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Apenas 2,65% da Caatinga de Pernambuco estão em área de preservação integral

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Com mais de 8 milhões de hectares, o bioma presente em 84% do território pernambucano tem cerca de 219 mil hectares em unidades de conservação de proteção integral, que também sofrem com práticas ilegais como a caça de animais e retirada de vegetação nativa. Xique-xique, planta nativa da Caatinga
Caroline Rangel/TV Globo
Os números do desmatamento da Caatinga em Pernambuco têm chamado a atenção de ambientalistas e de quem vive no Sertão do estado, mas não somente eles despertam preocupação.
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“A Caatinga hoje é o nosso bioma mais ameaçado, porque é o que tem a menor quantidade de áreas de proteção e a menor proporção de áreas protegidas”, disse o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em Serra Talhada, Martinho Carvalho, preocupado com o futuro da fauna e flora do ecossistema.
Dos 8.277.900 hectares de área do bioma no estado, apenas 219.623 hectares estão em áreas de proteção integral. Ou seja: só 2,65% da Caatinga está protegida.
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Esse cálculo foi feito pelo g1 com base em dados divulgados pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). De acordo com o órgão, Pernambuco tem 13 Unidades de Conservação da Caatinga de Proteção Integral. Duas são mantidas pelo governo federal, nove pelo governo do estado e outras duas pelos municípios (veja no mapa).
O objetivo das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza. Nelas são proibidas atividades como a caça de animais e a retirada de árvores nativas, para uso comercial ou não.
O Sistema Estadual de Unidades de Conservação (Seuc) – Lei 13.787/09 – divide as unidades de proteção integral em cinco categorias: Estação Ecológica (Esec); Monumento Natural (Mona); Parque Estadual (PE); Refúgio de Vida Silvestre (RVS) e Reserva Biológica (ReBio).
Em algumas dessas categorias não é permitida a visitação de pessoas ou a prática do turismo, mas elas podem ser utilizadas para pesquisa científica, por exemplo. A lei também prevê que as áreas particulares incluídas nos limites do território de proteção integral sejam desapropriadas.
Falta proteção nas áreas de conservação
A maior unidade de conservação do bioma que temos em Pernambuco, mantida pelo estado, é a Estação Ecológica Serra da Canoa, fica na zona rural de Floresta, no Sertão de Pernambuco. São 7.598 hectares de área. Ela foi instituída como Unidade de Conservação em 2012, através de um decreto estadual (Nº 38133, de 27/04/2012), assinado pelo então governador Eduardo Campos.
Por estar na categoria Estação Ecológica, a Lei estadual 13.787/09 diz que a visitação pública é proibida em áreas como essa, exceto quando o objetivo for educacional, para pesquisas científicas ou para medidas e manejo de restauração.
Animais são criados em área da Estação Ecológica Serra da Canoa
Caroline Rangel/TV Globo
Entre as justificativas para instituir a área de Floresta como Unidade de Conservação, o documento pontua “a baixa representatividade do bioma Caatinga no Sistema Estadual de Unidades de Conservação” e “as vulnerabilidades deste bioma, exclusivamente nacional, diante das perspectivas de mudanças climáticas”.
Já entre os objetivos, está “proteger as espécies endêmicas e as espécies raras ameaçadas de extinção ocorrentes na área e nos remanescentes florestais da região”.
Em viagem ao Sertão, o g1 visitou a Estação Ecológica Serra da Canoa. Mas na região a equipe recebeu denúncias de que até dentro da área de conservação da Caatinga existe a prática da caça de animais, como tatupeba, veado, ema e arara azul.
As práticas ilegais foram confirmadas pelo gestor da Unidade de Conservação da Caatinga em Floresta, Ericson da Silva. Funcionário da CPRH convocado para atuar na área desde 2019, ele é o único que vive na região e trabalha na Estação.
“Nós temos problemas seríssimos aqui de caça, retirada de madeira, mineral. Vários agravantes aqui precisam ser equalizados”, declarou o servidor, pontuando que, como sua chegada ao local é recente, a área ainda está passando por um processo de levantamento de terra e pessoal, para montagem do conselho gestor e do plano de manejo da estação.
Gestor da Estação Ecológica Serra da Canoa, Ericson da Silva, faz o mapeamento da área para criar plano de manejo e ações ambientais
Ezequiel Quirino/TV Globo
