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Festas e Rodeios

O anarquista espanhol que desviou milhões de banco e cuja vida virou filme da Netflix

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Conhecido como Robin Hood anarquista, Lucio Urtubia usou dinheiro desviado para financiar grupos guerrilheiros na Europa e na América Latina. Lucio Urtubia (1931-2020).
Cortesia do editorial Txalaparta
“Eu expropriava os bancos, não os roubava. Roubar é roubar pobres. Quem rouba um ladrão tem 100 anos de perdão. É uma honra roubar um banco.”
Este era o pensamento de Lucio Urtubia, que um dia colocou contra a parede o maior banco do mundo.
Sua arma: uma impressora. Para ele, o roubo era um “gesto revolucionário, desde que cometido para fazer o bem coletivo e não para uma só pessoa”. Para o anarquista espanhol, a fronteira do debate entre o que é legal e que é moral era muito tênue.
Pedreiro durante o dia e falsificador à noite, Lucio Urtubia era semianalfabeto e atuou como ladrão, suposto sequestrador e contrabandista. Rebelde e revolucionário até o fim dos seus dias, foi um dos homens mais procurados dos anos 1980.
Seu maior golpe foi falsificar uma imensa quantidade de cheques de viagem do First National City Bank (hoje, Citibank) – na época, um dos maiores bancos do mundo – em conjunto com uma rede de dezenas de pessoas, chefiadas por ele.
Não se sabe ao certo o montante de dinheiro que Urtubia chegou a desviar. Segundo ele próprio, foram pelo menos US$ 20 milhões (cerca de R$ 104 milhões, em valores atuais).
Ele afirmava que o dinheiro foi usado para financiar grupos guerrilheiros na Europa e na América Latina, como os Tupamaros, no Uruguai, e os Montoneros, na Argentina.
A lenda conta que seus falsificadores ajudaram na fuga de Eldridge Cleaver, líder dos Panteras Negras nos Estados Unidos, e que ele participou da tentativa de sequestro do oficial nazista Klaus Barbie na Bolívia. E ele próprio contava que chegou a discutir estratégias com Che Guevara.
Entre a pessoa e o personagem, o mito e a história, a vida de Lucio Urtubia parece ter saído de um roteiro de cinema.
Vida de filme
De fato, a história extraordinária deste Robin Hood anarquista acabou virando livro – El Tesoro de Lucio (“O tesouro de Lucio”, em tradução livre), de Mikel Santos Belatz – e chegou às telas em duas ocasiões. A primeira, no documentário Lucio (2007), dos diretores Aitor Arregi e Jose Mari Goenaga; e, mais recentemente, no longa-metragem Um Homem de Ação (2022).
Paradoxalmente para um homem que passou toda a sua vida lutando contra o capitalismo, o filme mais recente foi produzido por uma grande corporação norte-americana, a Netflix.
“Quando apresentamos o filme, as pessoas nos perguntavam se era um documentário falso. Elas não conseguiam acreditar”, recorda Aitor Arregi, um dos diretores de Lucio.
“A dissimulação, a falsificação e o espírito de sobrevivência estão na essência da sua história”, explica o cineasta à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol.
“É fascinante como um homem com pouca educação formal, mas imensamente inteligente e muito instintivo, conseguiu se envolver em tantas histórias, quase sem chegar à prisão.”
Lucio Urtubia Jiménez nasceu em 1931 na cidade de Cascante, em Navarra (Espanha), no seio de uma família muito humilde.
Ele recorda na sua autobiografia Mi Utopía Vivida (“Minha utopia vivida”, em tradução livre) que, desde criança, “não respeitava em nada tudo o que fosse proibido. Se eu queria e precisava de alguma coisa, fazia o que fosse preciso para consegui-la.”
Lucio Urtubia teve uma infância muito pobre em Navarra, na Espanha.
Getty Images via BBC
Com outras crianças, por exemplo, Urtubia roubava as moedas que os fiéis ricos doavam a Santo Antônio na igreja da cidade, esfregando barro em uma vara que era introduzida pela fenda da caixa de esmolas, para que as moedas ficassem grudadas. Ele furtava frutas, azeitonas e o que mais fosse necessário para sobreviver.
Do roubo, Urtubia passou ao contrabando na fronteira entre a França e a Espanha. Ele e seu irmão contrabandeavam fumo, conhaque Martell e remédios para a Espanha, cruzando o rio Luzaide (que separa os dois países), e mandavam para a França bebidas alcoólicas e pombos para servir nos restaurantes.
