Jô nasceu na cidade em 1938 e compartilhou lembranças da cidade em sua autobiografia. Maracanã, Centro e Zona Sul constam de suas memórias. Jô Soares com a camisa do Fluminense, time do coração, no Programa do Jô
Reprodução/ TV Globo
Nascido no Rio de Janeiro em 1938, Jô Soares viveu aqui parte fundamental de sua história. A cidade foi determinante na formação do ator, escritor e diretor, que morreu na madrugada desta sexta-feira (5), em São Paulo.
Parte destas referências está no volume 1 de “O livro de Jô: uma autobiografia desautorizada”, lançado em 2017, com o jornalista Matinas Suzuki Jr. No livro, ele conta desde o nascimento em um hospital no Rio Comprido, na Zona Norte da cidade, até o começo do sucesso, na década de 60. O segundo volume foi lançado no ano seguinte.
A infância do carioca e tricolor de coração foi marcada pela vida próxima ao centro de poder durante o Estado Novo, decretado pouco antes do nascimento de Jô.
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Programa do Jô
TV Globo
Ele vivia com os pais, o empresário Orlando Soares e a dona de casa Mercedes Leal Soares, em uma casa na Rua Farani, próxima ao Palácio Guanabara, usado por Getúlio Vargas para acomodar a família. Durante o império, o imóvel foi a residência da Princesa Isabel e do Conde D’Eu. O local também é próximo do Palácio do Catete.
“Quando eu tinha 5 anos, adorava ficar sentadinho na mureta defronte de casa. Um flash marcante que guardo desse tempo é o de Getúlio passando, em carro aberto, pela nossa rua”, afirma em um trecho da autobiografia.
Personagens icônicos, entrevistas com ilustres; FOTOS mostram carreira
Jô Soares sonhava em ser diplomata e estreou na TV em 1956
‘Artista único’, ‘o cara’: famosos lamentam a morte
Palácio Guanabara, sede do poder estadual no Rio de Janeiro
Cristina Boeckel/ G1
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, destacou em postagem nas redes sociais a importância de Jô Soares para a cidade e para o país. Paes foi um dos entrevistados do humorista no Programa do Jô, que ele comandou na Globo.
“Perdemos hoje um ator de primeira, um comediante afiado, um entrevistador elegante que arrancava tudo de seus entrevistados. Acima de tudo, perdemos um apaixonado pelo Brasil que buscou usar sua arte para ajudar nas mudanças que tanto precisamos. Obrigado por tudo Jô Soares”, disse Eduardo Paes.
O governador Cláudio Castro também lamentou em mensagem postada nas redes sociais.
“O país perdeu hoje um dos mais brilhantes humoristas de sua história, com requintada inteligência, personalidade e capacidade de improviso. Jô Soares jamais será esquecido por quem assistiu a um de seus personagens ou repetiu um de seus bordões. Meus sinceros sentimentos à família deste brasileiro, que também se destacou no mundo das artes como diretor e escritor”, disse o governador.
Maracanã
Estádio do Maracanã em foto de 2014
Fernando Maia/ Riotur
Jô Soares era torcedor do Fluminense desde criança. A paixão pelo futebol também foi usada em seus trabalhos, como o Zé da Galera, um dos personagens que interpretou em Viva o Gordo. Ele ligava de um orelhão para Telê Santana, então técnico da seleção brasileira, e criticava as escolhas do time.
“Bota ponta na seleção!”, ficou marcado como um bordão.
O time do coração também fez questão de homenagear Jô Soares.
“O Fluminense lamenta profundamente a morte do apresentador, humorista, ator e escritor Jô Soares, um dos principais nomes do cenário cultural brasileiro e Tricolor de coração. Desejamos muita força aos amigos e familiares”, disse o Fluminense em postagem nas redes sociais.
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O Maracanã tem um espaço especial nas memórias do apresentador. Aos 12 anos, ele acompanhou a Copa do Mundo de 1950, quando o estádio tinha acabado de ser inaugurado.
Como todo menino da época, ele se empolgou com a competição e o avanço da seleção brasileira. A partida contra a Espanha, no dia 13 de julho de 50, o marcou especialmente.
“Não existiam grandes torcidas organizadas como agora e, em vista do baile que os brasileiros sapecavam nos espanhóis (o placar final foi de 6 a 1 para o nosso selecionado), o Maracanã inteiro se pôs a gritar: ‘Olé, olé, olé’”, relembrou o artista.