Além da atividade ilegal da caça, outra irregularidade apontada ao g1 é a presença de residências dentro da estação. O gestor da unidade confirmou a presença de 90 proprietários de terrra no local. De acordo com ele, a regularização fundiária está em curso.
“O proprietário tem toda autonomia na área, porque ainda é o dono da terra. Nós precisamos avançar quanto à questão fundiária, para que possamos ter uma reserva direcionada realmente à pesquisa científica e educação ambiental”, ressaltou, explicando que hoje o seu trabalho na unidade é principalmente relacionar os problemas, para que o estado possa implementar as medidas exigidas para uma área de proteção integral.
Próximo à Estação Ecológica Serra da Canoa está o Parque Estadual Mata da Pimenteira, em Serra Talhada, a 90km de Floresta. A Unidade de Conservação fica bem próxima da Universidade Rural de Pernambuco. A área costuma ser usada pelos professores e estudantes, para pesquisa.
Por estar inserida na categoria Parque Estadual, de acordo com o Sistema Estadual de Unidades de Conservação, a área tem como “objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de ecoturismo”.
A Mata da Pimenteira é uma área de preservação da vegetação de Caatinga arbórea. O biólogo e pesquisador da UFRPE Martinho Carvalho acompanhou a visita do g1 à Unidade de Conservação e explicou o que pode ser encontrado no local.
“Essa vegetação é de uma Caatinga Florestal, que é uma Caatinga mais rara. É uma vegetação mais densa. As árvores têm de 12 a 15 metros de altura e um diâmetro de tronco bem maior do que o que ocorre numa Caatinga típica. Ela é mais úmida em comparação aos outros tipos de Catinga, mas um pouco mais seca do que a Mata Atlântica. E, por isso também, ela tem uma riqueza de espécies maior do que as demais”, explicou o professor.
Parque estadual Mata da Pimenteira preserva vegetação de Caatinga arbórea
Ezequiel Quirino/TV Globo
O Parque tem uma área total de 887 hectares e, de acordo com a CPRH, recebeu o título de 1ª Unidade de Conservação do Estado de Pernambuco no Bioma Caatinga.
Mas assim como a Estação Ecológica Serra da Canoa, em Floresta, a área de preservação em Serra Talhada conta com apenas um gestor no quadro de funcionários e também sofre com a presença de caçadores, o que acaba preocupando os pesquisadores, já que esse deveria ser um espaço de proteção do bioma.
“A presença de caçadores também é algo ameaçador. Aqui na reserva se encontram muitos caçadores, principalmente para caçar tatupeba, porque o pessoal acaba usando como aperitivo [a carne]. Eu mesmo, trabalhando aqui às vezes, à noite, já escutei tiros de espingarda. Já encontrei caçadores aqui dentro”, relatou o biólogo.
Além da caça dentro da Unidade e na região, também há a prática do desmatamento da vegetação nativa da Caatinga. O professor de biologia e ecologia da UFRPE André Lima explica que, das espécies ameaçadas do bioma, algumas estão presentes na área de conservação e são alvo da atividade ilegal.
“A aroeira e a baraúna são duas espécies que têm uma madeira muito boa, e por isso tão cobiçada. Mas temos também a umburana de cambão, uma planta que também é utilizada, por exemplo, para fazer as carrancas, porque ela tem uma madeira mole. Além disso existem outras espécies que podem ser utilizadas para produção de carvão, como por exemplo, a própria catingueira. A catingueira é uma planta que tem esse nome justamente porque o cheiro dela não é tão bom, entretanto, ela tem também essa pressão por conta da extração da madeira, que é bem resistente”, explicou o pesquisador.
A madeira extraída da vegetação nativa da Caatinga costuma ser utilizada por carvoarias clandestinas e madeireiras. Pelas estradas do Sertão é comum encontrar caminhões carregados. Eles costumam sair no fim da tarde.
Caminhões carregados de madeira são comuns nas estradas do Sertão de Pernambuco
Ezequiel Quirino/TV Globo
Respostas
Procurado pelo g1 para explicar sobre a extração ilegal de madeira da Caatinga e a inspeção, o gerente das Unidades de Conservação da CPRH, Gleidson Castelo Branco, explicou que a fiscalização existe e em algumas situações eles apreendem caminhões que saem disfarçados, com plantas que não são nativas da Caatinga na parte externa, para não chamar a atenção da fiscalização.
“A gente encontra muitos caminhões transportando algaroba, mas por diversas vezes já encontramos ele transportando não só algaroba. Ela realmente vem disfarçada com o fundo da carga. Então requer uma atenção dos fiscais durante essa fiscalização e o procedimento é que haja a apreensão de toda a carga, mesmo que tenham poucas espécies ali que são liberadas.”
