do mar sustentáveis”, sugere Nowicki.
Se você não tiver certeza de quais frutos do mar são realmente sustentáveis, o Marine Stewardship Council (MSC) avalia a pesca internacionalmente — portanto, se um distribuidor for certificado como sustentável, haverá um selo azul do MSC na embalagem.
E além de apoiar a pesca sustentável, Nowicki diz que a única maneira de proteger verdadeiramente a vida marinha é reduzindo nossas emissões globais de gases de efeito estufa.
“Em última análise, se vamos conservar nossos ecossistemas nos séculos que virão, precisaremos resolver as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, cuidar da conservação das espécies.”
Mesmo se as populações de tubarões forem restauradas para números mais abundantes, sua contribuição para a mitigação e sequestro do carbono será apenas uma pequena parte no esforço para conter as mudanças climáticas.
Mas a abundância de tubarões tem um efeito em cascata inegável sobre os diversos ecossistemas marinhos que dependem de ervas marinhas abundantes e saudáveis ​​de uma forma ou de outra.
Ao nivelar o campo de jogo ecológico, os tubarões estão fortalecendo esses ecossistemas contra a ameaça da mudança climática, para que possam viver para sequestrar carbono mais um dia.
Protestos pelo mundo antes da COP26: manifestantes tomam as ruas contra mudanças climáticas

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Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

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Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
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O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
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Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
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Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

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Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

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Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

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Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

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