Durante o serviço militar, Urtubia teve acesso ao almoxarifado do quartel. Uma nova dimensão abriu-se para ele: botas, camisas, relógios e instrumentos de precisão ali guardados saíam escondidos em latas de lixo.
Um dia, os militares descobriram que estavam sendo saqueados. Urtubia estava de licença e fugiu para a França para escapar da prisão ou do fuzilamento. Chegou a Paris sem falar uma palavra de francês.
“Não sabia nada, nem lavar as mãos”, contou ele. “Assim cheguei a Paris em 1954, com uma mão na frente e a outra atrás.”
Urtubia logo começou a trabalhar em uma empresa de construção e a profissão de pedreiro o acompanhou por toda a vida.
“O ser humano é o que é devido ao que ele faz. Por isso, minha salvação sempre foi o trabalho. Sem ele, não somos ninguém”, dizia ele.
O trabalho foi também a melhor camuflagem para sua vida clandestina. Afinal, quem iria imaginar que um modesto pedreiro, sem nenhuma educação, poderia estar por trás daquelas sofisticadas falsificações?
Muitos anarquistas que haviam defendido a República Espanhola durante a guerra civil fugiram depois do triunfo das tropas de Francisco Franco.
Getty Images via BBC
Paris, na época, era o refúgio de milhares de comunistas, anarquistas, socialistas e dissidentes espanhóis. Mas Urtubia mal sabia ler e não tinha formação política.
Ele conta em suas memórias que, um dia, um companheiro perguntou a ele: “Mas qual é a sua política? O que você é?” Ele respondeu que era comunista, pois achava que todos os que se opunham ao fascismo seguiam aquela ideologia.
Os companheiros se puseram a rir e disseram “Que comunista, que nada, você é anarquista!”
Despertar políticoUrtubia só havia ouvido a palavra “anarquista” uma vez, da boca do seu pai. Certa vez, muito irritado, ele disse que “se nascesse de novo, seria anarquista”.
A palavra entrou na sua vida e o acompanhou para sempre: “Começou ali, para mim, a verdadeira escola, a verdadeira liberdade”.
Ele se inscreveu em cursos de francês da Juventude Libertária e começou a frequentar a sede da Confederação Nacional do Trabalho (CNT) da França, na rua Sainte-Marthe, em Paris. Por ali passaram o Nobel de Literatura Albert Camus (“grande amigo dos anarquistas espanhóis”) e o fundador do surrealismo, André Breton.
Na CNT, Urtubia também pôde ouvir os escritores Georges Brassens e Jacques Brel. E a educação que lhe foi negada pelas escolas franquistas, segundo ele, foi aberta pelas mãos de grupos de teatro que representavam obras de Federico García Lorca e recitavam poemas dos escritores espanhóis Antonio Machado e Miguel Hernández.
Até que chegou o dia em que o secretário da CNT, Germinal García, pediu um favor.
“Sabemos que você tem um pequeno apartamento e chegou um amigo clandestino”, disse ele. “[Queria saber] se você pode nos ajudar por algum tempo, até encontrarmos algo para ele e resolver seus documentos.”
O amigo era Quico Sabaté, o maior expoente da guerrilha urbana contrária ao ditador Francisco Franco na Catalunha (Espanha) – talvez, um dos espanhóis mais procurados na época.
Urtubia ficou fascinado com Sabaté, segundo Bernard Thomas contra no livro Lucio, El Anarquista Irreductible (“Lucio, o anarquista irredutível”, em tradução livre): “o seu deus, seu mestre do anarquismo”.
Urtubia não escondeu apenas o “Quico”. Quando foi para a prisão cumprir uma pena de seis meses, Sabaté pediu a ele que guardasse algumas “ferramentas”: uma metralhadora Thompson e uma pistola.
Contava que, com estas “ferramentas” e duas batas de comerciante, ele e um amigo assaltaram seu primeiro banco, no boulevard Magenta, em Paris. A dupla chamaria o assalto de “expropriação”.
O espanhol ganhava então 50 francos (menos de US$ 8,50, ou R$ 44, em valores atuais) por semana no cansativo trabalho da construção. E, em 16 minutos, passou a ter milhões.
