Connect with us

Coisas do Mato

Como brasileiro criou ‘abelhas assassinas’ por acidente e revolucionou a apicultura

Published

on

Warwick Estevam Kerr importou exemplares de espécie africana na década de 1950, que acabaram escapando e cruzando com abelhas europeias. Nos primeiros anos, nova espécie gerou pânico, mas depois de algum tempo foi fundamental para apicultura brasileira. Como brasileiro criou ‘abelhas assassinas’ por acidente e revolucionou a apicultura
Acervo/SBPC
Ele foi engenheiro agrônomo, geneticista e entomologista, professor de cinco universidades brasileiras e quatro dos Estados Unidos, além de ter sido o primeiro diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), diretor do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) por duas vezes e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por dois mandatos.
Como se não bastasse, por onde passou criou departamentos e formou novos pesquisadores, mas quando se fala em seu nome o que vem primeiro à mente de muita gente é um acidente ocorrido em 1957: a introdução das abelhas africanas – injustamente chamadas de “abelhas assassinas – no Brasil.
Não foi à toa, portanto, que durante muitos anos Warwick Estevam Kerr temesse que sua brilhante carreira ficasse marcada pelo episódio. Em uma entrevista para a revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP), publicada em 2005, ele chegou a dizer:
“Diante do erro cometido com as abelhas africanas, em 1957, eu não esperava que iria dar a volta por cima. Pensava que teria uma vida desgraçada para o resto dos meus dias. Até 1978, as mulheres franziam a testa, mostravam-me para os filhos e diziam: ‘aquele é o homem que introduziu a abelha brava no Brasil’.”
Mel começa com o ‘vômito’ das abelhas, pode durar alguns anos e tem tipos venenosos; ASSISTA VÍDEO:
De onde vem o que eu como: Mel
LEIA MAIS:
VÍDEO: descubra como é a produção do mel, da colmeia ao supermercado
DE ONDE VEM: série do g1 explica como alimentos são produzidos
EDUCAÇÃO: casal leva laboratório de abelhas em Kombi para escolas
O tempo, no entanto, lhe fez justiça. Nascido em Santana de Parnaíba, em 9 de setembro de 1922, Kerr se formou em Engenharia Agronômica, em 1945, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, na qual também fez doutorado e livre docência, e foi professor, de 1951 a 1955, e chefe do Departamento de Genética por quatro meses.
Em 1955, ele se mudou para Rio Claro, onde, a partir de 1958, foi chefe do Departamento de Biologia, da então recém-criada Universidade Estadual Paulista (Unesp). De 1962 a 1964 foi diretor científico da Fapesp, cargo ao qual renunciou um mês antes do término do seu mandato para criar e assumir a chefia, em 1965, do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, da qual se tornou professor titular por concurso em 1971.
Nessa época, foi presidente da SBPC por dois mandatos, 1969-1971 e 1972-1973, período em que teve muitos problemas com a ditadura, que governava o país. Foi preso duas vezes, em 1964 e 1969 e chegou a ter sua numerosa família, de sete filhos, ameaçada e sob vigilâncias dos agentes do governo.
Despois de se aposentar da USP, em janeiro de 1981, Kerr foi para o Maranhão, onde ficou por oito anos, período em que criou o Departamento de Genética da Universidade Federal de lá (UFMA) e foi reitor da universidade estadual (UEMA).
Depois, em 1972, mesmo aposentado aos 70 anos, ele foi convidado para dar aulas, orientar alunos de doutorado e continuar suas pesquisas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na qual permaneceu até 2012. Nesse período, ele voltou a Manaus, em 1999, para novamente dirigir o Inpa por mais três anos.
Warwick faleceu aos 96 anos, em 15 de setembro de 2018
ARQUIVO PESSOAL / SBPC
Para o também engenheiro agrônomo Breno Magalhaes Freitas, do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará (UFC), a importância de Kerr para a ciência brasileira “foi enorme”.
“Ele foi um cientista pioneiro em muitas áreas e levou a ciência a todas as regiões desse país, tendo formado várias gerações de pesquisadores brasileiros diretamente e inspirado tantos outros”, diz.
“Junto com o padre Jesus Moure e o professor Paulo Nogueira-Neto, ele estabeleceu toda a base do conhecimento sobre as abelhas no Brasil.”
No que diz respeito à apicultura em si, Freitas lembra que Kerr ficou marcado pelo acidente com as abelhas africanas, mas que depois ficou claro não ter sido sua culpa.
“E felizmente, mesmo por linhas tortas, a apicultura brasileira acabou se beneficiando enormemente da sua iniciativa de trazer as abelhas africanas, coragem de encarar as consequências quando os problemas aconteceram, mesmo não tendo sido sua responsabilidade”, explica.
“Mas é preciso também ressaltar o seu grande trabalho com as abelhas sem ferrão, especialmente na região Norte do Brasil.”
As abelhas africanizadas foram criadas a partir do cruzamento entre as abelhas africanas e europeias
