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Festas e Rodeios

O inesgotável encanto de ‘O pequeno príncipe’ faz 80 anos

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Gerações de leitores grandes e pequenos têm se fascinado com a filosófica fantasia infantil de Antoine de Saint-Exupéry, traduzida para 340 línguas. Uns aprendem como é ser adulto, outros relembram o que é ser criança Ilustração do livro ‘O pequeno príncipe’
Divulgação
Ainda me lembro perfeitamente de quando, uma noite, minha mãe apareceu com O pequeno príncipe no meu quarto. “Nossa, deve ser um livro incrível”, pensei, ao vê-la folheando o volume com tanto cuidado e solenidade.
Os desenhos daquele garotinho de cabelos louros espetados e calça e blusa verde me encantaram. Mas a história… me deixou perturbada! Que horror, um planeta tão pequeno assim, é como uma prisão! E essa rosa esquisita, maldosa: por que ele gosta tanto dela? E por que fica amigo da raposa, para depois abandoná-la?
Enquanto minha mãe lia para mim os breves capítulos, em ritmo cadenciado, eu não tinha coragem de dizer como achava a história desagradável. Enquanto a cultura pop celebrava aquele que é provavelmente o mais famoso herói infantil moderno, com xícaras, quebra-cabeças, camisetas e filmes, eu mantinha distância desse bizarro menino extraterrestre.
Não é coisa de criança
O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, conta a história de um garoto que vive num planeta minúsculo, com uma rosa exigente, dois vulcões ativos e um extinto, além dos pés de baobá, que ele vive combatendo. A flor e o principezinho não se dão bem, ela é rabugenta e exigente. Então ele decide partir, numa viagem em que pesquisa sete planetas. A última estação é a Terra, onde ele encontra um aviador que fez um pouso forçado no deserto.
Agora, 80 anos após o lançamento da primeira edição, em 6 de abril de 1943, eu quis dar mais uma chance a esse conto da carochinha moderno. Li os 27 capítulos de uma vez só. E dessa vez eles me tocaram: a linguagem simples, os desenhos singelos – eles enganavam.
Não é uma história infantil, mas, antes, uma lembrança do nosso lado infantil. O livrinho trata das questões realmente grandes, que só os adultos se colocam, como amor, solidão, morte. Então, não é de espantar que eu, menina da escola primária, houvesse sentido nitidamente: aqui está se falando de algo importante, algo que eu (ainda) não posso entender. A leitura por um adulto, em tom sério, me espantou.
Último livro de um apaixonado aviador francês, O pequeno príncipe foi primeiro lançado em Nova York. Quando, três anos mais tarde, saiu a edição francesa, o hoje celebrado autor não estava mais lá para vê-la: em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, ele saíra num voo de reconhecimento e nunca mais retornara.
Amor pela aviação, literatura como hobby
A carreira de piloto de Antoine de Saint-Exupéry, nascido numa família nobre de Lyon em 29 de junho de 1900, começou com voos sobre Paris, para turistas. Na década de 1920, ele trabalhou sucessivamente em Toulouse, Casablanca e Dacar, e assumiu a chefia do aeroporto do então Protetorado Espanhol em Marrocos, onde salvou diversos colegas forçados a pousar no deserto.
Mais tarde transferiu-se para a Argentina, onde atuou como correio aéreo noturno. Em suas repetidas tentativas de estabelecer recordes de voo, sobreviveu a duas quedas: entre Paris e Saigon, e entre Nova York e a Terra do Fogo. Quando a Segunda Guerra começou, em 1939, foi recrutado e presenciou a blitz aérea das Forças Aéreas alemãs no nordeste da França.