Depois desse primeiro roubo, vieram muitos outros, mas ele nunca deixou de trabalhar na construção. O dinheiro, segundo ele, era usado para causas revolucionárias.
As “expropriações” eram simples em uma época em que não havia câmeras de segurança, mas ele não gostava delas por temer que alguém pudesse sair ferido.
“Quando saía para expropriar um banco, eu urinava nas calças”, contou ele em diversas entrevistas, sem nenhum sinal de vergonha.
Por isso, ele trocou a Thompson por uma impressora, que era a grande arma dos anarquistas.
Com a ajuda de diversos amigos impressores, eles começaram a falsificar documentos de identidade, passaportes e carteiras de motorista espanholas. Os documentos serviam para ajudar exilados e dissidentes.
“Graças a eles, era possível alugar carros, que eram ou não devolvidos, apartamentos, abrir contas bancárias, viajar, pagar, não pagar… Com eles, eram abertas as portas dos lugares que estavam fechados para nós”, contou ele na sua autobiografia.
Depois dos documentos, o próximo passo foi a falsificação de dinheiro. Certa vez, chegaram às mãos de Urtubia notas falsificadas de dólar americano de ótima qualidade.
“O dólar era mais fácil de falsificar do que alguns trabalhos que já havíamos feito. O mais difícil, quando o assunto é dinheiro, é o papel”, reconheceu ele próprio no documentário Lucio.
Mas, se eles não tinham meios de acesso ao material, o que seria melhor do que um país para falsificar dinheiro?
Urtubia contava que teve uma ideia absurda. Ele conseguiu ser apresentado à embaixadora cubana em Paris, que tomou as medidas necessárias para que ele se encontrasse com Che Guevara no aeroporto parisiense de Orly, onde ele tinha uma escala programada.
Mito ou realidade?
Como ocorre com outros episódios da vida de Urtubia, é difícil comprovar o suposto encontro com Che Guevara, contado pelo anarquista espanhol em diversas entrevistas – ainda que tenha sido confirmado pelo ex-guerrilheiro cubano Dariel “Benigno” Alarcón, que lutou sob o comando de Guevara.
Para os anarquistas, comunistas e outros anticapitalistas, a revolução cubana foi uma inspiração.
O historiador Óscar Freán Hernández é professor de história contemporânea da Espanha da Universidade de Lyon 2, na França, especializado no anarcossindicalismo espanhol.
Para ele, parece possível que as organizações e os movimentos clandestinos que existiam naquela época estivessem em contato com a diplomacia cubana. Afinal, era em Cuba que se situava, na época, o foco revolucionário.
Mas, “se realmente ele se encontrou com o Che ou não… isso, não sabemos”, reconhece o professor.
Urtubia estava entusiasmado e seu plano, segundo ele, era simples: que Cuba imprimisse milhões de dólares para inundar o mercado e desvalorizar a moeda norte-americana. Ele próprio forneceria as chapas.
Segundo seu testemunho, Ernesto “Che” Guevara era então ministro da Economia de Cuba e, supostamente, não achou uma boa ideia.
Urtubia ficou decepcionado, mas não quis se arriscar a falsificar dinheiro por sua conta. As penas de prisão por este delito eram muito altas e podiam chegar a 20 anos de prisão.
“Como se sabe, seguro morreu de velho”, confessou ele na sua autobiografia. “Por isso, decidimos fabricar os cheques de viagem. A pena era muito menor: cinco anos.”
O anarquista pegou um trem para Bruxelas, na Bélgica, para comprar 30 mil francos (cerca de US$ 5,1 mil ou, em valores atuais, R$ 26,4 mil) em cheques de viagem do First National City Bank em um banco local.
Não foi fácil, mas eles conseguiram falsificar os cheques e fabricar, segundo Urtubia, 8 mil talões de 25 cheques de US$ 100 cada um. Total: US$ 20 milhões (cerca de R$ 104 milhões, em valores atuais).
Diversas equipes trocavam esses cheques em agências bancárias por dinheiro de verdade, em espécie. Trinta células, cada uma com duas pessoas, eram coordenadas para apresentar os cheques no mesmo momento em diferentes cidades europeias. Desta forma, eles garantiam que a numeração dos documentos não estivesse registrada na lista de cheques roubados ou suspeitos.
O que era feito com o dinheiro?”Esta é uma das grandes perguntas: quanto dinheiro era movimentado e para onde foi esse dinheiro”, pergunta-se o historiador Óscar Freán Hernández. Ele descarta que o dinheiro fosse usado para enriquecimento próprio.
