‘Gracinha’, álbum menos ‘fácil’ da carreira, tem letras para fugir do papel de ‘palhacinha’: ‘Tem um monte de gente legal que vai ouvir o que tenho para dizer. Eu não preciso querer estar no topo’. Manu Gavassi fala sobre ‘Gracinha’, o quarto álbum de sua carreira
Manu Gavassi não quer mais tocar tamborzinho. Pelo menos, por um tempo. Agora, a nova era da cantora e atriz é mais melancólica, depois de uma participação no BBB19 com dancinhas ao som de “Don’t Start Now”, de Dua Lipa.
“Gracinha”, o quarto álbum da carreira, foi lançado nesta sexta-feira (12). No dia 26 de novembro, o projeto também ganhará um álbum visual no Disney +.
O sucessor de “Manu”, de 2017, é um disco menos “fácil”. “Eu tentei nesse processo desse álbum não me julgar, eu fiz as coisas do jeito que elas vieram. Eu não fiquei lutando para me colocar na categoria mais fácil e foi bem libertador”, diz ela ao g1 (veja entrevista no vídeo acima).
Na entrevista, Manu fala das parcerias com Tim Bernardes (da banda O Terno) e Lucas Silveira (da Fresno). Ela também explica que por muito tempo lançou músicas mais falando do que cantando, por medo de críticas.
Manu Gavassi
Divulgação/Gabriela Schmidt
g1 – A gente vive numa época de muito singles clipes. E aí eu queria que você me vendesse a ideia de termos um álbum em 2021…
Manu Gavassi – Pois é menino, eu te vendo: por que eu não sei fazer outra coisa. Eu acho que eu pensei muito no conceito de sucesso, nos últimos anos, o que é extremamente relativo. Porque você pode estar com números, com dinheiro e no topo.
E estar perfeitamente infeliz com o que você está fazendo e eu comecei a pensar para mim o que era, como eu iria me sentir pessoalmente bem-sucedida e eu sou uma pessoa que eu gosto muito de histórias, né? Não faz sentido lançar um monte de coisa solta que não imprime uma ideia completa. Isso, para mim. Eu acho que tem pessoas que são extremamente felizes fazendo isso.
“Mas eu entendi que eu tentar me encaixar nessa categoria de ser melhor amiga do algoritmo não fazia sentido para mim não.”
Tem um monte de gente legal que gosta de mim que vai ouvir o que eu tenho para dizer. Eu não preciso querer estar no topo. Então, acho que quando você pensa em números, nesse tipo de sucesso, é um é um tiro no pé. Você lança um single por mês. Só que quando você pensa que sucesso é o que te deixa feliz e completa: são esses projetos que no final da sua vida, você vai olhar e falar: “Nossa eu construir um legado que eu tenho orgulho”. Eu tentei neste álbum não me julgar, eu fiz as coisas do jeito que elas vieram. Eu não fiquei lutando para me colocar na categoria mais fácil e foi bem libertador.
g1 – O álbum parece trilha de visual de um filme, faz lembrar trilhas feitas pelo John Brion [‘Brilho Eterno’], pelo Yann Tiersen [‘Amélie’], meio melancólico indie gracinha. Era essa a ideia?
Manu Gavassi – [Risos] Cara, eu acho que eu abracei o meu lado melancólico assim, porque eu estava vivendo muito essa fase, né? Esse álbum ele só existe por conta da faixa “Gracinha”. Antes disso, o Lucas Silveira [produtor e líder do Fresno], que é meu produtor e amigasso… ele estava me mandando várias bases, várias coisas muito pop. Eu vi aquilo e eu não sabia o que fazer com aquilo, não despertava nada em mim. Eu não consegui escrever em cima daquilo. Eu ficava meio perdida.
Lucas Silveira, produtor e vocalista da Fresno, tocou com Manu Gavassi no MTV Miaw 2021
Divulgação/Cleiby Trevisan
Então, eu fiz uma coisa que era o oposto do que eu estava fazendo nos últimos anos que é não me julgar, não me colocar numa categoria. “Gracinha” foi uma grande surpresa, porque eu tinha tido uma conversa com meu empresário, Felipe Simas… Eu falei para ele:
“Eu não sei se eu vou conseguir lançar um álbum na vida, porque eu estou pautando a minha carreira no momento em fazer gracinha de mim mesma o tempo inteiro. Isso é uma máscara, é uma grande insegurança.”
