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Funk é enfocado sob viés sociológico em livro que expõe fraturas do Brasil

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Pesquisador Danilo Cymrot relata o persistente processo de criminalização do gênero em narrativa que evita o maniqueísmo ao analisar fatos antigos e recentes da história do ‘batidão’. Capa do livro ‘O funk na batida – Baile, rua e parlamento’, de Danilo Cymrot
Divulgação / Edições Sesc
Resenha de livro
Título: O funk na batida – Baile, rua e parlamento
Autor: Danilo Cymrot
Edição: Edições Sesc
Cotação: * * * *
♪ Por mais que venha dando visibilidade planetária à música do Brasil do século XXI, através de exposições de artistas como Anitta e MC Kevinho na mídia internacional, o funk ainda é gênero musical marginalizado por parcelas da sociedade.
O maior mérito do livro O funk na batida – Baile, rua e parlamento, escrito por Danilo Cymrot e lançado em maio através das Edições Sesc São Paulo, é enfocar o batidão à luz desse preconceito que, mais do que musical, é social.
Extremamente atual, até por jogar essa luz inclusive sobre fatos recentes acontecidos em 2019 e 2020, o livro é desdobramento de dissertação de mestrado do autor sobre a criminalização do funk.
É a partir das erupções sociais provocadas pela rejeição ao funk que Cymrot historia o gênero ao longo das 384 páginas do livro sem ter escrito propriamente uma história do funk, como alerta o antropólogo Hermano Vianna – pioneiro no combate ao preconceito contra o funk desde que começou a estudar a cultura dos bailes por volta de 1985 – no texto escrito para as orelhas do livro.
Fundamentada em informações bem apuradas em farta pesquisa na mídia, a narrativa do livro O funk na batida mostra como parte da sociedade criminaliza o funk – e, por extensão, os funkeiros e os moradores das comunidades e favelas em que impera a cultura do batidão – com a legitimidade do Poder Público em processo de segregação que expõe o apartheid social vigente no Brasil desde que o samba (gênero também alvo de discriminação e criminalização em tempos idos) é samba.
Dedicado à socióloga e vereadora Marielle Franco (1979 – 2018), admiradora do funk, o livro é introduzido por texto em que Cymrot realça que, no mesmo ano de 2019 em que Anitta figurou em disco de Madonna e que o clipe de Bum bum tam tam (MC Fioti) atingiu um bilhão de visualizações, a Justiça decretou a prisão do DJ Rennan da Penha por associação ao tráfico de drogas e nove jovens morreram pisoteados por conta de ação policial no Baile da D27 na favela de Paraisópolis, uma das maiores comunidades da cidade de São Paulo (SP).
É dessa contradição crescente – a persistente criminalização da cultura do funk no momento em que o gênero galga posições nas playlists e extrapola as fronteiras do Brasil – que se alimenta a tese sociológica de Cymrot no livro que dá justa ênfase a fatos e artistas dos estados de Rio de Janeiro e São Paulo, epicentros nacionais do funk.
A narrativa do livro, aliás, parte de confusão ocorrida em praia carioca em outubro de 1992 – um arrastão que, na visão de Cymrot, teria sido fabricado para enfatizar o comportamento violento de parcelas pobres da população da cidade do Rio de Janeiro – para relacionar o funk a questões sociais como o medo gerado em determinados segmentos da sociedade por aglomerações de jovens negros e como a recorrente associação das favelas à violência.
Encorpada pela ampla pesquisa de acontecimentos antigos e recentes, a narrativa do livro O funk na batida toma partido dos funkeiros na medida em que expõe os fatos. E um desses fatos, ressaltados já na parte final da narrativa, é que rappers (geralmente oriundos dos mesmos centros periféricos dos funkeiros) tendem a ser mais valorizados pela sociedade – inclusive por críticos musicais – por ser considerado gênero musical mais politizado e progressista, com letras mais elaboradas.
Mesmo quando aponta o machismo no funk, em letras que expõem mulheres submissas aos desejos masculinos, Danilo Cymrot alerta para o risco de rotular funkeiros de forma maniqueísta, como se não houvesse visões divergentes dentro da cultura funk.
Enfim, o livro O funk na batida toca em feridas ainda abertas na sociedade brasileira, mas evitando o maniqueísmo. Como a contradição para ser o x da questão, o próprio autor alerta, ao concluir a dissertação feita no livro, que “o discurso sobre a criminalização do funk muitas vezes é banalizado e simplifica a realidade”.
Como avisa Hermano Vianna na orelha, Danilo Cymrot não fez um livro sobre funk, mas um livro sobre a história recente e os problemas centrais do Brasil. Questões que envolvem o funk, este gênero contraditoriamente tão consumido quanto duramente perseguido.

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