Urtubia e seus companheiros relataram que o dinheiro obtido financiou uma longa lista de guerrilhas e grupos armados considerados de esquerda na América Latina e na Europa. Entre eles, estavam os Tupamaros (Movimento de Liberação Nacional), no Uruguai, o movimento Ação Direta, na França, e o grupo separatista basco ETA, na Espanha.
Mas existem poucos documentos que comprovem as palavras de Urtubia sobre o destino dos fundos. Isso se deve à própria natureza clandestina da operação e à falta de fontes policiais (muitas delas ainda não acessíveis para os historiadores), além da falta de documentos escritos, “logicamente por questões de segurança, já que eles estavam cometendo atos ilegais e não podiam deixar pistas”, segundo explica Freán Hernández.
Embora garantisse que detestava a violência e que deixou de fazer as “expropriações” devido ao risco de que alguém acabasse sendo ferido ou morto, Urtubia não fez nenhuma objeção moral para que parte desse dinheiro supostamente chegasse, por exemplo, ao ETA.
Urtubia se justificava com sua aversão à Espanha pelas injustiças que havia vivido e presenciado durante sua infância e adolescência.
“Eu odiava a Espanha e Navarra porque havia passado por muitos horrores. E isso me fazia ser solidário com as pessoas que combatiam”, declarou ele em entrevista ao programa de TV espanhol Salvados em 2015.
Mas chegou um momento em que a galinha dos ovos de ouro começou a fraquejar.
Os cheques de viagem falsos começaram a aparecer por toda parte. O First National City Bank deixou de aceitá-los, gerando caos e comoção entre as pessoas que haviam comprado cheques e agora não conseguiam recuperar seu dinheiro.
O pedreiro recebeu então uma oferta de um amigo. Ele havia encontrado um comprador que pagaria 30% do valor dos cheques. Desta forma, eles evitavam o risco de ir trocá-los nas agências bancárias.
Mas era uma armadilha. Lucio Urtubia foi detido pela polícia em junho de 1980, no famoso café parisiense Les Deux Magots, e enviado para a prisão.
Um dos seus advogados de defesa foi Roland Dumas, que posteriormente seria ministro das Relações Exteriores da França.
“Compreendi na hora que o dinheiro não era para ele, que se tratava de uma empreitada política – meio maluca, poderíamos dizer – para fabricar cheques de viagem e colocá-los em circulação para desestabilizar o regime”, relata Dumas no documentário Lucio.
Naquela época, Dumas mantinha relações diplomáticas com a Espanha e pediu ajuda a Urtubia para entrar em contato com o ETA, que havia sequestrado o deputado espanhol Javier Rupérez. O deputado foi libertado depois de 31 dias.
Quando a organização armada sequestrou os cônsules da Áustria, El Salvador e Uruguai na Espanha, em 1981, Dumas recorreu novamente a Urtubia.
E o First National City Bank?Lucio Urtubia passou quase seis meses na prisão enquanto se desenrolava o processo.
Mas a polícia não conseguiu encontrar as chapas de impressão. E, enquanto elas continuassem nas mãos dos falsificadores, os cheques continuariam sendo impressos e o problema persistiria.
Segundo os advogados, o banco estava desesperado e decidiu negociar.
Thierry Fagart, outro dos advogados do anarquista, conta que o renomado juiz progressista Louis Joinet, então assessor do primeiro-ministro francês, conhecia Urtubia e convenceu os advogados do banco a negociar.
“Ele disse aos advogados do First National City Bank que acreditava que, do ponto de vista francês, era uma questão prejudicial que precisava ser interrompida, que não podia continuar assim, que, mesmo colocando muita gente na prisão, o tráfego [de cheques] continuava e que talvez a solução passasse por uma negociação entre o Citibank e o advogado de Lucio Urtubia, que todos consideravam ser o chefe de todo este assunto”, relata Fagart em Lucio.
Foi assim que, segundo Fagart, a mesma organização de quem Urtubia e seu grupo haviam roubado milhões de dólares concordou em retirar as acusações contra ele, em troca das chapas, que estavam escondidas em um guarda-volumes da estação de trem de Austerlitz, em Paris.
O advogado relata no documentário que a troca foi realizada em um quarto de hotel no Champs-Elysées, na capital francesa, onde ele havia combinado de se encontrar com um funcionário do banco. “Foi incrível, como em um filme policial”, segundo ele.
