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Bambas hasteiam bandeiras para a Mangueira em show tão grande que nem cabe explicação…

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Chico Buarque brilha em noite majestosa que expôs as nobrezas de Alcione, Leci Brandão e Teresa Cristina em apresentação no Rio, valorizada pelas presenças de Gal Costa e Xande de Pilares. Alcione arrepia ao cantar ‘Alvorada’ no show da Mangueira
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
Resenha de show
Título: Show de verão da Mangueira 2022
Artistas: Alcione, Chico Buarque, Gal Costa, Leci Brandão, Marquinho Art’Samba, Moacyr Luz, Pretinho da Serrinha, Teresa Cristina, Velha Guarda da Mangueira e Xande de Pilares
Direção e roteiro: Túlio Feliciano
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 30 de março de 2022
Cotação: * * * * 1/2
♪ Foi tão grande – e além das dimensões artísticas – o tradicional show anual em beneficio da Mangueira que nem cabe explicação sobre o que aconteceu na noite de ontem, 30 de março, no palco da casa carioca Vivo Rio.
É preciso recorrer aos versos do poeta Hermínio Bello de Carvalho – parceiro do portelense Paulinho da Viola no samba Sei lá, Mangueira (1968) – para entender que talvez nem os olhos mais atentos conseguiram perceber toda a beleza do momento em que, majestoso, Chico Buarque fez Sala de recepção (Cartola, 1976) e do instante em que Alcione arrepiou ao entrar no palco – no meio da apresentação da Velha Guarda da Mangueira, primeira atração do show no roteiro estruturado pelo diretor Túlio Feliciano – para reforçar o canto de Alvorada (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, 1968).
Em noite pontuada por solos e duetos, adornados pelas luzes verdes e rosas que saíam dos holofotes programados pelo iluminador Marcelo Linhares, um elenco de bambas – Alcione, Chico Buarque, Gal Costa, Leci Brandão, Marquinho Art’Samba, Moacyr Luz, Pretinho da Serrinha, Teresa Cristina, Velha Guarda da Mangueira e Xande de Pilares – hasteou bandeiras para a Estação Primeira no show que, em 2022, saiu do calendário habitual do verão para ocupar duas noites do outono carioca (há uma segunda apresentação programada para esta quinta-feira, 31 de março) por conta dos atrasos impostos pelo tempo da pandemia de covid-19.
Ali, no palco, foi hasteada bandeira da verde-e-rosa e também, pelas mãos de Chico Buarque, bandeira com a imagem do ex-presidente Lula, presente na plateia, acomodado em um dos camarotes da casa Vivo Rio.
A bandeira do samba feito por poetas do morro também foi metaforicamente hasteada pelo roteiro costurado com músicas de compositores do quilate de Cartola (1908 – 1980) – criador de oito maravilhas eternamente contemporâneas apresentadas ao longo do show – e Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), entre outros.
Em entra-e-sai constante, típico de roteiro de shows coletivos, a poesia e a irmandade se alastraram, unindo corações e gerações.
Se Xande de Pilares reverenciou Alcione ao entrar no palco quando a Marrom dava voz ao hino-manifesto Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aloísio Silva, 1975), antes de dividir com a cantora a interpretação de Autonomia (Cartola, 1977) e de eletrizar a plateia no número solo Tá escrito (Xande de Pilares, Carlinhos Madureira e Gilson Bernini, 2009), o sambista carioca armou a roda com Pretinho da Serrinha – diretor musical do show – para versar no partido alto Quem samba fica, samba de Tião Motorista (1927 – 1996) com José Bispo Clementino dos Santos (1913 – 2008), o popular Jamelão.
Xande de Pilares e Pretinho da Serrinha cantam partido alto de Jamelão no show da Mangueira
Ricardo Nunes / Divulgação
Jamelão é vértice do enredo triangular de 2022 em que, sob a batuta do carnavalesco Leandro Vieira, a Mangueira louva Cartola, Jamelão e Hélio Laurindo da Silva (1921 – 2012), o ritmista, diretor de bateria e mestre-sala conhecido como Delegado – como contextualizado no texto ouvido na voz de Leandro com o vídeo projetado no telão na abertura do show.
A entrada da portelense Teresa Cristina, ao som de Corri pra ver (Francisco Santana, Casquinha e Monarco, 2000) na voz do imperial Pretinho da Serrinha, fez pensar que, como a vida, o canto não é só isso que se vê.
Teresa canta com alma. Tem aura que a engrandece em cena, como provou ao dar voz aos sambas-canção Foi assim (Lupicínio Rodrigues, 1952) – em número evocativo da presença de Maria Bethânia, intérprete da música em gravação feita ao vivo em 1975 em show com Chico Buarque – e O mundo é um moinho (Cartola, 1976).
Nem sei se toda a beleza de que lhes falo sai tão somente do coração do crítico, mas, quando Teresa recepcionou a matriarca Leci Brandão ao som de Ensaboa (Cartola, 1976), com baticum que pareceu levantar a poeira e a magia dos terreiros férteis em que foi germinado o samba, toda uma carga de ancestralidade pairou sobre a plateia em momento sublime.
Como divindade afro-brasileira, exemplo de dignidade do alto dos 77 anos de vida e 50 de Mangueira, Leci reafirmou o ativismo ao percutir o tambor com que expôs o orgulho negro ao cantar Identidade (Jorge Aragão, 1992) antes de reviver o enredo político do samba O mestre-sala dos mares (João Bosco e Aldir Blanc, 1974).
Teresa Cristina e Leci Brandão evocam a ancestralidade do samba ao som de Cartola
Ricardo Nunes / Divulgação
E por falar em política, o efeito catártico provocado por Chico Buarque ao mandar o recado de Apesar de você (1970) – “Samba que canto há muito tempo, mas que vale a pena cantar de novo” – fez com que a entrada de Gal Costa no meio do bolero Folhetim (Chico Buarque, 1978) soasse como anticlímax.
Até porque não houve propriamente o esperado dueto de Gal com Chico, mas, sim, mera passagem de bastão no roteiro para que Gal – na primeira aparição no show da Mangueira desde 1994 – assumisse a cena para cantar Cartola (Acontece, samba-canção que Paulinho da Viola lançou em 1972) e expiar a amargura e solidão do samba-canção Volta (Lupicínio Rodrigues, 1957) antes de recorrer ao medley de marchas-frevos do show A pele do futuro (2018).
O medley carnavalesco de Gal esquentou o clima para a entrada de ritmistas da Mangueira no gran finale, feito com o desfile de sambas-enredos da escola, a começar pelo do Carnaval 2022, Angenor, José e Laurindo (Moacyr Luz, Leandro Almeida, Pedro Terra e Bruno Souza), puxado primeiramente pelo coautor Moacy Luz antes de ganhar potência e calor no vozeirão de Marquinho Art’Samba, intérprete oficial da Estação Primeira.
Foi o fecho esperado para show que resultou tão grande em várias dimensões que, a rigor, nem cabia tanta (tentativa de) explicação…
Gal Costa volta a participar do show da Mangueira após quase 30 anos
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio

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