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Luiz Otávio ecoa com paixão o som dos bailes dos anos 1970 no tom black Rio do disco ‘Essa maré’

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Pianista carioca apresenta quatro músicas autorais, entre regravações de composições de Don Beto e Djavan, ao emergir como cantor em álbum coeso, produzido pelo artista com Mart’nália. Capa do disco ‘Essa maré’, de Luiz Otávio
Divulgação
Resenha de álbum
Título: Essa maré
Artista: Luiz Otávio
Edição: Biscoito Fino
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ A partir da criação do funk e soul de sotaque brasileiro, em movimento alicerçado por Cassiano (1943 – 2021) e Tim Maia (1942 – 1998) na transição da década de 1960 para a de 1970, abriu-se rico universo de música black – sobretudo nos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro (RJ), cenário de bailes que arrastavam multidões nos fins de semana para ouvir soul, funk e R&B na matriz norte-americana.
Essa abertura possibilitou a difusão de artistas que bebiam desse som importado dos Estados Unidos, mas o traduziam para o idioma do Brasil.
O pianista, compositor e (agora) cantor carioca Luiz Otávio descende da linhagem nobre desse movimento Black Rio que gerou astros como Carlos Dafé, Don Beto e Hyldon (soulman de origem baiana que já estava em cena desde os anos 1960) e que, na década de 1980, pôs Ed Motta nesse trilho a reboque da Conexão Japeri.
Segundo álbum de Otávio, mas o primeiro cantado, Essa maré emerge como fruto orgânico e temporão desse universo black carioca. Com sete músicas que o situam na tênue fronteira entre álbum e EP, o disco foi idealizado por Mart’nália, produtora musical de Essa maré em função dividida com o próprio Luiz Otávio, artista de 33 anos.
Por sempre ter bebido dessa fonte black suburbana, a ponto de ter feito grandes álbuns com o baixista Arthur Maia (1962 – 2018) na produção musical, Mart’nália identificou em Luiz Otávio vocação para fazer disco como cantor por conta dos vocais improvisados pelo artista nos shows da cantora. A propósito, Otávio cumpre expediente como tecladista e cavaquinhista na banda de Mart’nália em ponte feita justamente por Arthur Maia, com quem Otávio tocou por oito anos.
Mart’nália e Luiz Otávio no estúdio, na gravação do álbum ‘Essa maré’
Catarina Ribeiro / Divulgação
A audição do disco Essa maré mostra que o faro de Mart’nália é aguçado. Do lote de músicas autorais apresentadas pelo artista entre as sete faixas, Custe o que custar sobressai com suingue sensual e sinuoso que dilui a sofrência dos versos escritos por Tom Karabachian, parceiro de Luiz Otávio nessa música que bem poderia figurar no roteiro de um baile black dos anos 1970 – assim como Já tô (Luiz Otávio, 2022), faixa previamente apresentada em 13 de dezembro como primeiro single do álbum que emergiu nos aplicativos de música na última sexta-feira, 27 de janeiro em edição da gravadora Biscoito Fino.
É que resulta deliciosamente vintage o som tirado pela da banda arregimentada para o álbum Essa maré e formada por Alexandre Katatau (baixo), André Siqueira (percussão), Diogo Gomes (trompete), João Rafael (baixo), Julio Raposo (guitarra), Marcelo Martins (sax, flauta e arranjos de sopros), Rafael Rocha (trombone) e Thiago Silva (bateria), além de Luiz Otávio (voz, piano e teclados).
É fato que a assinatura do compositor nem sempre soa exatamente original. A música Quem disse, por exemplo, deixa sensação de déjà vu, impressão inexistente na faixa-título Essa maré, de arquitetura incomum.
Já o pianista ostenta brilho invariável, seja no balanço quase jazzy que orna a regravação da balada Pensando nela (Don Beto e Reina, 1977) – único sucesso de Don Beto, artista de origem uruguaia que migrou para o Brasil, onde fez nome nos anos 1970 dentro do universo black carioca – seja no fraseado que arma a cama para Luiz Otávio e Mart’nália rolarem na sensualidade da balada Meu (2001), título pouco conhecido do refinado cancioneiro de Djavan, compositor que também ecoa no som de Luiz Otávio entre outras boas referências.
No arremate do disco, o artista refina samba de Arlindo Cruz – Não penso em mais nada (2014), parceria do bamba carioca com Junior Dom – na forma de baladão apaixonado em movimento surpreendente para quem ouvia pagode na infância vivida em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), cidade-trilha dos bailes black que ressoam com paixão no primeiro coeso disco de Luiz Otávio como cantor.

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