Connect with us

Coisas do Mato

O projeto inovador que salvou corais da destruição após furacão

Published

on

Quando a tempestade Iris atingiu o sul de Belize, em 2001, os magníficos recifes do país foram devastados. Mas, em dez anos, um esforço de restauração radical trouxe o ecossistema de volta à vida. ONG transplantou corais para repovoar o recife em Belize
Getty Images via BBC
Com o banco de corais partido ao meio e os corais transformados em escombros, o mundo subaquático do Parque Nacional Laughing Bird Caye, na costa de Belize, não se parecia em nada com o lugar vibrante e colorido que prosperava com vida antes de ser varrido pelo furacão Iris, em 2001.
A tempestade deixou a água turva e lamacenta, enquanto criaturas mortas em decomposição eram arrastadas para a costa.
Quando Lisa Carne visitou a ilha pela primeira vez, em 1994, havia tantos corais elkhorn laranja-avermelhados enormes entrelaçados, que ela mal conseguia nadar entre eles ou ao seu redor.
O recife era abundante em peixes, corais, lagostas, caranguejos, esponjas e tartarugas marinhas. Mas, depois do furacão, tudo isso foi destruído.
Com apenas alguns corais sobreviventes, o local parecia mais um cemitério.
LEIA TAMBÉM
14% dos corais do mundo desapareceram entre 2009 e 2018
Pesquisadores usam impressoras 3D para recuperar corais em Porto de Galinhas (PE)
Cientistas congelam sêmen de corais para tentar salvar espécies no Brasil
Não era a primeira vez que Carne via um recife morto. Em 1995, ela se mudou da Califórnia para Belize, e trabalhou como assistente de pesquisa voluntária na Carrie Bow Cay, uma estação de campo da Smithsonian Institution.
Ela testemunhou os efeitos do primeiro fenômeno de branqueamento de coral em Belize, que abriga a segunda maior barreira de corais do mundo.
O branqueamento deixa a estrutura dos corais intacta, mas o coral perde as algas que vivem em uma relação endossimbiótica com seus pólipos.
Embora alguns corais se recuperem à medida que as algas retornam, muitos morrem.
O furacão Iris foi catastrófico de uma maneira diferente.
Não apenas matou corais, como também arrancou sua estrutura, tornando a recuperação ainda mais difícil.
Carne quis começar a repovoar imediatamente os recifes com o plantio de corais, mas demorou muitos anos para convencer os financiadores de que sua ideia era viável.
A sobrevivência os corais transplantados foi alta: mais de 80% ainda estão vivos hoje
Getty Images via BBC
As pessoas argumentavam, e ainda argumentam, que sem resolver os problemas que causam a morte dos corais, colocá-los de volta no recife não faria sentido.
Durante cinco anos após o furacão Iris, o recife ficou descoberto. Havia poucos corais vivos, cardumes de peixes ou lagostas, e o fundo do mar estava coberto de destroços de recife e esponjas incrustadas.
Carne começou a apresentar suas propostas de restauração em 2002, mas por vários anos não teve sorte.
Até que, em 2006, os Estados Unidos colocaram os corais acroporídeos caribenhos (o tipo de coral ramificado de crescimento mais rápido no Caribe e principal formador de recifes) na lista de ameaçados de extinção, e um financiador local aprovou o projeto de Carne para restaurar o recife.
Carne começou fazendo um teste, transplantando 19 fragmentos de coral elkhorn da principal barreira de recife a cerca de 31 km de distância.
“As pessoas me perguntavam por que estava indo tão longe em busca dos corais”, lembra Carne.
“Elas pensavam que esses corais eram comuns, como areia. Mas, depois de duas semanas de mapeamento, descobri que eles não estavam mais em todos os lugares.”
Na verdade, ela descobriu que a estrutura e cobertura dos corais — que abrangiam de 15% a 28% da área do parque nacional antes da tempestade — haviam caído para menos de 6%.
Uma série de casos de branqueamento se seguiram ao furacão, mas nem tudo foi perdido.
Carne percebeu que havia bolsões no recife que ainda pareciam relativamente saudáveis.
Como a sobrevivência inicial dos transplantes realizados em 2006 foi alta (mais de 80% ainda estão vivos hoje), ela continuou a identificar os corais sobreviventes e começou a semear novamente os recifes em 2010.
Mas restaurar um recife não é tão simples quanto pode parecer e envolve tentativa e erro, geralmente com aprendizados ao longo do caminho.
