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Mônica Salmaso ritualiza a paixão e fé da obra de Milton Nascimento em show com André Mehmari

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Em apresentação no Teatro Riachuelo, no Rio, a cantora e o pianista acentuam o caráter sagrado do cancioneiro do compositor em recital previsto para ser lançado em disco em data ainda incerta. André Mehmari e Mônica Salmaso na estreia carioca do show ‘Milton’
Pedro Ivo / Divulgação Teatro Riachuelo
Resenha de álbum
Título: Milton
Artistas: Mônica Salmaso e André Mehmari
Local: Teatro Riachuelo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 26 de maio de 2022
Cotação: * * * *
♪ A música de Milton Nascimento é sagrada. Embute forte componente sacro, e não somente quando ecoa as batidas dos sinos das catedrais de Minas Gerais. Como o canto solene de Mônica Salmaso também tem algo de celestial, a abordagem da obra desse compositor de alma mineira pela voz dessa artista paulistana resulta sublime em muitos momentos. O encontro acontece em Milton, recital apresentado por Salmaso com o pianista André Mehmari.
Derivado de registro audiovisual gravado pelo duo em estúdio em dezembro de 2020 e lançado em 15 de janeiro de 2021 no YouTube, o show Milton – previsto para ser lançado em disco pela gravadora Biscoito Fino em data ainda incerta – aportou na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em apresentação que lotou o Teatro Riachuelo na noite de ontem, 26 de maio de 2022, véspera do lançamento de Canto sedutor, álbum em que Salmaso se une a Dori Caymmi para cantar 14 músicas da parceria de Dori com Paulo César Pinheiro.
Tanto no disco quanto no show, que celebra os 80 anos que Milton Nascimento fará em 26 de outubro, o formalismo tradicionalista do canto da intérprete atinge altas esferas.
No recital com Mehmari, que se reveza entre o piano e marimba (evocativa dos sons artesanais do grupo mineiro Uakti), esse canto reverente ritualiza a paixão e a fé que pautam a obra de Milton Nascimento, inclusive as músicas de lavras alheias que o compositor escolhe cantar com a voz divina.
Sintomaticamente, um dos números que mais arrebatou o público foi a música justamente intitulada Paixão e fé (Tavinho Moura e Fernando Brant, 1977), cantada em feitio de oração em ponto alto de roteiro que se desviou da linha greatest hits, ainda que tenha abarcado Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso, 1975), Morro velho (Milton Nascimento, 1967) – número em que Salmaso adensou com dramaticidade depurada a saga ruralista dessa composição que expõe o apartheid social do Brasil – e Saudade dos aviões da Panair (Conversando no bar) (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974), toque político dos anos 1970 que se afinou com os recados dados por Salmaso nos momentos em que se dirigiu à plateia em falas feitas com mix de emoção (pelo reencontro presencial com o público carioca) e descontração.
André Mehmari evoca sons do grupo mineiro Uakti ao tocar marimba no show ‘Milton’
Pedro Ivo / Divulgação Teatro Riachuelo
Em que pese todo o tom ritualístico da obra do compositor e do canto da intérprete, o show Milton jamais soou pesado. E cabe ressaltar que, em cena, André Mehmari jamais se portou como o pianista acompanhante da cantora.
Em perfeita sintonia com Salmaso, o pianista é também um artista, que cria e faz de cada tema uma pequena suíte que embute citações de músicas como Ponta de areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974), por exemplo.
No bis, para citar outro exemplo, Mehmari emergiu com citação do samba Águas de março (Antonio Carlos Jobim, 1972) quando Salmaso cantava Pescaria (Canoeiro) (Dorival Caymmi, 1944), música gravada por Milton em 1969 no terceiro álbum do artista.
Sim, após transitar pela tradição popular de A lua girou (tema de domínio público em adaptação de Milton Nascimento, 1976), pela evocação da prosódia do escritor mineiro Guimarães Rosa (1908 – 1967) em A terceira margem do rio (Milton Nascimento e Caetano Veloso, 1990) – número que embutiu leitura de trecho do conto também intitulado A terceira margem do rio e lançado no livro Pequenas estórias (1962) – e pela fraternidade de Canção amiga (Milton Nascimento e Carlos Drummond de Andrade, 1978), o roteiro de Milton desembocou em Dorival Caymmi (1914 – 2008), outro pilar da música brasileira.
O fecho com Acalanto (1957), em tom terno e e progressivamente sussurrante, acarinhou o público em registro que sublinhou o caráter ritualístico da celebração da obra de Milton Nascimento por Mônica Salmaso e André Mehmari.
André Mehmari e Mônica Salmaso encerram o show ‘Milton’ com duas músicas de Dorival Caymmi no bis
Pedro Ivo / Divulgação Teatro Riachuelo

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