Festas e Rodeios

Johnny Hooker faz do álbum ‘Orgia’ um filme noturno sobre sexo e solidão que enreda na metade final

Published

on

Músicas de Juliano Holanda e Filipe Catto sobressaem no repertório oscilante de disco conceitual inspirado por livro com relato erótico do escritor argentino Tulio Carella no Recife dos anos 1960. Capa do álbum ‘Orgia’, de Johnny Hooker
Carlos Salles / Divulgação
Resenha de álbum
Título: Orgia
Artista: Johnny Hooker
Edição: Edição independente do artista
Cotação: * * *
♪ Em 21 de maio, um dia após lançar o single Cuba, Johnny Hooker externou nas redes sociais a decepção com o baixo desempenho da música e, desiludido com as regras da indústria da música, ameaçou se retirar de cena. “Não há mais demanda pelo meu trabalho…”, concluiu.
Verdadeiro ou mera ação de marketing, o desabafo do artista pernambucano surtiu efeito e chamou atenção para Cuba, música de autoria e produção musical creditada a Arthur Marques e DJ Thai, parceiros de Hooker na faixa. Com insosso molho tropical, Cuba é uma das 13 músicas que compõem o repertório de Orgia, álbum conceitual lançado por Hooker às 21h de quinta-feira, 9 de junho, por vias inteiramente independentes.
Assim como Amante de aluguel (Johnny Hooker, Erica Colaço, DJ Thai e Arthur Marques, 2021), música brega formatada com batida pop eletrônica pelo produtor musical Tiago Bazani Abrahão e lançada em single em outubro do ano passado, Cuba ajuda Hooker a montar o roteiro de Orgia, álbum que funciona como um filme se as 13 faixas forem ouvidas na sequência proposta pelo artista.
Esse filme vara a noite, versando sobre sexo e solidão. A ideia de Hooker foi falar de sexo – em especial do sexo casual entre homens – dentro do repressor contexto político do Brasil de 2022. Tanto que os relatos eróticos do dramaturgo, ensaísta e poeta argentino Tulio Carella (1919 – 1972) em viagem por Recife (PE) – expostos no livro Orgia – Diários de Tulio Carella – Recife, 1960, publicado no Brasil em 1968 – foram o ponto de partida do disco.
Cenário das experiências orgiásticas de Carella, Recife (PE) é a cidade natal de Hooker, nascido John Donovan Maia. Não por acaso, o álbum abre com a récita de trecho do livro do escritor argentino na faixa intitulada Cap 1 – A cidade do desejo – trecho colado a texto do próprio Hooker.
Leia mais: Johnny Hooker fala da dificuldade de ‘furar a bolha’ com música autoral: ‘Falta oportunidade’
Na prática, o álbum Orgia tem ralo teor político porque o repertório confessional se situa no mais na esfera privada do que na pública, ainda que explicitar o sexo gay também seja um ato político no Brasil, o país que mais mata pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Do ponto de vista musical, o álbum-filme de Hooker – orquestrado pelos produtores musicais Arthur Marques, Barro, DJ Thai, Felipe Puperi, Guilherme Assis, João Inácio da Silva e Tiago Bizani Abrahão – enreda mais na metade final do roteiro.
Ambientada em clima noturno, a parte inicial do disco foca a procura nas ruas pelo gozo efêmero, mote de letras como as do eletropop roqueiro Nos braços de um estranho (Johnny Hooker). São homens possuídos pela vontade de viver, como aponta o cantor-narrador do álbum-filme em texto da já mencionada primeira faixa. Cidade do desejo, Recife (PE) é o porto (in)seguro do gozo de Só pra ser teu homem (Johnny Hooker), faixa ambientada em clima flamenco.
Johnny Hooker canta com Silva a música ‘Maré’, destaque do álbum ‘Orgia’
Carlos Salles / Divulgação
Embora a temática do álbum Orgia seja irresistivelmente mais sedutora para homens gays, o ponto de virada musical do disco – para melhor – acontece na sétima faixa, Maré. Atraente composição do pernambucano Juliano Holanda, Maré arrasta o ouvinte no dueto de Hooker com Silva na letra em que homens de peito aberto saciam a fome do sexo, celebrando o gozo da vida.
Gênero que pauta a cadência de Nhac! (Chameleo, Amanda Coronha, Bibi, Deco Martins, 2021), faixa originalmente lançada em álbum do artista paranaense Chameleo, o samba dita o ritmo mais melancólico de Nsra da encruzilhada (Filipe Catto), flash de solidão na mesa de um bar. “Deixe eu fumar meu Derby em paz”, suplica Hooker, com o canto rasgado, nessa ótima faixa que termina em clima épico.
Na mesma cadência melancólica, o samba Abrigo (Johnny Hooker) flagra o amante noturno mais vulnerável, em espécie de lamento solitário. “Olhe pra mim / Diga que essa foi a última vez / E agora que já pegou tudo o que precisa / Leve tudo outra vez / E então vou voltar / Pros mesmos bares onde nos encontramos / O cheiro de outros homens morar / Nas ruas onde nos esbarramos”, prevê o amante na canção Eu te desafio a me amar (Johnny Hooker, 2021), faixa introspectiva que ganha progressiva intensidade no fecho do disco-filme, atravessado por emoções reais que compensam o flerte artificial com o piseiro, mixado com brega em Larga esse boy (2021), música que junta Hooker e Jáder.
Antes de voltar para os bares e para a noite, retorno simbolizado no arremate do disco com Vuelve, versão em espanhol de Volta (Johnny Hooker, 2013), arrasadora canção que deu projeção nacional ao artista ao ser veiculada no filme Tatuagem (2013), Johnny Hooker cai no samba e faz o Carnaval, portando a alegria em Estandarte (Johnny Hooker). É quando o amante noturno ressignifica a dor e fica pronto para começar de novo a busca por sexo que norteia o roteiro de Orgia, álbum que cresce na medida em que avança o filme.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.