Não estou querendo fazer gracinha no momento. O que essa letra fala é aquilo de você se imaginar aquela pessoa no picadeiro, aquela palhacinha tentando agradar, mas triste por dentro. Depois, acabou que não virou exatamente palhaço, mas era uma bailarina, era alguém que dançava quando era pedida para dançar… Era o meio de reality show que eu estava. Eu me senti às vezes: “Caraca, toca minha música e eu tenho que dançar, eu tenho que agradar.”
E agora, Manu Gavassi? A vida pós-BBB
Manu Gavassi
Divulgação/Gabriela Schmidt
Eu quero ser uma boa menina, eu quero agradar. Acho que o ser humano tem muito isso. No fundo do nosso subconsciente e com as redes sociais, elas só mostram isso o tempo inteiro: agrade, agrade, agrade. Faz você ter uma resposta imediata, né? Os biscoitos que você ganha quando você agrada. Então, foi pensando nisso que eu escrevi “Gracinha”. Ela já nasceu melancólica, mas é uma música que mostra tantas nuances de quem eu sou né?
Eu estava ouvindo tantas coisas diferentes, de repente é uma música meio atemporal, sem querer parecer uma coisa meio MPB. Eu pensei “que loucura eu ter escrito isso, que loucura essa melodia ter saído de mim nesse momento da minha vida”. Eu tentei nesse processo desse álbum não me julgar, eu fiz as coisas do jeito que elas vieram. Eu respeitei o jeito que ela. Eu não fiquei lutando para me colocar na categoria mais fácil e foi bem libertador.
g1 – Você vê a relação também com a era ‘Smile’ da Katy Perry, que também fez um álbum com essa ideia de que querem que ela seja uma palhaça, que ela use roupas engraçadas, que se vista de pin-up, mas não a levam a sério, querem só auto zoação?
Manu Gavassi – Claro, eu acho que tem muito disso. Acho que várias artistas do pop tem como a gente fazer esse paralelo. Eu lembro da Katy Perry, da capa do álbum dela com ela como palhacinha, né? Eu também vi a Miley Cyrus falando sobre isso agora recentemente, com ela nesses shows que ela está fazendo em festival… ela desabafou que era chamada de muitas coisas, e aquilo fazia parte do que ela era, mas ela não era exatamente assim, não a definia completamente. E é isso que eu sinto.
É muito perigoso a gente se tornar um personagem de nós mesmos e eu corria esse grande risco, de ser conhecida por uma coisa, aquele momento ficar marcado para sempre. Eu me recuso, porque acho que nenhum de nós somos só uma coisa.
Eu penso muito na Rita Lee. Eu sempre amei muito ela. Fiquei pensando que tipo de artista eu quero ser no futuro, quando eu olhar para trás, sabe? E eu vejo que a Rita é conhecida por ser uma roqueira genial, debochada, mas se você olha para trajetória dela, ela foi a primeira popstar mainstream do nosso país. Ela tinha trocas de roupa, ela tinha um show que era extremamente lúdico, ela fazia graça com tudo, ela juntava moda com música, com discurso, com deboche. Ela era muito subestimada na época dela e ela também não se prendia a um ritmo. Então, eu comecei a pensar muito nisso: não vou permitir que as minhas inseguranças me transformem em uma personagem de mim mesma.
g1 – Falando dos feats, como foi gravar com o Tim Bernardes e com Amaro Freitas?
Manu Gavassi – Ah, eu nem acredito que eles toparam! Que grande surto foi isso. Eu não conhecia o trabalho do Amaro. Eu compus gracinha em 15 minutos no banho, a música veio baixou em mim. Eu entendi que ali eu tinha um álbum e no dia seguinte foi super-rápido, eu fui para o estúdio do Lucas e a gente tinha chamado um outro um outro produtor musical que eu gosto muito, que se chama Diogo Strauss.
Capa de ‘Gracinha’, de Manu Gavassi
Divulgalção
Eu trouxe essa música, fazia muito sentido para mim… O Lucas falou: “Hm, tá.” Mas é que eu estava cantando no banho, tipo uma melodia, não tinha nada ainda. Eu falei: “É clássico, sei lá é com um piano”. Daí, eles se sentaram no piano e o Diogo deu a ideia, falou do Amaro: “Ele ia fazer isso muito bem”. Mas ele falou ele é um pianista de jazz. Eu falei: “Panista de jazz nunca vai topar fazer alguma coisa no meu álbum”. Eu tenho uma autoestima extremamente baixa para alguém tão segura, é impressionante. No dia seguinte, eu comecei a pesquisar o Amaro, fiquei obcecada. A gente entrou em contato e ele foi superaberto e super querido.
