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Sylvia Telles é retratada em biografia como mulher à frente do tempo na música e na vida

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Com prefácio de Joyce Moreno, livro de Gabriel Gonzaga desvenda trajetória da cantora que ajudou João Gilberto a chegar à bossa nova. Capa do livro ‘Para ouvir Sylvia Telles’, de Gabriel Gonzaga
Divulgação
Resenha de livro
Título: Para ouvir Sylvia Telles
Autoria: Gabriel Gonzaga
Editora: Showtime
Cotação: * * * * 1/2
♪ Em texto escrito para a contracapa do livro Para ouvir Sylvia Telles, Ruy Castro qualifica a biografia como “um milagre” e celebra a quebra do silêncio sobre essa cantora carioca, fundamental na abertura de caminhos que geraram o som moderno rotulado em 1958 como bossa nova.
No prefácio, Joyce Moreno relata a alegria de finalmente poder conhecer “a cantora de minha devoção” a partir da leitura da biografia escrita pelo músico e pesquisador paulista Gabriel Gonzaga. Nas páginas 37 e 38, quem atesta a modernidade de Sylvia Telles é ninguém menos do que João Gilberto (1931 – 2019) em depoimento ao autor do livro, lançado em 21 de dezembro de 2021 pela editora Showtime.
“Sylvinha era encantadora, e eu, fascinado por ela. Ela dava palpites na maneira como eu cantava, nos acordes do violão. Ela entendia muito, então me ajudou nesses quesitos”, relata João a Gonzaga, em testemunho que atesta definitivamente a importância da cantora na gestação da bossa.
Tais ilustres credenciais fazem justiça ao livro de Gabriel Gonzaga. Após 56 entrevistas que embasam minuciosa pesquisa em jornais e revistas da época da artista, em empreitada que consumiu dez anos de trabalho, o pesquisador desvenda no livro a vida e a obra de Sylvia D’Atri Telles (27 de agosto de 1935 – 17 de dezembro de 1966).
E o retrato que emerge ao longo das 470 páginas da biografia é o de uma mulher moderna na música e na vida. Sylvia Telles encarnou o que se caracteriza atualmente como mulher “empoderada”.
Ignorando padrões comportamentais dos hipocritamente dourados anos 1950, Sylvia experimentou os prazeres do sexo antes do casamento, encarou noites de boêmia em companhias masculinas e desafiou (na medida do possível) a autoridade patriarcal para ingressar na carreira artística (e para namorar João Gilberto quando tinha 16 anos).
Gabriel Gonzaga conta como, em um primeiro momento da vida, Sylvia quis ser bailarina – o que explicam a pose e o figurino da artista na foto exposta na capa de Carícia (1957), primeiro dos dez álbuns que a cantora legou ao mundo até ter a vida interrompida prematuramente, aos 31 anos, em fatal em acidente de carro nos arredores da cidade fluminense de Maricá (RJ).
Contudo, o ingresso na vida artística aconteceu efetivamente no teatro. Sim, Sylvia também foi atriz em trajetória fugaz iniciada em 1954, ano em que fez teste para concorrida vaga de curso do Teatro Duse, companhia comandada pelo ator e diretor Paschoal Carlos Magno (1906 – 1980).
Por capricho ou imposição do destino, foi no teatro que Sylvia começou a chamar atenção como… cantora de voz moderna.
Ao lado do compositor e violonista José Cândido de Mello Mattos Sobrinho, o Candinho, com quem namorou e casou entre tapas e beijos, em união que gerou a cantora Claudia Telles (1957 – 2020), Sylvia se tornou a sensação da peça Gente bem e champanhota – sucesso da temporada teatral carioca que entrou em cena em 24 de março de 1955 – ao cantar sambas de Noel Rosa (1910 – 1937) e, sobretudo, ao realçar o sabor sensual de Amendoim torradinho.
Composto em 1934 por Henrique Beltrão (1915 – 1949) e apresentado na voz da cantora Aracy Cortes (1904 – 1985) em número de teatro de revista encenado em 1936, o samba estava esquecido, até ser revitalizado por Sylvia em cena e em disco.
Saudada pela crítica teatral, Sylvia Telles viu o sucesso na peça abrir o caminho para a carreira de cantora que lhe tornaria imortal na música brasileira após fase de indecisão em que Sylvia chegou a protagonizar com Candinho, na TV, a sitcom Música e romance, cenário para brigas (reais) do casal enquanto esteve (ao vivo) no ar pela TV Rio ao longo de 1957.
Pelo teatro, a porta da indústria fonográfica foi aberta para a cantora na Odeon, gravadora na qual, ao cruzar os caminhos profissionais de Aloysio de Oliveira (1914 – 1995) e Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), Sylvia Telles fez história em 1956 ao gravar o samba-canção Foi a noite, de Jobim, com tal modernidade que o fonograma se tornaria marco na transição da era do samba-canção para a bossa nova.
Gabriel Gonzaga conta o resto dessa história e também o que veio antes, desvendando no início do livro a ascendência da família da cantora. Entre dois cadernos de fotos, o autor detalha todo o envolvimento de Sylvia Telles com a turma da bossa nova. É nesse momento que fica enfatizada a generosidade da artista que, se valendo da proximidade com o então namorado Aloysio de Oliveira, fez com que as portas da gravadora Odeon se abrissem para Elza Soares e Sérgio Ricardo (1932 – 2020).
“Silvinha era muito alegre, um tanto mordaz e engraçada”, lembrou Sérgio Ricardo em depoimento para o livro, ressaltando um traço da personalidade da artista que fica evidenciado ao longo das páginas do livro Para ouvir Sylvia Telles.
Embora focada na trajetória artística da cantora, com relatos sobre shows e álbuns como Amor de gente moça (1959) e Amor em hi-fi (1960), a biografia molda o perfil de mulher livre que se permitiu viver casos fugazes com nomes como Ronaldo Bôscoli (1928 – 1994) e Roberto Carlos.
Com Roberto, o flerte foi na fase pré-fama do artista, quando o cantor ainda batia ponto na boate Plaza como imitador de João Gilberto. Contudo, o caso mais relevante de Sylvia Telles com Roberto Carlos é artístico e está contado na página 376.
Em 1966, ano em que a música brasileira opunha nacionalistas de um lado e “alienados” do outro, Sylvia foi sonoramente vaiada quando cantou o rock Quero que vá tudo para o inferno (1965) – lançado por Roberto no ano anterior com estrondoso sucesso que irritou a ala engajada da MPB – no show coletivo Nossa nova hora, idealizado e realizado pela turma nacionalista. Sylvia Telles chorou na coxia pelas vaias da plateia implacável com a “traição” da cantora.
O caso é exemplar por mostrar que, antes e depois da fama, Sylvia Telles sempre foi mulher à frente do tempo na música e na vida – face revelada em biografia que peca somente por lapsos eventuais na revisão do fluente texto. E que, fazendo jus ao título Para ouvir Sylvia Telles, relaciona ao fim do livro toda a discografia da cantora, dando os devidos créditos aos compositores que tiveram o privilégio de terem músicas bafejadas pelo canto cheio de frescor e ainda novo dessa carioca cheia de bossa.
Miraculosamente, o silêncio está quebrado.

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