Fagart conta que, quando o banco verificou o material, entregou uma maleta com “uma considerável soma em dinheiro”, que fazia parte do acordo.
Urtubia afirma que eram cerca de 40 milhões de francos (mais de US$ 6 milhões, cerca de R$ 31 milhões em valores atuais). Ele foi libertado em seguida e sempre insistiu que não ficou com o dinheiro.
O banco não respondeu às tentativas da BBC de conhecer a sua versão dos fatos.
Urtubia tinha, na época, quase 50 anos. Era hora de se aposentar da vida clandestina e dedicar-se à família e ao trabalho de pedreiro, que nunca abandonou, no bairro parisiense de Belleville, onde morava.
“Existem coisas que nunca vamos saber e temos que aceitar”, reconhece Freán Hernández.
“Mas o mais interessante talvez fosse saber em qual momento essa figura de homem imigrante, sem consciência política, que chega à França e começa a conhecer a ideologia anarquista, torna-se ativista e realiza uma série de ações – em qual momento essa pessoa começa a se tornar uma espécie de herói mistificado”, explica o historiador.
Lucio Urtubia morreu em 2020. Ele garantiu em diversas entrevistas que, na verdade, nunca deixou de ser delinquente.
“Nem eu mesmo acredito no que vivi.”

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Festas e Rodeios

Por que a cultura do estupro é tão comum na indústria musical e o que Sean Diddy tem a ver com isso

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Com mais de 200 páginas, documento reúne dezenas de casos de magnatas da música americana acusados de cometer crimes sexuais e de assumir posturas controversas. Sean ‘Diddy’ Combs
Chris Pizzello/Invision/AP
O caso Diddy ainda parece distante de uma conclusão, mas, sem dúvidas, já é um marco na indústria da música. Há, inclusive, expectativas de que se torne o próximo MeToo, movimento que chacoalhou Hollywood em 2017 com uma onda de denúncias de crimes sexuais.
Preso em 16 de setembro, Dsddy se diz inocente e aguarda julgamento. Mas ele não foi o único músico a entrar na mira da Justiça nessas últimas semanas. Quem também foi processado é o astro country Garth Brooks, acusado de estupro, o que é negado por ele.
Dominado por homens, o setor musical tem uma extensa lista de denúncias e condenações por assédio e abuso. Isso é tão frequente que há uma naturalização do problema, o que acaba levando à chamada cultura do estupro.
“Por décadas, a indústria da música tem tolerado, perpetuado e, muitas vezes, comercializado uma cultura de abuso sexual contra mulheres e meninas menores de idade. Milhares de artistas, executivos e acionistas lucraram bilhões de dólares, enquanto se envolviam e/ou encobriam comportamentos sexuais criminosos”, diz o texto introdutório do relatório “Sound Off: Make the Music Industry Safe” (ou “Som desligado: Torne a Indústria da Música segura”, em português), publicado em fevereiro deste ano.
Com mais de 200 páginas, o documento reúne dezenas de casos de magnatas da música americana acusados de cometer crimes sexuais e de assumir posturas controversas. São histórias que vão dos anos 1950 a 2024.
A constante negligência de denúncias, investigações e até sentenças judiciais estimula crimes sexuais no mercado musical. É o que aponta o relatório, elaborado por uma coalizão entre os grupos feministas Lift Our Voices, Female Composer Safety League e Punk Rock Therapist.
Caso Diddy: entenda o que é fato sobre o caso
Sexo, drogas e rock n’ roll
“Para desenvolver uma marca estética de alguns artistas, a indústria usa essa cultura a seu favor”, diz Nomi Abadi, pianista e fundadora da Female Composer Safety League, rede de suporte a compositoras vítimas de abuso sexual e assédio. Ela conversou com o g1 por videochamada. “É por isso que tem tanto músico acusado impune.”
Ela cita o famoso lema “sexo, drogas e rock n’ roll”. Para a artista, a ideia é menos sobre um espírito roqueiro e mais sobre uma dinâmica de poder que está presente em todos os gêneros musicais. É uma forma de relativizar histórias de mulheres que alegam terem sido drogadas e violadas sexualmente em festas com músicos, executivos, produtores e outros profissionais do setor.