Getty Images
O ‘acidente com as abelhas’
O tão falado acidente com as abelhas africanas ocorreu um ano após ele ter voltado da África, para onde havia ido, em 1956, para estudar de perto a produção de mel naquele continente e, depois, aplicar seus novos conhecimentos na apicultura brasileira.
O objetivo era aumentar a produtividade e a resistência das abelhas europeias, que tinham sido introduzidas no Brasil, em 1839, mas que não haviam se adaptado muito bem ao país, com exceção das regiões Sul e Sudeste.
Na volta ao Brasil, como parte de sua bagagem, Kerr trouxe 51 rainhas – 50 da África do Sul e uma da Tanzânia – da espécie Apis mellifera scutellata, altamente produtiva, mas muito agressiva – ou defensiva, como preferem dizer os estudiosos das abelhas.
Elas deram origem a colmeias, que foram postas em quarentena em um bosque de eucalipto no campus de Rio Claro da Unesp, para que apenas as mais mansas fossem escolhidas.
Para evitar que as rainhas fugissem para a natureza e se espalhassem, as colmeias foram fechadas por uma malha, que permitia a passagem apenas das operárias, que são menores.
Um funcionário da equipe, imaginando que as abelhas estavam presas por engano, no entanto, retirou as malhas de algumas colmeias.
Resultado: 26 rainhas escaparam, cruzaram com as europeias e deram origem a enxames de abelhas africanizadas, que se espalharam, primeiro por São Paulo, e depois por todo o Brasil e que hoje estão pelas três Américas.
Sem predadores naturais no novo lar e muito agressivas, aonde chegavam e se instalavam “tocavam o terror”.
“De 1957 até 1964 essas abelhas cruzaram-se com as alemãs, italianas e portuguesas”, contou Kerr, na mesma entrevista para Estudos Avançados.
“Porém, houve um grande problema: os apicultores colocavam seus apiários próximos aos galinheiros, pocilgas, cocheiras. Houve mortes de galinhas, porcos, cavalos, e a mortalidade de gente que era 120 por ano passou para 180.”
A médica veterinária Débora Cristina Sampaio de Assis, do Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que as abelhas se espalharam rapidamente pelo país e, por meio do cruzamento com abelhas europeias, deram origem às abelhas africanizadas.
“Inicialmente, elas trouxeram uma série de problemas, pois os apicultores não sabiam como trabalhar com elas, devido, principalmente, ao seu maior comportamento defensivo, quando comparado ao das europeias”, explica.
As abelhas africanizadas eram muito mais sensíveis a qualquer estímulo, além de atacarem em maior número e a distâncias mais longas da colmeia, sendo muito mais insistentes nos ataques que as abelhas europeias.
“Assim, por medo, muitos apicultores acabaram abandonando a atividade, pois não possuíam equipamentos adequados nem conhecimento técnico para realizar o manejo das abelhas africanizadas”, diz Débora.
E foi aí que surgiu o mito das “abelhas assassinas”. O medo, gerado pela falta de conhecimento e a repercussão dada pela imprensa aos acidentes, que ocorreram nesse período, fez com que as pessoas acreditassem que se tratavam de abelhas que poderiam atacar qualquer um e sem nenhum motivo, quando na verdade o que se tinha era uma resposta defensiva, para proteger a colônia.
“Ao se sentirem ameaçadas, as abelhas saíam das colmeias em grande número, ferroando as pessoas e animais, mesmo a longas distâncias, de 100 metros ou mais da colmeia”, diz Débora.
Os animais, quando estavam confinados, levavam centenas ou milhares de ferroadas e muitos acabavam morrendo.
Além disso, como as abelhas africanizadas produzem mais enxames por temporada quando comparadas às abelhas europeias, esse fenômeno se tornou muito mais frequente, assustando a população.
“Entretanto, apesar de parecer um evento impressionante para a maioria das pessoas, devido ao barulho e grande número de abelhas, sabe-se que durante a enxameação, as abelhas apresentam pouca tendência a ferroar”, diz Débora.
As vantagens
Mas não foi só morte e pânico que abelhas africanizadas causaram.
“Pensando na apicultura brasileira, a curto prazo houve um impacto negativo, com a desistência da atividade por parte da maioria dos apicultores”, conta Freitas.
“Mas a médio e longo prazo, tão logo se entendeu que essa abelha era diferente e não podia ser criada como a europeia, quando se estudou seu comportamento e se desenvolveram as indumentárias de proteção, fumigadores maiores, e se passou a criá-la afastada das pessoas e animais e, principalmente, adotadas técnicas de manejo específicas para esse animal, a apicultura brasileira deu grandes saltos.”
Por isso, segundo ele, hoje o Brasil é um grande produtor e exportador de mel de abelhas e própolis, coisa impensável naquela época.
“E isso ocorre apesar dos nossos apicultores não serem qualificados como deveriam, ainda com dificuldades de acesso à informação, equipamentos, crédito e comercialização justa para seus produtos”, acrescenta Freitas.
