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Álbum de Paulinho da Viola em 1972, ‘A dança da solidão’ faz há 50 anos a síntese da obra do artesão

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Com sucessos como ‘Guardei minha viola’ e ‘Acontece’, além da música-título, o disco mostra que o samba do artista carioca balança no compasso da desilusão, entre as tradições e a modernidade. Capa do álbum ‘A dança da solidão’ (1972), de Paulinho da Viola
Ilustração de Elifas Andreato
♪ MEMÓRIA – É até arriscado apontar determinado álbum de Paulinho da Viola como título sobressalente na discografia solo do artista que faz 80 anos em 12 de novembro.
Norteada por alto padrão de qualidade que se manteve inalterado ao longo dos tempos, a obra fonográfica de Paulo César Baptista de Faria alcançou pico de popularidade e regularidade entre 1968 e 1979, período em que o cantor, compositor e músico carioca lançou nada menos do que onze álbuns na gravadora Odeon.
Dessa safra homogênea, o quinto álbum solo de Paulinho da Viola, A dança da solidão, lançado em 1972, permanece há 50 anos como síntese perfeita da música deste moderno guardião das tradições do samba e do choro.
Com capa que expõe o artista na ilustração de outro artista, Elifas Andreato (1946 – 2022), o álbum A dança da solidão faz, em doze faixas lapidares, a perfeita tradução da alma melancólica do filosófico sambista chorão.
Coube ao diretor musical do disco – o maestro Lindolpho Gaya (1921 – 1987), responsável pelas orquestrações e regências das faixas – expor nos arranjos a requintada carpintaria do repertório, que concilia seis então inéditas composições de Paulinho com seis abordagens de sambas alheios, quase todos inéditos.
O lado A do LP A dança da solidão abre com Guardei minha viola (Paulinho da Viola, 1972), samba que aponta o violão – e, por extensão, o próprio samba – como portador das mágoas provocadas por “alguém que só me fez ingratidão”.
Na sequência, a lembrança de Meu mundo é hoje (Eu sou assim) (Wilson Baptista e José Baptista, 1965) exemplifica com maestria a habilidade de Paulinho para dar tom personalíssimo a temas alheios – no caso, em registro interiorizado, de ritmo suave marcado por caixa de fósforos, presumivelmente percutida por Elton Medeiros (1930 – 2019), já que a sucinta ficha técnica do álbum omitiu os nomes dos músicos arregimentados para a gravação por Milton Miranda, produtor da Odeon, falecido nos anos 1990.
Papelão (1972) descortina samba de Geraldo das Neves (1929 – 1983), compositor associado à escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Bamba da mesma Mangueira, Nelson Cavaquinho (1911 – 1986) é o compositor – em parceria com Ary Monteiro (1905 – 19??) – de Duas horas da manhã (1972), então inédito samba-canção arranjado com certa dramaticidade, mas sem deixar o disco pesado.
Na sequência do lado A, Ironia (Paulinho da Viola, 1972) destila e expia dor com elegância, reiterando que, na obra de Paulinho da Viola, o samba é a tristeza que balança – como sentenciara outra poeta em 1966 – no compasso da desilusão.
Já o partido alto No pagode do Vavá (Paulinho da Viola, 1972) põe a alegria na roda de samba, na gravação feita com a adesão vocal de Elton Medeiros, tendo se tornado uma das músicas mais conhecidas do compositor ao longo desses 50 anos.
Samba-título do álbum, alocado na abertura do lado B, A dança da solidão também se transformou em standard do cancioneiro autoral de Paulinho da Viola. O samba é joia de delicadeza e poesia.
Samba-canção então inédito de Cartola (1908 – 1980), compositor que somente iria lançar o primeiro álbum solo dali a dois anos, Acontece (1972) poetiza a batida fria de um coração no compasso da desilusão que rege boa parte da música de Paulinho da Viola.
Na sequência do álbum, aparecem duas inéditas parcerias de Paulinho da Viola com o poeta e letrista baiano José Carlos Capinan. Com o arranjo mais inventivo do disco, Coração imprudente (1972) bate no compasso do samba-choro, amalgamando os dois gêneros musicais que formam a matéria-prima da obra do compositor. Já Orgulho (1972) entorna poesia no chão embasado com as cordas do arranjo. “O tempo é um pássaro de natureza vaga”, caracteriza o poeta em verso da letra reflexiva.
Introduzido pelo baticum de Mestre Marçal (1930 – 1994), Juquinha Stockler (1930 – 2009), Elton Medeiros e Dazinho, nominados por Paulinho no início da faixa, o samba Falso moralista (1972) é de autoria de Nelson Sargento (1924 – 2021), mais um bamba de Mangueira que marca presença em álbum fechado com ode à Portela, escola de samba que passava na vida de Paulinho como um rio caudaloso.
Passado de glória (1970) é samba de Monarco (1933 – 2021) que integrara o álbum da Velha Guarda da Portela produzido há então dois anos por Paulinho da Viola, bamba apegado às tradições do samba que ele renova sem alarde, com a discrição dos ourives, dos carpinteiros de outrora.
E é justamente pelo fato de o compositor ter construído obra atemporal que o álbum A dança da solidão evolui em 2022 com o mesmo viço de 1972, podendo funcionar como bela porta de entrada para marinheiros de primeira viagem na discografia do timoneiro.
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