De fato, não é raro encontrar esse tipo de queixa no meio musical. O próprio Diddy é acusado de drogar e estuprar mulheres durante seus festões luxuosos, chamados de “white parties” e “freak-off”. Inclusive, há relatos de que ele teria coagido algumas convidadas a usar fluidos intravenosos para recuperação física após submetê-las a longas e violentas performances eróticas.
O músico nega todas as acusações que levaram à sua prisão. Quanto ao caráter libertino de suas festas, ele sempre gostou de fazer menções, se gabando dos eventos.
Sean ‘Diddy’ Combs em foto de 2017, em Nova York.
Lucas Jackson/Reuters
“Todos nós já sabíamos. Por muito tempo, ouvimos histórias sobre essas festas”, afirma Nomi. “Eu conheci uma vítima de P. Diddy. Minha amiga esteve em uma dessas festas… Ninguém a escutou. Ninguém se importou com ela.”
Os eventos, que rolavam desde os anos 2000, eram privados — a lista de convidados do rapper reunia atores, músicos, empresários e políticos. Jay-Z, Will Smith, Diana Ross, Leonardo DiCaprio, Owen Wilson, Vera Wang, Bruce Willis e Justin Bieber são algumas das celebridades que compareceram aos encontros.
“O que tinha nessas festas era coisa muito ruim. E mesmo envolvendo tantas pessoas, continuava acontecendo”, continua Nomi. É mais ou menos o que também afirmou a cantora Cassie, ex-namorada de Diddy, em 2023, quando ela abriu um processo contra ele, alegando ter sido estuprada e violentada por mais de uma década. Na ação, que já foi encerrada (sem os detalhes divulgados), a artista afirmou que os supostos crimes do rapper eram testemunhados por muita gente “tremendamente leal” que nunca fazia nada para impedi-lo.
Sean ‘Diddy’ Combs
Richard Shotwell/Invision/AP
Desde que fundou a Female Composer Safety League, Nomi tem tido contato com várias denúncias de agressão sexual no setor da música. “Uma coisa que me surpreendeu quando comecei a frequentar esse meio [de dar suporte a vítimas] é que cada sobrevivente tem sua própria versão da mesma história. As circunstâncias são diferentes. O que aconteceu com cada pessoa é único. Mas todas elas querem ser validadas, compreendidas e terem seus empregos mantidos”, afirma ela. “São os mesmos medos e os mesmos desejos.”
Anos atrás, a artista moveu processos contra Danny Elfman, compositor de trilhas de blockbusters como “Batman” e “Beetlejuice”. Nas ações, ela alegou ter sido vítima de crimes sexuais. Ele nega. Os dois entraram em um acordo com termos não divulgados.
A cultura externa
Também em entrevista ao g1, a pesquisadora de rap Nerie Bento analisa que, na indústria, a cultura do estupro é atrelada à desigualdade de gênero do mercado, além da própria influência de quem está de fora.
“É uma cultura que permeia toda a sociedade, então, obviamente vai estar aqui também”, diz ela. “E a própria música em si… A gente tem muita música misógina que contribui com isso.”
Neire menciona, então, a erotização de corpos femininos em videoclipes de cantores famosos como o próprio Sean Diddy, o que, segundo ela, também endossa a cultura do estupro, ao objetificar a figura da mulher.
O apelo às gravadoras
O relatório “Sound Off” também faz menções à erotização feminina no setor. Além disso, critica as três maiores empresas do mercado fonográfico (Warner Music, Universal Music e Sony Music), propondo que adotem as seguintes demandas:
O fim de NDAs (Non-disclosure agreements, na sigla em inglês), ou seja, acordos de confidencialidade — prática frequente para o encerramento desse tipo de processo no meio musical;
Uma lista pública dos músicos, executivos, gerentes, produtores e outros profissionais acusados de má conduta sexual;
Adoção de protocolos institucionalizados que estimulem a denúncia, não o silêncio;
Investigações conduzidas por partes externas
A defesa de leis que derrubem a prescrição em crimes sexuais
Demandas que surgem porque, segundo a coalizão do relatório, essas gravadoras “ignoraram acusações, silenciaram vítimas e até permitiram o abuso” por décadas.