Quando os cientistas começaram a explorar a ideia de restauração de recifes, eles pensavam que quanto maior o transplante, maior a chance de sobrevivência.
Mas, em 2015, o biólogo marinho David Vaughan descobriu que o oposto também pode ser verdadeiro — quanto menor o fragmento, mais rápido ele cresce.
A chamada microfragmentação acelerou consideravelmente o trabalho de restauração.
Enquanto inicialmente a equipe de Carne cortava os corais em pedaços de cerca de 10 cm e os cultivava em um viveiro até atingirem cerca de 30 cm para depois transplantá-los para o recife, esta descoberta permitiu que a equipe acelerasse as taxas de crescimento no viveiro para certas espécies de coral e pulasse completamente esta etapa para outras.
Carne trabalhou com outros pesquisadores em genética de corais, doenças, branqueamento e reprodução para buscar a melhor maneira de restaurar o recife.
Em 2009, Illiana Baums, professora de Ecologia Molecular da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, a aconselhou sobre a distância adequada para plantar diferentes exemplares de cada espécie de coral para estimular a desova (reprodução sexuada — que aumenta a diversidade genética e a resiliência dos recifes).
Episódios de desova bem-sucedidos foram posteriormente documentados entre 2014 e 2016.
Apesar desses avanços, a tarefa de replantar corais em mais de um hectare de recife raso era demais para uma equipe de pesquisa de duas a quatro pessoas.
Depois que o mapeamento de Carne revelou a extensão dos danos aos corais, a população local percebeu como eles haviam se tornado escassos.
Barreira de corais de Belize é a segunda mais extensa do mundo
Getty Images via BBC
Pescadores e guias turísticos da aldeia vizinha de Placencia foram os primeiros a notar o sucesso dos esforços de transplante de corais, e se ofereceram para ajudar Carne com o plantio.
Em 2013, Carne registrou uma organização comunitária sem fins lucrativos em Belize chamada Fragments of Hope, e dois anos depois abriu uma filial nos Estados Unidos.
A Fragments of Hope desenvolveu um curso de treinamento em restauração de corais, aprovado pelo Departamento de Pesca de Belize, que certificou mais de 70 belizenhos até agora, diz Maya Trotz, professora de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade do Sul da Flórida, nos Estados Unidos, e membro do conselho americano da Fragments of Hope.
A restauração complementa a renda da população local proveniente do turismo e da pesca com trabalhos de restauração.
“A Fragments of Hope engaja os jovens e criou livros para colorir e quebra-cabeças sobre o recife, apresentando a arte de um artista local”, diz Trotz.
“Mais de 2,5 mil foram distribuídos até agora para escolas em Belize.”
Até o momento, mais de 85 mil corais foram plantados no Parque Nacional Laughing Bird Caye.
O monitoramento de longo prazo mostra que 89% sobreviveram após 14 anos — muito mais do que a sobrevivência típica após uma restauração.
No geral, a cobertura de coral do fundo do mar no parque aumentou de 6% para 50% entre 2010 e 2017.
Os relatórios também sugerem uma tendência ascendente nos corais ao redor de Belize como um todo, passando de 11% do fundo do mar pesquisado em 2006 para 17% em 2018 por meio da recuperação natural.
O trabalho de restauração de recifes em Belize é único porque se concentra em recifes rasos — o tipo que ajuda a proteger as costas — em uma área escassamente povoada.
Com uma população relativamente pequena de aproximadamente 420 mil habitantes, Belize não exerce tanta pressão sobre seus recifes como seus vizinhos mais populosos.
“Acho que os fatores fundamentais para o sucesso da Fragments of Hope são a abordagem baseada na ciência, o vasto conhecimento local e a dedicação e persistência de Lisa”, afirma Baums.
As iniciativas de Belize para proteger seus recifes também desempenharam um papel importante.
O Parque Nacional Laughing Bird Caye foi fundado em 1994.
Belize proibiu a pesca de arrasto de camarão, o uso de redes de emalhe, a exploração de petróleo em alto mar e protegeu totalmente as famílias de peixes que se alimentam das algas dos recifes, como o peixe-papagaio e o peixe-cirurgião.
Como a única organização que pratica a restauração de recifes em Belize, a Fragments of Hope tem sido capaz de cooperar com o governo.