Paralelamente à aventurosa carreira de aviação, durante certas etapas de sua vida Saint-Exupéry escreveu romances muito apreciados. Porém, mesmo sendo laureado com prêmios literários, ele se considerava, em primeiro lugar, um piloto de carreira, e escritor amador.
De início, ‘O pequeno príncipe’ decepcionou seus leitores: em vez de um romance de aventuras, um conto agridoce, ilustrado pelo próprio autor. No entanto, ali também estão eternizados episódios da biografia de Saint-Ex, como o chamavam os amigos: assim como seu narrador, ele teve uma pane, caiu num deserto e sobreviveu durante vários dias sem água, até que uma caravana o resgatasse.
Certo é que ninguém poderia ter sonhado que esse livrinho se tornaria não apenas o mais conhecido, mas também o mais vendido da França: mais de 200 milhões de exemplares, em traduções em 340 dialetos e idiomas, inclusive o dos inuit, dos tuaregue e dos maia, além da língua fictícia klingonês, da série de TV Jornada nas estrelas (Star Trek).
“É cansativo, para as crianças, estar toda hora explicando”
“Desenha-me um carneiro”, é a primeira coisa que o pequeno príncipe diz ao aviador que caíra no deserto. “Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse, a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta.”
O piloto desenha três carneiros, todos são rejeitados. Perdendo a paciência e ansioso por consertar o motor de seu avião, ele acaba por desenhar uma caixa e diz: “O carneiro que tu queres está dentro.” Para sua grande surpresa, o excêntrico garoto fica maravilhado.
Eu, em criança, não fiquei. Não percebia a genialidade dessas falas. Minha fantasia infantil era bem desenvolvida, mas se estão me lendo um livro, então, por favor, direito e até o menor detalhe. Hoje, essa passagem me convence plenamente: é uma ode à fantasia, à lucidez infantil sem ideias preconcebidas.
“As pessoas grandes nunca entendem nada sozinhas. E é cansativo, para as crianças, estar toda hora explicando”, escreveu Saint-Exupéry no primeiro capítulo.
Sabedoria de vida para todos
O livro transborda de sabedorias de vida: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” é possivelmente a mais conhecida, e vive reaparecendo nos álbuns de poesia e nas tatuagens de parede dos estúdios de ioga. Mas, ao lado das considerações sobre amor, amizade e morte, o livro também contém crítica social.
Assim, antes de chegar à Terra o pequeno príncipe viaja por seis asteroides, e em cada um tem um encontro fora do comum: um monarca que busca súditos; um vaidoso que quer ser admirado; um bebedor que bebe para esquecer a vergonha de beber; um acendedor de lampiões que obedece cegamente os regulamentos; um geógrafo que explica o mundo, mas nunca o viu; um homem de negócios que pensa ser dono das estrelas.
O negociante parecia tocar meu professor de francês (claro, na aula a gente leu Le petit prince no original). Eu não me dava com ele: era um homem desagradável, soturno, que obviamente não gostava de crianças. Mas ao ler sobre o homem de negócios obcecado por números, incapaz de pensar em qualquer outra coisa, de tanto contar as estrelas, até esse professor de repente ficou suave e cuidadoso. Como se quisesse nos transmitir algo importante. Uma lição de vida? Ou talvez um arrependimento: o que foi feito dos meus sonhos infantis?
“As pessoas grandes já foram crianças, mas só poucos se lembram”, escreveu Saint-Exupéry logo no início de sua obra-prima. Como poucos outros livros, O pequeno príncipe lembra como é ser criança. E talvez por isso permaneça eternamente jovem, mesmo 80 anos depois da primeira edição.