O próprio Kerr contou, na entrevista a Estudos Avançados, como se deu esse processo.
“O grupo de Ribeirão Preto (eu, Lionel Gonçalves, Antônio Carlos Stort, vários alunos, três técnicos e mais tarde David De Jong e Ademilson Espencer Soares) conseguiu desenvolver várias técnicas, algumas muito simples, para controlar a exploração econômica dessas abelhas”, disse.
“Como colocar os apiários longe das casas de moradia, dos galinheiros e cocheiras; depositar as colmeias em banquetas isoladas (ou em canos grossos de esgoto), usar fumigadores maiores, macacões, botas, por máscaras e luvas, sempre; fazer rainhas, escolher as colmeias mais produtivas, mais mansas, mais resistentes a ácaros e enfermidades. Porém, um avanço fundamental foi dado em 1965 e 1966 com a diminuição da agressividade das abelhas, o que era um grande problema.”
Cinco anos depois, o problema estava praticamente resolvido. Para isso, o grupo comprou vinte rainhas italianas dos Estados Unidos, mansas e de alta produtividade, fez enxertia e obteve 25 mil rainhas virgens, que foram introduzidas em 25 mil núcleos fortes, das quais 18 mil foram aceitas e produziram milhares de zangões italianos.
O Brasil é atualmente um grande produtor e exportador de mel de abelhas e própolis
GETTY IMAGES
“Logo os apicultores viram que não adiantava ter uma população mansa, como se tinha com as abelhas italianas, mas que fornecia uma reduzida produção de mel, duas a três vezes menos do que a africanizada”, declarou Kerr.
De acordo com ele, na entrevista, a baixa produção das europeias era causada por vários fatores, inclusive porque não resistiam a um ácaro muito grande, Varroa destructor, que provocava enorme estrago nas colmeias, ao ponto de baixar a produtividade da apicultura em dezenas de países.
Além disso, as africanizadas jogam fora as larvas doentes e mortas. As colmeias são mais limpas que as das europeias.
“A nossa produção normalizou-se porque os apicultores aprenderam a lidar com a abelha africanizada”, comemorou.
Há controvérsias sobre se o acidente poderia ou não ter sido evitado, mas é consenso de que não houve negligência. Para Freitas, a fuga das rainhas africanas poderia ter sido evitada, mas não houve falta de rigor no experimento.
“A ideia original não era de que as abelhas se soltassem nas matas, tanto que foram tomados cuidados de prevenção colocando telas protetoras nas colmeias”, diz.
“No entanto, não acredito em negligência. Apenas não puderam imaginar que alguém iria tirar essas telas, com a intenção de ajudar, achando que as abelhas estavam presas por engano. É preciso lembrar que aqueles eram outros tempos, e a maioria dos funcionários de fazendas eram pessoas simples, sem maiores instruções.”
Débora, por sua vez, lembra que realização de experimentos de campo não é tarefa simples. Há dificuldades para controlar todos os fatores que podem interferir nos resultados.
“Por isso, não se pode afirmar que houve negligência ou falta de rigor no experimento”, afirma.
“O fato é que as abelhas africanizadas se adaptaram muito mais facilmente ao ambiente que as abelhas europeias e, o que era para ter sido feito de forma controlada, acabou sendo feito pela própria natureza.”
O próprio Kerr, que morreu aos 96 anos, em 15 de setembro de 2018, na sua entrevista, diz que de 1979 em diante, tudo mudou.
“Passaram a tirar fotografias minhas e falavam: ‘esse é o homem que salvou nossa apicultura'”, contou.
“Por causa dele o papai comprou caminhão novo’. Enfim, durante 14 anos vivi uma tragédia com a introdução no Brasil das 50 rainhas da África do Sul e de uma da Tanzânia. Agora, minha mulher acha a história até engraçada e eu, como bom caipira de Santana de Parnaíba, digo ‘louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo’. E sempre fico frustrado, por não ter por perto meus caipiras amigos para tirarem o chapéu e dizerem: ‘E para sempre seja louvado, amém’.”
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64329040

Continue Reading
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Coisas do Mato

Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

Published

on

By

Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
Leia também:
Projeto cataloga Imbuias gigantes, espécie símbolo em risco de extinção
Árvores de ‘espécies exóticas invasoras’ com proibição de plantio em SC
Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp
VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias
Veja mais notícias do estado no g1 SC

Continue Reading

Coisas do Mato

Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

Published

on

By

Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

Continue Reading

Coisas do Mato

Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

Published

on

By

Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

Continue Reading

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.