Juntos, eles estão trabalhando agora em um plano nacional de restauração para reposição de corais.
Mas, apesar das restrições do governo, houve um desenvolvimento costeiro descontrolado, que destruiu bancos de corais de manguezais em Belize.
Também há planos para construir novos portos para cruzeiros.
“É difícil acordar todas as manhãs e fazer o que você faz quando há decisões maiores sendo tomadas que você não pode controlar”, diz Carne.
Peixes que não eram vistos mais no recife voltaram
Getty Images via BBC
As técnicas desenvolvidas pela Fragments of Hope foram aplicadas com sucesso na Colômbia, Jamaica e na ilha caribenha de Saint Barts, assim como em sete áreas marinhas protegidas e dez outros lugares em Belize.
Antes da Covid-19, a Fragments of Hope organizou intercâmbios, visitas de estudo e workshops para compartilhar experiências em todo o Caribe.
As pessoas aprenderam como selecionar um local de restauração apropriado com base em uma longa lista de critérios, montar viveiros, aparar corais e usar cimento para o plantio.
A organização também compartilha seus métodos e experiências online.
“A Fragments of Hope é um centro de inovação, atraindo talentos da Península de Placencia e de todo o mundo, todos inspirados na abordagem proativa de restauração de corais”, diz Trotz.
Após 15 anos de esforços de restauração, o recife de coral do Parque Nacional Laughing Bird Caye, que já foi um cemitério de destroços, agora está cheio de vida.
Os corais staghorn e elkhorn estão novamente cobrindo o fundo do mar, se reproduzindo e fornecendo refúgio para várias espécies.
Lagostas gigantes, caranguejos, raias-águia e tartarugas marinhas, que eram abundantes antes do furacão, agora vagam pelo recife.
Cardumes de peixe-papagaio e peixe-cirurgião também voltaram e se alimentam das algas dos recifes para que os corais possam se propagar ainda mais.
Cientistas, restauradores de recifes e mergulhadores apaixonados concordam que o recife de coral de Laughing Bird Caye é único.
“Não vejo esse tipo de cobertura de acroporídeos desde o final dos anos 1970 ou início dos anos 1980. É bem impressionante”, afirma Mark J. Butler IV, professor e pesquisador da Old Dominion University, nos Estados Unidos, um dos muitos visitantes que foram admirar o próspero mundo subaquático do recife restaurado.
Embora o projeto tenha obtido um sucesso substancial, a manutenção do recife provavelmente será uma batalha árdua.
O branqueamento de corais está se tornando mais extremo a cada ano devido às mudanças climáticas e às tempestades mais frequentes e severas.
Se as emissões de gases do efeito estufa não forem controladas globalmente, poucos corais deverão sobreviver no cenário atual.
Os casos de branqueamento em Belize estão piorando progressivamente, segundo Carne.
Mas se ela tivesse esperado emissões zero para começar seu trabalho, o recife hoje poderia parecer não muito mais vivo do que depois que foi atingido pelo furacão Iris.
Assim, enquanto muitos acadêmicos ainda criticam a ideia da restauração de recifes em um mundo de aquecimento dos oceanos, o declínio constante dos recifes em todo o mundo levou a projetos do tipo em mais de 50 países — embora nenhum ainda se aproxime da dimensão ou longevidade do trabalho realizado em Belize.
“Quando começamos, talvez uma ou duas pessoas estivessem fazendo restauração de recifes”, diz Carne.
“Mas hoje em dia, todo mundo está fazendo. Eu brinco que é como ioga agora.”

Continue Reading
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Coisas do Mato

Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

Published

on

By

Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
Leia também:
Projeto cataloga Imbuias gigantes, espécie símbolo em risco de extinção
Árvores de ‘espécies exóticas invasoras’ com proibição de plantio em SC
Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias
Veja mais notícias do estado no g1 SC

Continue Reading

Coisas do Mato

Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

Published

on

By

Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

Continue Reading

Coisas do Mato

Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

Published

on

By

Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

Continue Reading

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.