O g1 entrou em contato com as assessorias da Warner, Universal e Sony, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

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Bruno Mars começa tour no Brasil; show deve ter piada com calcinha e hit gravado com Lady Gaga

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Antes de turnê com 14 apresentações, g1 assistiu ao show do cantor para convidados. Com setlist semelhante ao do The Town, Bruno deve incluir novas piadinhas e grito de ‘Bruninho is back’. Bruno Mars encerra show no The Town com o sucesso ‘Uptown Funk’
Bruno Mars começa nesta sexta-feira (4) uma sequência de 14 shows, que vai até o dia 5 de novembro. Antes dessa turnê brasileira, o cantor havaiano de 38 anos fez um show beneficente no Tokio Marine Hall, em São Paulo, na terça-feira (1º). A apresentação para 4 mil pessoas arrecadou R$ 1 milhão para as vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul.
No show para famosos, convidados e também fãs que participaram de uma promoção, ele seguiu uma estrutura de setlist bem parecida com a do The Town. Bruno fez dois shows no festival paulistano, em setembro de 2024.
Ele ainda começa o show com “24 Magic” e termina com a trinca “Locked Out of Heaven”, “Just the Way You Are” e “Uptown Funk”. No show exclusivo antes da turnê, ele se comunicou um pouco menos com o público.
Entre as poucas interações, gritou “Bruninho is back!”, quando a plateia começou a gritar “Bruninho! Bruninho! Bruninho”, ainda no começo. Em “Billionaire”, alterou parte da letra e cantou “different calcinhas every night”, brincadeira que foi muito aplaudida.
Há ainda uma parte piano e voz, em que ele emenda várias músicas, começando com “Funk You” e passando por “Grenade”, “Talking to the moon” e “Leave the door open”, a única que ele toca do projeto Silk Sonic. A novidade nessa parte, que rolou no show de terça, deve ser a inclusão de um trecho de “Die With a Smile”, música lançada com Lady Gaga em agosto passado.
Bruno Mars
Divulgação
No show do Tokio Marine Hall, um pouco mais curto do que os da turnê, não houve a versão instrumental de “Evidências”, de Chitãozinho & Xororó, tocada por seu tecladista. O solo de bateria, porém, continua presente. Então, não se sabe qual música brasileira será homenageada pela banda de Mars.
A banda que o acompanha, The Hooligans, segue impecável e o ajuda em coreografias cheias de gingado. Para tocar com Mars, não basta ser ótimo músico, tem que saber dançar. Com toda essa atmosfera de suingue e simpatia, fica difícil não se encantar pelo charme de Bruninho.
O repertório de Mars vai do soul ao pop rasgado, passando por R&B, levadas de reggae e baladas perfeitas para pedidos de casamento, como “Marry You”.
Antes dos shows no The Town, Bruno havia vindo ao Brasil em 2017 e em 2012, quando foi atração do festival Summer Soul.
Bruno Mars no Brasil
São Paulo: 4, 5, 8, 9, 12 e 13 de outubro – Estádio Morumbi
Rio: 16, 19 e 20 de outubro – Estádio Nilton Santos
Brasília: 26 e 27 de outubro – Arena Mané Garrincha
Curitiba: 31 de outubro e 1º de novembro – Estádio Couto Pereira
Belo Horizonte: 5 de novembro – Estádio Mineirão

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Garth Brooks é processado por maquiadora que o acusa de estupro

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Mulher diz que agressão aconteceu em 2019. Ela afirma que sofreu diferentes tipos de abusos quando trabalhava para o astro do country americano. Garth Brooks faz show em prol do Hospital de Câncer de Barretos, em 2015
Mateus Rigola/G1
O astro do country Garth Brooks foi processado por uma mulher que o acusa de estupro, segundo o canal de notícias americano CNN nesta quinta-feira (3).
A ação diz que o ataque aconteceu quando ela trabalhava para ele como maquiadora e cabeleireira, em 2019.
A mulher, identificada como Jane Roe, afirma que o cantor também mostrava seus órgãos genitais para ela, falava sobre sexo, se trocava na sua frente e mandava mensagens sexualmente explícitas.
Ela afirma que foi estuprada por ele em um hotel, em Los Angeles, durante uma viagem para a gravação de uma homenagem do Grammy.
O cantor já tinha afirmado ser inocente em um processo movido por ele, anonimamente, em setembro. Na ação, Brooks pedia para que a Justiça declarasse que as acusações de Roe não eram verdade e a proibissem de divulgá-las.
Ele dizia que se tratava de uma tentativa de extorsão que causariam “dano irreparável” à sua carreira e sua reputação.

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