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Mais leve, Tim Bernardes se mantém elevado ao acariciar as marcas do caminho no segundo álbum solo, ‘Mil coisas invisíveis’

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Artista reitera a grandeza da obra em disco existencialista pautado por cancioneiro reflexivo. Capa do álbum ‘Mil coisas invisíveis’, de Tim Bernardes
Marco Lafer & Isabela Vdd
Resenha de álbum
Título: Mil coisas invisíveis
Artista: Tim Bernardes
Edição: Coala Records (Brasil) / Psychic Hotline (Estados Unidos e Europa)
Cotação: * * * * *
♪ Mencionar em 2022 a tal prova do segundo disco – temida no mercado fonográfico em tempos idos – beira o nonsense porque, na era digital, falta disponibilidade, paciência e interesse das pessoas para ouvir álbuns, normalmente diluídos em singles e EPs.
No caso de Tim Bernardes, chega a ser absurdo falar nessa prova porque entre o antológico primeiro álbum solo do vocalista e principal compositor do trio Terno, Recomeçar (2017), e o segundo, Mil coisas invisíveis, houve o estupendo quarto álbum de estúdio do grupo, (2019), cuja vigorosa safra autoral confirmou o talento superlativo do compositor paulistano.
Ou seja, Tim Bernardes nada mais tem a provar. Mas, se ainda tivesse, o álbum Mil coisas invisíveis – disponível desde 14 de junho via Coala Records – dissiparia qualquer dúvida a respeito da grandeza do artista, como sinalizou acertadamente a canção existencialista Nascer, viver, morrer ao ser apresentada em 3 de maio como primeiro dos quatro singles do álbum gravado com produção musical orquestrada pelo próprio Tim Bernardes.
Obra-prima, Nascer, viver e morrer abre o álbum Mil coisas invisíveis, dando início à jornada filosófica encarada por Bernardes ao longo de 15 faixas que totalizam 58 minutos e que, em alguns pontos da caminhada, podem até soar repetitivas sem diluição da beleza.
Essa ocasional sensação de déjà vu do repertório é o único senão de Mil coisas invisíveis, mas não a ponto de tirar o status de obra-prima a que faz jus este álbum em que, além de ter tocado a maioria dos instrumentos (piano, violão, baixo, bateria e percussão), Tim Bernardes arranjou as cordas e sopros executados por Felipe Pacheco Ventura e Douglas Antunes, respectivamente.
Fundamental, a orquestração da dylanesca A balada de Tim Bernardes faz da faixa de seis minutos um dos pontos mais altos do disco pela fina sintonia entre música, letra e arranjo. Se a sinfonia da dor resultou grandiosa no álbum Recomeçar, Mil coisas invisíveis muitas vezes abre mão da suntuosidade para iluminar, em tons mais íntimos, recantos da existência do narrador dessa jornada – e não é por acaso que o artista compara o disco a um livro.
A economia do arranjo de Velha amiga, canção levada somente pelo violão de Tim, exemplifica a opção pelo minimalismo existencialista. De excelente nível, as letras são reflexivas e por vezes verborrágicas, como na canção-conto Última vez, previamente apresentada em 7 de junho como quarto single do álbum masterizado pelo engenheiro de som Gui Jesus Toledo.
Tim Bernardes apresenta 15 músicas autorais no álbum ‘Mil coisas invisíveis’
Marco Lafer e Isabela Vdd / Divulgação
Composto entre 2018 e 2020, o repertório reunido por Bernardes em Mil coisas invisíveis remói angústias, cansaços, percepções e superações sem fechar os olhos para a beleza da vida e, por isso mesmo, faz todo sentido a inclusão no disco de Realmente lindo, estilizado ijexá lançado por Gal Costa há quatro anos no álbum A pele do futuro (2018).
“Mas que a vida nunca é curta / Perto de tudo que ela é bonita / Vida infinita / A beleza eterna que às vezes pode-se enxergar”, filosofa o poeta pensador em versos de Beleza eterna, canção conduzida pela guitarra acústica de Tim e elevada pelo coro das vozes de Dora Morelenbaum e Zé Ibarra.
“Trago marcas do caminho / … / Trato as marcas com carinho”, canta o poeta pensador em versos de Fases, inspirada balada estruturada à moda clássica.
Entre apaixonadas canções de amor como BB (Garupa de moto amarela), faixa lançada em 17 de maio como o segundo dos quatro singles do álbum, Tim Bernardes mapeia impressões e desejos da vida ao fazer o provisório inventário existencial ao longo dos cinco minutos de Meus 26, canção confessional com “visão inacabada” e já datada, pois o artista completou 31 anos no último sábado, 18 de junho.
Se a suntuosa balada Olha se conecta de imediato ao Tim tristonho do álbum Recomeçar, canções como Falta reforçam o tom reflexivo e algo contemplativo de Mil coisas invisíveis – característica reiterada pelo clima introspectivo do samba-canção Esse ar, faixa em que o violão de Tim ecoa bossas.
Entre citações de locais da cidade natal de São Paulo (SP) e de Beatles (nominados em Mistificar, terceiro dos quatro singles prévios), Tim Bernardes solta o peso do mundo em Leve, canção que antecede a beleza que é Mesmo se você não vê, música que deixa o sol brilhar ao fim da jornada existencial de Mil coisas invisíveis.
Mil coisas invisíveis é álbum em que, mais leve, o poeta pensador acaricia as marcas do caminho e se mantém elevado no panteão da música brasileira do século XXI pela grandiosidade do cancioneiro autoral, passando com louvor na já absurda prova do segundo disco.

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