Daí, eu conversei com o Tim. Na época que eu estava sem celular, eu tive um surto e fiquei desconectada um tempão. Fiquei sem celular me comunicando por e-mail com as pessoas, e eu consegui o e-mail do Tim. Eu abri meu coração, falei sobre o que era a música, falei como era fã do Terno, como eu era fã dele. Falei de todo o conceito visual que ele criava para tudo, que eu me inspirava muito nisso assim desde muito nova.
Eu contei tudo que a música significava e eu recebi uma resposta linda dele, muito carinhosa: “Manu, te admiro muito, admiro muito seu corre e te acho extremamente interessante como artista. Já me senti “gracinho” em diversos momentos da minha carreira. Então, eu entendo. Isso é um discurso que eu me sinto à vontade de cantar com você e vou gravar foi assim”. Então, foi muito legal ver que é não era um desabafo só meu. Outros artistas se identificavam com aquilo de alguma maneira, sabe?
g1 – Como foi como foi a decisão de incluir ‘Catarina’ no álbum? Você poderia me contar a história brevemente da música, de como você presentou sua irmã com ela?
Manu Gavassi – Catarina é minha irmã mais nova. No aniversário dela, em 23 de janeiro, eu estava brincando com o violão. Estava nesse período antes de gravar e daí eu tinha aprendido uns acordes que eu nunca usava. Daí eu falei: “Ah, deixa eu ver para onde isso leva a minha cabeça em termos de melodia”. Eu estava tentando não me julgar muito.
“Por muito tempo, eu achei que o ideal seria calar a minha voz, seria cantar o máximo que eu posso com a voz falada. Sem levantar a voz nunca para não ninguém falar que minha voz é feia, infantil, que eu canto como uma princesa.”
Manu Gavassi
Divulgação/Gabriela Schmidt
Acho que são comentários que eu recebia no começo que me traumatizaram tanto que eu moldei a minha vida inteira para não os ter nunca mais, o que é um grande boicote.
Enfim, estava tentando fazer esse exercício de deixar a melodia me levar para onde ela tem quisesse me levar. Eu estava brincando no violão e eu escrevi essa música para minha irmã. Dei de presente de aniversário, gravei bonitinho no meu celular mesmo. Mandei a música para ela, que estava viajando. Ela me ligou chorando, acabada: “você destruiu meu dia, eu estou chorando muito”.
Nunca pensei em colocar essa música no álbum. E é zero o que você espera de um álbum pop, né? Mas eu tomei uma decisão: eu fiz essa música e eu quero que ela entre no álbum. Eu lembro que o Lucas falou tipo: “Legal, lindo, maravilhoso, essa música é tipo um puta presente, mas não tem nada a ver com você no momento, não tem nada a ver com o seu álbum”. Daí eu falei: “tem a ver, porque eu que escrevi. Então, tem a ver eu vou partir desse princípio.” Eu escrevi, saiu de mim, emocionou as pessoas que me amam, me emocionou, está no álbum. [risos]
Capa do single ‘Sub.ver.si.va’, de Manu Gavassi
Divulgação
g1 – Como está o processo na sua cabeça de transformar o álbum em show, em turnê? É algo que que já está adiantado?
Manu Gavassi – Ainda não sabemos, porque primeiro foi um passo tão grande parir um álbum visual neste ano que eu fico imaginando o que vai ser disso no palco. Como que eu vou poder trazer esses elementos? Ainda estou montando na minha cabeça, mas eu também não tenho pressa. Acho que a gente aprendeu na marra que a gente deve esperar, não ser tão ansioso. Então, eu acho que no momento certo eu vou ter a ideia certa para representar isso no palco.
g1 – A gente tem uma brincadeira aqui na redação do g1: quando a gente tem uma ideia, uma sacada, a gente discute entre si para pensar se vale uma reportagem, ou se só vale um tuíte na conta pessoal mesmo… Como você faz para pensar se uma frase, se uma ideia sua vale uma letra ou se vale só um post?
Manu Gavassi – É uma excelente pergunta. Porque eu não sei te responder. Realmente, eu acho que são tantas referências que a gente recebe hoje em dia… Eu tenho anotações que às vezes viram uma coisa ou outra.
O melhor exemplo disso na minha vida foi “Deve ser horrível dormir sem mim”. Eu não sei de onde veio essa música. Porque eu tinha essa frase no meu bloco de notas há dois anos. Em um momento, eu fui arrogante, tive esse lapso de autoestima… daí, resolvi acreditar nessa personagem, né? Fiz uma música brincando com vários elementos “excêntricos” de quem sou e chamei a Glória Groove. Então, acho que essa foi uma pira que eu não dava nada, nem sei de onde veio e foi um adorável sucesso.