Connect with us

Festas e Rodeios

‘Menina Veneno’, 40 anos: a história do roqueiro inglês que fez sucesso no Brasil cantando em português

Published

on

Autores da música, Ritchie e Bernardo Vilhena relembram os bastidores do disco, que vendeu 1,2 milhão de cópias. ‘Em 20 minutos, a música já estava pronta. Nunca mais fizemos outra tão rápido!’, lembra Ritchie
Divulgação
Numa manhã qualquer de agosto de 1982, o cantor e compositor Ritchie acordou com uma melodia na cabeça. Ainda sonolento, no Rio de Janeiro, tocou os acordes sonhados no teclado Casiotone que a mulher, a arquiteta e estilista Leda Zuccarelli, tinha comprado em Nova Iorque.
Naquele mesmo dia, Ritchie recebeu a visita de Bernardo Vilhena. Na descida de Nova Friburgo, região serrana do Rio, o poeta começou a rascunhar os primeiros versos de uma nova canção: “Menina Veneno”. Sua inspiração veio do livro “O Homem e Seus Símbolos”, de Carl Gustav Jung, que ganhara de aniversário de dois ex-companheiros do Vímana, banda de rock progressivo dos anos 1970: Ritchie e Lulu Santos.
Com a cabeça fervilhando de ideias, letrista e compositor logo se trancaram num dos quartos do duplex para burilar a canção. Ou, como diria Ritchie, “montar o quebra-cabeça”.
A toda hora, eram interrompidos por Mary, a filha mais velha do cantor, que tinha acabado de completar dois anos e estava aprendendo a andar. De fraldinha, ela subia as escadas e, triunfante, abria a porta do quarto. Na terceira ou quarta vez, Bernardo soltou uma risada e, bem-humorado, resolveu incluir a frase “Ouço passos na escada / Vejo a porta abrir…” na canção.
“Em 20 minutos, a música já estava pronta. Nunca mais fizemos outra tão rápido!”, relata Ritchie, hoje aos 71 anos. “A menina veneno da canção não é uma pessoa; é uma aparição. É uma figura onírica, muito sensual e quase mitológica”.
Entre o abajur cor de carne e o lençol azul
Uma das peças desse quebra-cabeça causa polêmica até hoje. É o tal do abajur cor de carne. Já houve quem dissesse que Ritchie cantava cor de carmim. “Você está cantando errado!”, chegou a ouvir de um fã mais exaltado. “Como assim?”, rebateu. “A música é minha!”. “Quando ouço a música de outro artista, não vou lá na casa dele perguntar: ‘Vem cá, o que você quis dizer com isso?'”, ironiza o cantor. “Não me peça para explicar minhas músicas. Cada um interpreta como quiser”.
Bernardo Vilhena e Ritchie ao lado da cantora e tecladista holandesa Alice Pink Pank
Acervo Pessoal
Bernardo Vilhena, o autor da letra, tenta elucidar o mistério: quando a atriz e cantora alemã Marlene Dietrich (1901-1992) se hospedou no Copacabana Palace, em agosto de 1959, elogiou os abajures cor de pergaminho (fleisch farbe, no original) do hotel. Quanto ao lençol azul, bem, azul era a única cor que rimava com “nu”.
Quem era vizinho de Ritchie no número 698 da Estrada da Gávea era Lobão. Certa noite, o cantor inglês foi à casa do ex-baterista do Vímana pedir uma xícara de açúcar. Quem atendeu a porta foi a cantora Fernanda Abreu.
Dentro do apartamento, um burburinho que lembrava o ensaio de uma banda de rock. Mal sabia Ritchie que, poucos meses depois, nasceria ali a Blitz, uma das bandas pioneiras do rock nacional, formada por Evandro Mesquita nos vocais, Ricardo Barreto na guitarra, Antônio Pedro no baixo, Billy Forghieri nos teclados, Fernanda Abreu e Márcia Bulcão nos backing vocals e Lobão na bateria. Por divergências artísticas, Lobão saiu da banda pouco depois do lançamento de As Aventuras da Blitz (1982) e foi substituído por Roberto Gurgel, o Juba, nas baquetas.
“Eu e Ritchie fizemos a maioria das músicas juntos. Na juventude, era minha forma preferida de trabalhar. Hoje é raro ser assim”, explica o letrista Bernardo Vilhena.
“A melhor lembrança que guardo daquela época foi fazer esses dois primeiros discos: Cena de Cinema, com o Lobão, e Voo de Coração, com o Ritchie. Os dois moravam em um prédio em São Conrado. Era uma verdadeira loucura. Só mudava de apartamento”.
Quando compôs o maior hit de sua carreira, Ritchie ainda não era um popstar. Dava aula de inglês em um cursinho de idiomas em Ipanema, o Berlitz. Entre seus alunos, uma cantora baiana chamada Gal Costa. Certo dia, Ritchie tomou coragem e entregou uma fita com algumas de suas canções para Gal escutar.
Na aula seguinte, ela devolveu o cassete. “Então, Gal, vai gravar uma das minhas músicas?”, perguntou o professor, com um sorriso amarelo. “Não”, respondeu a aluna. “Quem tem que gravá-las é você! Sua voz é linda”.
No dia da morte da cantora, em 9 de novembro de 2022, Ritchie prestou homenagem em seu perfil no Twitter: “Minha doce ex-aluna. Me incentivou a cantar e a gravar minhas músicas. Que tristeza! Era uma das vozes mais lindas que já tive o prazer de ouvir”.