Sobre a falta de efetivo nas Unidades de Conservação da Caatinga, o gerente afirmou que, apesar de ter apenas um gestor na Estação Ecológica Serra da Canoa e no Parque Estadual Mata da Pimenteira, existe uma equipe, na sede do órgão, no Recife, para dar suporte a essas áreas.
“Existe o gestor. Algumas unidades têm uma equipe maior além do gestor, mas na sede no Recife. Inclusive tem um setor de administração de Unidades de Conservação que dá esse suporte na fiscalização da equipe gestora. Quando a unidade não possui a equipe gestora, quem faz esse papel é o setor de administração das unidades de conservação, que fica aqui na sede”.
De acordo com Gleidson Castelo Branco, ao existir denúncia e demanda, uma equipe sai do Recife para a fiscalização nas áreas de Unidade de Conservação.
Questionado sobre o que acontece quando uma pessoa é flagrada numa unidade de proteção ambiental desmatando ou caçando animais, ele explicou o infrator responde administrativamente, tem carga apreendida e pode pagar multa que varia entre R$ 50 e R$ 50 milhões.
“Tem tanto a apreensão da carga como também todos os instrumentos utilizados no cometimento da infração, como o próprio veículo. Existe a multa também que, a depender do caso, tem muitas variantes, agravantes, que vai de R$ 50 a R$ 50 milhões. Em algumas situações, além de ser infração administrativa ambiental, é um crime, então ele vai ser conduzido à delegacia para que se estabeleça todo o procedimento de inquérito criminal. Na Justiça tem as penas, além de multa, a depender do crime também. Inclusive, quando ele é cometido dentro da unidade de conservação, é um agravante”, explicou o gerente das Unidades de Conservação da CPRH.
Entre janeiro e 15 de dezembro de 2022, de acordo com a CPRH, foram registradas 12 autuações de tráfico e caça de animais nativos da Caatinga, além de três por cativeiro [de animais]. Dez autuações de desmatamento em unidades de conservação da Caatinga foram registradas no estado
Investir para preservar
Diante da pequena proporção de áreas de Caatinga protegidas no estado e do desmatamento e da caça dentro dessas áreas, pesquisadores e ambientalistas lamentam a falta de investimento e políticas públicas direcionadas ao bioma.
“O apoio governamental, na verdade, e a gente fala tanto numa escala estadual ou nacional, [a Caatinga] sempre é colocada em último lugar”, afirmou o professor André Lima, da UFRPE.
O Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) estuda os biomas da região, as áreas de proteção e também atua na recuperação da vegetação e fauna dos locais degradados.
De acordo com o presidente da instituição, Joaquim José de Freitas Neto, esse não é um problema ambiental pontual do estado, mas do país, que segundo ele sofreu com a diminuição de recursos voltados para proteção, gestão e implementação de novas unidades.
“É importantíssimo a gente conseguir proteger esse capital natural que ainda existe da Caatinga, sob a forma de unidade de conservação, que hoje é a principal estratégia de proteção de floresta em pé, dentro da governança ambiental brasileira. Nos últimos tempos, sobretudo nos últimos quatro anos, vem ocorrendo um desmonte de políticas ambientais. Então se a gente não tem um direcionamento do governo federal, toda governança ambiental se torna fragilizada. Não adianta nada a gente criar uma unidade de conservação e ela não ter uma gestão efetiva, com diálogo com a comunidade, não ter planejamento, como o plano de manejo, que norteiam a gestão”.
O g1 procurou o Ministério do Meio Ambiente para saber quanto o governo federal investiu no bioma Caatinga durante os últimos quatros anos, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
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Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

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Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
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O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
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Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
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Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

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Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

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Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

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Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

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