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O samba é a nobreza de João Gilberto em álbum ao vivo em que o artista torna extraordinário o que é comum

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Relíquia, o disco extraído de show feito pelo cantor no Sesc São Paulo em abril de 1998 pode soar novo ou ‘mais do mesmo’ de acordo com a percepção do ouvinte. Capa do álbum ‘João Gilberto – Ao vivo no Sesc_1998’
Speto
Resenha de álbum
Título: João Gilberto – Ao vivo no Sesc_1998
Artista: João Gilberto
Edição: Selo Sesc
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ João Gilberto Prado Pereira de Oliveira (10 de junho de 1931 – 6 de julho de 2019) dominava a arte de tornar extraordinário o que poderia soar comum. É por isso que ele foi – e é, para sempre – o João Gilberto.
Relíquia para quem cultua o cantor e violonista baiano, o álbum João Gilberto – Ao vivo no Sesc_1998 – por ora disponível somente para audição no portal Sesc Digital, mas com edição em CD duplo prevista para 26 de abril, data em que o disco também chegará nos tradicionais aplicativos de música – mostra o artista no exercício desta arte superlativa.
Ora, mas o que tem de novo no áudio das 36 músicas que perpetuam a apresentação feita por João Gilberto há 25 anos no teatro Sesc Vila Mariana, na cidade de São Paulo (SP), em 5 de abril de 1998, para público de 645 privilegiados?!
A resposta para a pergunta hipotética de algum detrator de João poderia ser nada, muito pouco ou tudo. E é a percepção de cada ouvinte que vai determinar qual a resposta certa.
Nada ou mais do mesmo porque o disco revive João com o banquinho, o violão e um repertório de sambas e sambas-canções já recorrentes na discografia e na vida do artista.
Muito pouco porque, das 36 músicas, somente duas são reais novidades na obra de João, uma vez que os sambas Violão amigo (Bide e Armando Marçal, 1942) e Rei sem coroa (Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição, 1945) passam a incorporar a discografia de João a partir da edição deste primeiro título da série Relicário, criada pelo Sesc São Paulo para trazer à tona registros de shows históricos nas unidades paulistanas da instituição.
Mas também tudo porque, como se sabe, toda apresentação de João Gilberto era sempre única, como uma peça de teatro, extremamente bem ensaiada, mas ainda assim diferente a cada sessão. A bossa era sempre nova.
Sentado com o célebre violão no banquinho imaginário que geralmente era uma cadeira confortável, João personificava o ator que burilava os sentidos dos textos das músicas a que dava voz. Tudo com o apuradíssimo senso rítmico com que, neste disco ao vivo, o intérprete revigora a manemolência de Isto aqui o que é? (Ary Barroso, 1942) e os dengos de Curare (Bororó, 1940) e Isaura (Herivelto Martins e Roberto Roberti, 1945).
E o que dizer dos sambas de Dorival Caymmi (1914 – 2008) na voz do bruxo baiano de Juazeiro (BA)? Quando João canta Rosa morena (Dorival Caymmi, 1942), Doralice (Dorival Caymmi e Antonio Almeida, 1945), Lá vem a baiana (Dorival Caymmi, 1947) e Saudade da Bahia (Dorival Caymmi, 1957), samba cantado sem as interjeições do verso “Ah, que saudade eu tenho da Bahia”, a voz e o violão do artista parecem ser a própria cadeira que requebra em cadências bonitas, ora mais ternas, ora mais buliçosas, sempre precisas.
Porque tudo em João Gilberto sempre soou do tamanho exato. Quem conseguiu concentrar as sofrências de A valsa de quem não tem amor (Custódio Mesquita e Evaldo Ruy, 1945), Aos pés da cruz (Zé da Zilda e Marino Pinto, 1942) e Rei sem coroa (Herivelto Martins e Waldemar Ressurreição, 1945) com tanta elegância? O samba era a nobreza de João Gilberto.
E, como menos era sempre mais com João, o cantor suprime os versos mais intensos do choro-canção Carinhoso (Pixinguinha e Braguinha, 1937). E tudo parece perfeito. Nada falta ou sobra.
Entre o adeus de Guacyra (Heckel Tavares e Joracy Camargo, 1933) e a exaltação do samba Bahia com H (Denis Brean, 1947), João Gilberto parece habitar um universo particular, um pedacinho imenso e inalcançável de terra, sem CEP ou fronteira.
É assim, sempre errante e certeiro, que o artista cruza os mares de Wave (Antonio Carlos Jobim, 1967) com aparente riso no canto e com silêncios preenchidos pelas vozes da plateia embevecida, que também divide com o artista a interpretação dos versos de Este seu olhar (Antonio Carlos Jobim, 1959) no arremate cúmplice do show.
Enfim, o álbum João Gilberto – Ao vivo no Sesc_1998 é peça de relicário que tem valor inestimável para quem sempre deu o devido valor a João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, aquele que tornava extraordinário o que, em outras vozes e violões, poderia ser somente trivial.
João Gilberto no traço de Speto em grafite exposto na capa do disco ‘João Gilberto – Ao vivo no Sesc_1998’
Speto

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