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Filarmônica de Pasárgada faz música para crianças sem dar lição de moral em álbum malcriado e questionador

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Agendado para 9 de outubro, o disco da banda paulistana tem participação de Tom Zé e do escritor Ignácio de Loyola Brandão ao longo de nove faixas. A banda paulistana Filarmônica de Pasárgada segue a cronologia de um dia na vida de uma criança nas nove faixas do álbum ‘Música infantil para crianças malcriadas’
Edson Kumakasa / Divulgação
Capa do álbum ‘Música infantil para crianças malcriadas’, da Filarmônica de Pasárgada
Arte de Guto Lacaz
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Música infantil para crianças malcriadas
Artista: Filarmônica de Pasárgada
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ Sempre houve certa espirituosidade na música da Filarmônica de Pasárgada que parece até natural que o quinto álbum da banda paulistana, Música infantil para crianças malcriadas, seja disco direcionado para o público infantil.
No mundo a partir da próxima quarta-feira, 9 de outubro, o álbum reúne nove canções compostas e arranjadas por Marcelo Segreto. Gravado de 12 a 23 de março no estúdio da gravadora YB Music, em São Paulo (SP), Música infantil para crianças malcriadas consegue ser um disco lúdico e ao mesmo tempo conceitual e, em alguns momentos, até provocador.
As nove músicas seguem a cronologia de um dia na vida de uma criança do momento em que ela acorda (mote da faixa inicial Despertador) até a hora de dormir e sonhar – assunto da marchinha Tá na hora de dormir e de Sonho, a faixa final, aberta com o texto O menino que vendia palavras, na voz do escritor Ignácio de Loyola Brandão – em sequência que faz o disco roçar os 20 minutos. Ou seja, com faixas ágeis e curtas, Música infantil para crianças malcriadas é álbum moldado para a impaciente geração TikTok.
Entre o despertar e o sonho, o inédito repertório de Marcelo Segreto aborda a ida para a escola, o almoço, a lição de casa e a hora do banho. Só que inexiste no álbum aquele didatismo tatibitate e moralizante da maioria dos discos infantis. Ao contrário.
A canção O alface é infinito, por exemplo, versa sobre almoço com a participação de Tom Zé sem endeusar a dieta das folhas. Escola pode escandalizar educadores e pais mais ortodoxos com os versos finais “A gente atrasa / E quando a gente tá doente / Que beleza, minha gente / A gente fica em casa”.
Já pro banho encena diálogo de mãe e filho para mostrar a resistência da criança em se lavar com a verve de versos questionadores como “Por que os franceses podem e eu não posso? / E, além disso, olha onde é que eu moro / Em São Paulo eu tomo banho de cloro”.
Enfim, a Filarmônica de Pasárgada resiste à tentação de educar as crianças – tarefa mais adequada para pais e professores – neste disco malcriado que, por isso mesmo, tem lá algum encanto.
O álbum infantil da banda é tão abusado que até o projeto gráfico de Guto Lacaz descarta as cores recorrentes nas capas e encartes de discos para crianças para ser fiel à estética em preto e branco da discografia da Filarmônica de Pasárgada.
Filarmônica de Pasárgada lança o álbum ‘Música infantil para crianças malcriadas’ em 9 de outubro, em edição da gravadora YB Music
Edson Kumakasa / Divulgação

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Zizi Possi enfrenta ‘temporais’ de Ivan Lins e Vitor Martins em disco que traz também músicas de Gabriel Martins

