Festas e Rodeios

João Cavalcanti canta o viver lírico de Ivone Lara em álbum que põe a obra da compositora em outras rodas

Published

on

Arranjos de Marcelo Caldi valorizam o disco idealizado para celebrar o centenário de nascimento da artista. Capa do álbum ‘Ivone Rara – 100 anos da dona do samba’
Leo Aversa com arte de Anna Turra
Resenha de álbum
Título: Ivone Rara – 100 anos da dona do samba
Artista: João Cavalcanti
Edição: MP,B Discos / Som Livre
Cotação: ★ ★ ★ ½
♪ Compositora carioca dona de melodias requintadas e contracantos celestiais, criados intuitivamente e muitas vezes no improviso, Ivone Lara (13 de abril de 1922 – 16 de abril de 2018) deixou obra enraizada nas quadras e terreiros em que brota o samba da melhor qualidade.
Tirar o cancioneiro da compositora da roda é tarefa arriscada porque é fácil resvalar no exotismo puro e simples. João Cavalcanti escapou desse risco ao confiar a direção musical e os arranjos do álbum Ivone Rara – 100 anos da dona do samba ao acordeonista Marcelo Caldi.
Sob a direção artística do próprio Cavalcanti, cantor e compositor carioca projetado nos anos 2000 como vocalista do grupo de samba Casuarina, Caldi insere o cancioneiro de Dona Ivone Lara em outros universos musicais ao longo deste disco que reapresenta 22 composições da artista centenária ao longo de 15 faixas.
O toque da sanfona na abertura do álbum já chama o ouvinte para fora da roda do samba enquanto, segundos depois, o fraseado serelepe do piano de Claudia Elizeu remete aos sons dos salões imperiais em que se ouvia polcas e os chamados tangos brasileiros. É nesse ambiente que Cavalcanti entrelaça Alguém me avisou (1980) e Menino brasileiro (Ivone Lara e Rildo Hora, 1985), composição até então esquecida em álbum de menor repercussão na discografia da artista.
Na sequência, Canto do meu viver (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1997) tem a melodia acentuada em belo registro mergulhado em atmosfera de suíte sinfônica em que emerge Sereia Guiomar (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1981) quase como citação na faixa.
A formação do quarteto arregimentado para o disco Ivone rara – Adriana Holtz (violoncelo), Claudia Elizeu (piano), Marcelo Caldi (sanfona) e Wanessa Dourado (violino e rabeca) – favorece a ambiência de câmara em que o solista arrisca registros vocais mais intensos na interpretação de Nasci para sonhar e cantar (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1982) em contraponto à delicadeza da composição.
João Cavalcanti encadeia 22 músicas de Dona Ivone Lara na costura do disco arranjado por Marcelo Caldi
Leo Aversa / Divulgação
Entre a melancolia que anima o espírito d’O trovador (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 2004) e a alegria que rege Nos combates da vida (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1983) quase em clima de forrobodó, o álbum evoca a cadência do samba em Sem cavaco não (Ivone Lara e Mano Décio da Viola, 1970) – por se tratar de exaltação do gênero – na mesma faixa que desenvolve Enredo do meu samba (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1983) em salão erudito.
Disco idealizado para celebrar o centenário de nascimento da artista, tendo sido gravado em março deste ano de 2022 por Diogo Guedes e Thiago Baggio no Estúdio Gargolândia (Alambari – SP), o álbum Ivone rara soa mais interessante quando combina músicas em suítes – Coração, por que choras? (1982), Liberdade (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1977) e Minha liberdade (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1976) integram “suíte romântica” na concepção de Cavalcanti – do que nas faixas em que o cantor se debruça somente sobre uma música, casos de Resignação (Ivone Lara e Hélio dos Santos, 1981) e Doces recordações (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1985). É que falta ao solista aquele algo mais que o diferencie na multidão de intérpretes.
E, por mais que o arranjo de Alvorecer (Ivone Lara e Delcio Carvalho 1974) soe inventivo, fica difícil esquecer o canto luminoso de Clara Nunes (1942 – 1983), intérprete original desse samba que expõe com maestria o lirismo que pautou a parceria da compositora com Delcio Carvalho (1939 – 2013).
Embalada em cordas e apresentada em julho como segundo single do álbum Ivone rara, a gravação de Sonho meu (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1978) exemplifica a proeminência dos arranjos na arquitetura do disco lançado em 26 de agosto.
Como os arranjos (e o canto do solista) foram postos a serviço do requinte melódico da obra da compositora, o resultado é disco reverente – dentro de certa ousadia – que chega ao mundo dez anos após o promissor Placebo (2012), o primeiro e por ora único álbum solo autoral da discografia de João Cavalcanti. São bonitas as flores entregues pelo cantor a Ivone Lara além da vida.
João Cavalcanti assina a direção artística do disco ‘Ivone Rara – 100 anos da dona do samba’
Leo Aversa / Divulgação

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.