Zé da Galera, um dos personagens mais conhecidos de Jô Soares
Reprodução/ TV Globo
Segundo ele, a partida terminou com o público cantando a marchinha “Touradas em Madri”, de Braguinha e Alberto Ribeiro.
A partida seguinte, no entanto, não foi de alegria. A final da competição, no dia 16 de julho, teve placar de 2 a 1 para a seleção do Uruguai. O episódio ficou imortalizada como Maracanazo. Ele contou que, menino, viu a arquibancada emudecer e saiu em prantos do estádio.
“O trauma da derrota apagou da minha mente boa parte daquele jogo. Por mais que me esforçasse, não conseguia sequer lembrar do gol brasileiro feito pelo Friaça”, disse Jô Soares.
Humor de família
Segundo Jô, o humor era de família. O pai, segundo ele, era especialista na observação e ter boas sacadas. A mãe, por outro lado, tinha um humor explícito, de contar piadas e boas histórias.
“Costumo dizer que meus pais me mimaram mas não me estragaram. Fizeram a coisa na medida certa”, afirmou Jô, filho único, sobre sua criação. Aos 12 anos de idade, foi estudar na Suíça, onde ficou até os 17.
Hotel Copacabana Palace
Reprodução / Google Street View
Aos 18 anos, em 1957, na piscina do Copacabana Palace, o hotel de luxo mais conhecido do Rio, quando apresentava alguns números para amigos, um homem o chamou e perguntou quais eram seus planos para o futuro.
O jovem José Eugênio Soares – nome de batismo – disse que planejava uma carreira na diplomacia e estudava para prestar o vestibular do Instituto Rio Branco.
“Você pode estudar o que quiser agora, mas o que vai acabar fazendo de fato na vida é trabalhar no teatro”, disse o homem, que era o autor, ator e diretor Silveira Sampaio, uma das maiores influências da carreira de Jô. A piscina do hotel foi definida por Jô Soares como um dos seus “primeiros palcos”.
“Executava os números de graça, pelo prazer de chamar a atenção e ouvir as risadas, mas a plateia era a mais influente da República, e logo o meu nome começaria a circular no meio artístico. Descobri que todos poderiam amar um homem gordo”, contou Jô.
Um dos restaurantes mais tradicionais do Rio de Janeiro, o Café Lamas, no Flamengo, fundado em 1874, também aparece nas memórias de Jô. O local foi frequentado pela família do artista, principalmente pelo pai, e também é citado nas obras escritas por ele.
“Frequentado por boêmios, artistas, intelectuais, políticos, jornalistas e até por umas poucas ovelhas negras do clero, o Lamas também servia de precioso manancial de informações”, afirma em Assassinatos na Academia Brasileira de Letras, lançado em 2005.
Lembranças
O Hipódromo da Gávea também é um dos pontos que fizeram parte da história de Jô Soares. Frequentador do local desde cedo, ele compareceu ainda criança nos eventos usando meio fraque, colete, gravata, lenço na lapela e cartola.
Mais velho, o artista guardou lembranças que viveu no lugar com o filho único, Rafael, nascido do casamento com a primeira mulher, Therezinha Millet Austregésilo. Rafael morreu em 2014.
“Sempre me emociono ao pensar no Hipódromo da Gávea, porque esse se tornou um dos locais que meu filho, Rafael, que era autista, sentia mais prazer em visitar. Passei várias tardes com ele olhando os cavalos no prado”, disse Jô Soares em sua autobiografia.
Jô também frequentava com o pai a antiga sede social do Jockey Club Brasileiro, no Centro.
“Todo mundo importante no Rio – políticos, empresários, jornalistas – almoçava no restaurante do Jockey, que não tinha ar-condicionado e era muito quente. Eu era bem pequeno e meu pai me carregava nos ombros, segurando as minhas perninhas, para passearmos na Rio Branco”, disse Jô.
O artista estudou no Colégio Mallet Soares, em Copacabana. Anos depois, ele foi transferido para o Colégio São Bento, no Centro. Em uma das instituições de ensino mais tradicionais do Rio, ele lembrou com saudade do que considerava como uma das mais importantes demonstrações de carinho que recebeu.
Depois de passar um tempo tratando queimaduras de sol e sem poder ir às aulas, ele voltou.
“Deixei de ir ao colégio por uns quinze dias. Quando voltei ao São Bento, todas as turmas saíram para me receber. As aulas pararam e veio todo mundo correndo: ‘Ei, Zezinho! Olha o Zezinho! Ele voltou!’ Isso me marcou tanto que até hoje eu lembro dos meninos descendo a escadaria e vindo em direção a mim”, contou.