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Fabiana Cozza, Leila Pinheiro e Rita Bennedito também integram o elenco feminino do EP ‘Elas cantam as águas’, previsto para ser lançado em 2025. ♫ NOTÍCIA
♪ Iniciada em 1974, a parceria de Ivan Lins com o letrista Vitor Martins se firmou ao longo das décadas de 1970 e 1980 nas vozes de cantoras como Elis Regina (1945 – 1982) e Simone, além de ter embasado a discografia essencial do próprio Ivan Lins.
Uma das pedras fundamentais da MPB ao longo destes 50 anos, a obra de Ivan com Vitor gera frutos. Previsto para 2025, o disco Elas cantam as águas reúne seis gravações inéditas.
Três são abordagens de músicas de Ivan Lins e Vitor Martins. As outras três músicas são de autoria do filho de Vitor, Gabriel Martins, cantor e compositor que debutou há sete anos no mercado fonográfico com a edição do álbum Mergulho (2017).
No EP Elas cantam as águas, Zizi Possi dá voz a uma música de Ivan e Vitor, Depois dos temporais, música que deu título ao álbum lançado por Ivan Lins em 1983 e que, além do autor, tinha ganhado registro somente do pianista Ricardo Bacelar no álbum Sebastiana (2018).
Fabiana Cozza mergulha em Choro das águas (Ivan Lins e Vitor Martins, 1977), canção que já teve gravações de cantoras como Alaíde Costa, Tatiana Parra e a própria Zizi Possi. Já Guarde nos olhos (Ivan Lins e Vitor Martins, 1978) é interpretada por Adriana Gennari.
Da lavra de Gabriel Martins, Chuvarada – parceria do compositor com Belex – cai no disco em gravação feita por Leila Pinheiro (voz e piano) com a participação de Jaques Morelenbaum no toque do violoncelo e com produção da própria Leila, que também assina com Morelenbaum o arranjo da faixa que será lançada em 11 de outubro como primeiro single do disco.
Já Rita Benneditto canta Plenitude (Gabriel Martins e Carlos Papel). Completa o EP a música Filha do Mar [Oh Iemanjá], composta somente por Gabriel Martins e com intérprete ainda em fase de confirmação.
Feito sob direção musical de Gabriel Martins em parceria com a pianista, arranjadora e pesquisadora Thais Nicodemo, o disco Elas cantam as águas chegará ao mercado em edição da gravadora Galeão, empresa derivada da Velas, companhia fonográfica independente aberta em 1991 por Ivan com Vitor Martins e o produtor Paulinho Albuquerque (1942 – 2006).

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Médico que ajudou a fornecer cetamina a Matthew Perry se declara culpado por morte do ator

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Conhecido por atuar em ‘Friends’, Matthew Perry morreu em outubro de 2023 por overdose. Mark Chaves é uma das cinco pessoas que enfrentam acusações federais pela morte do ator Matthew Perry
Mike Blake/Reuters
O médico Mark Chavez se declarou culpado por fornecer cetamina ao ator Matthew Perry, morto por overdose em outubro de 2023. O americano fez sua declaração nesta quarta-feira (2), no tribunal federal de Los Angeles (EUA), e se tornou a terceira pessoa a admitir culpa pela morte do ator, que ganhou fama ao interpretar Chandler em “Friends”.
Até a conclusão da sentença, Chavez está livre sob fiança. Ele concordou em entregar sua licença médica. Seu advogado, Matthew Binninger, havia dito em 30 de agosto que ele estava arrependido e tentava “fazer tudo para corrigir o erro”.
Além de Chavez, há dois envolvidos na morte de Perry: Kenneth Iwamasa, assistente do ator, e Erik Fleming, outro fornecedor de droga.
Perry foi encontrado morto em uma banheira de hidromassagem. Quem achou seu corpo foi Iwamasa, que morava com ele.
O assistente admitiu que várias vezes injetou cetamina no ator sem treinamento médico, inclusive no dia de sua morte. Já Fleming alegou ter comprado 50 frascos de cetamina e repassado para Iwamasa.
A Justiça americana ainda investiga mais duas pessoas: Salvador Plasencia, outro médico, e Sangha, suposta traficante conhecida como “Rainha da Cetamina”.
O ator Matthew Perry, morto aos 54 anos, em imagem de 2009
Matt Sayles, File/AP
Um ano antes de morrer, Perry havia lançado sua autobiografia: “Friends, Lovers and the Big Terrible Thing”.
“Existe um inferno”, escreveu Perry, no livro, que narra sua luta contra a dependência química durante os últimos anos de gravação de “Friends”. “Não deixe ninguém lhe dizer o contrário. Eu estive lá; isso existe; fim de discussão.”
O ator, que, na época do vício, passou pela clínica de reabilitação, havia dito que já se sentia melhor e queria que o livro ajudasse as pessoas.
Médio Mark Chavez e Matthew Perry.
Robyn Beck / AFP e Willy Sanjuan/Invision/AP

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