‘A banda mais famosa que ninguém nunca ouviu’
Richard David Court, conhecido como Ritchie, nasceu em Beckenham, na Inglaterra, em 6 de março de 1952. Filho de militar, morou em países como Quênia, Iêmen do Sul e Alemanha e estudou, dos 7 aos 19 anos, em colégios internos.
Em 1972, largou os estudos na Universidade de Oxford, no Reino Unido, para tocar flauta na banda Everyone Involved. Estava no estúdio gravando o disco Either/Or quando o guitarrista Mike Klein o apresentou a três músicos brasileiros: a cantora Rita Lee, o baixista Liminha e a guitarrista Lucinha Turnbull.
Conversa vai, conversa vem, Liminha deixou escapar um “Pinta lá em casa” para Ritchie. No finalzinho de 1972, o inglês de cabelo comprido e visual andrógino “pintou” em São Paulo. “Você veio mesmo?”, tomaram um susto. “Ué, vocês não me convidaram?”, espantou-se o cantor que aprendeu as primeiras palavras em português assistindo aos episódios de Vila Sésamo.
Antes de seguir carreira solo, Ritchie tocou e cantou em várias bandas: Scaladácida, A Barca do Sol, Soma… Foi em um sarau do Nuvem Cigana que conheceu o poeta Bernardo Vilhena e o convidou para escrever algumas das letras do Vímana, grupo formado pelo guitarrista Lulu Santos, o tecladista Luiz Paulo Simas, o baixista Fernando Gama e o baterista Lobão.
“A banda mais famosa que ninguém nunca ouviu”, nas palavras de Ritchie, fez shows no Museu de Arte Moderna (MAM), acompanhou Marília Pêra no espetáculo A Feiticeira e lançou um compacto simples pela Som Livre, em 1977.
Dali a alguns anos, Bernardo Vilhena se tornaria um dos maiores letristas do rock nacional. Sua primeira música a estourar nas rádios foi Mais Uma de Amor (Geme Geme), da Blitz, em 1982. Com Lobão, compôs alguns de seus maiores sucessos, como Corações Psicodélicos, Vida Bandida e Chorando no Campo.
“Na adolescência, fui convidado a cantar em uma banda de rock. Fiz dois shows, mas não gostava dos ensaios. Gostava mesmo era de fazer música”, admite o letrista que já compôs com Cláudio Zoli, Max de Castro e Ivo Meirelles, entre outros.
“O prazer do letrista é entrar num bar e ouvir a menina do caixa cantarolar as palavras que escrevi sem saber quem sou eu. Ou, na estrada, ler o título de uma de minhas canções no para-choque de um caminhão”.
Ritchie e o tecladista Nico Rezende, companheiro de banda
Acervo pessoal
Fenômeno pop
Só com Ritchie, Bernardo Vilhena compôs mais de 30 canções. Dessas, oito estão em Voo de Coração, lançado em junho de 1983. As que fizeram mais sucesso, além da onipresente Menina Veneno, são A Vida Tem Dessas Coisas, Pelo Interfone e Casanova, que virou tema de Champanhe (1983), novela da TV Globo.
“A música não fez sucesso porque entrou na novela. Entrou na novela porque fez sucesso”, avisa o cantor.
“Voo de Coração está entre os 10 álbuns mais importantes do rock brasileiro”, aponta o jornalista e escritor Arthur Dapieve, de Brock: O Rock Brasileiro dos Anos 80.
“O que mais me chama a atenção é a facilidade do Ritchie em compor músicas pop: de curta duração, que grudam no ouvido, com letras inteligentes, que dialogam com todos os públicos”.
O disco contou com a participação de Lulu Santos na guitarra, Liminha no baixo, Lobão na bateria, Zé Luis no sax, Chico Batera na percussão e Lauro Salazar no piano e sintetizadores. Não bastasse, Steve Hackett, ex-Genesis, tocou guitarra na faixa-título. Já Ritchie se revezou entre o microfone, o teclado Casio MT 40 e a flauta.
“Era amigo de praia do Bernardo e de colégio do Lobão. Quem me chamou para tocar no disco foi o próprio Ritchie. Nos conhecemos nos ensaios do Vímana”, recorda o saxofonista Zé Luís, que tocou, entre outras bandas, com a Blitz e o Barão Vermelho.
“Gravei os solos de ‘Baby, Meu Bem (Te Amo)’ e ‘Pelo Interfone’ no banheiro da Warner”.
“Mesmo não sendo brasileiro, Ritchie foi um dos maiores – talvez o maior – fenômeno do pop brasileiro dos anos 1980”, garante o jornalista e escritor André Barcinski, que dedicou um dos capítulos de Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil ao cantor inglês.
“O mais incrível é que a música do Ritchie não tinha nada a ver com o tipo de pop que se fazia no Brasil na época: uma música mais solar, praiana, tipo Blitz e Lulu Santos. Voo de Coração é um disco de synthpop (ou technopop), eletrônico e urbano”.
‘Arranjo hipnótico’
Mas o caminho percorrido pelo LP até vender 1,2 milhão de cópias e conquistar quatro discos de platina e dois de ouro foi longo. Para começo de conversa, nenhuma gravadora se interessou pelo material. “Gringo cantando em português? Isso não vai dar certo!”, alegavam os executivos.
Um dia, Ritchie estava na Warner, fazendo cópias de Voo de Coração e Baby, Meu Bem (Te Amo) no escritório de Liminha, quando o produtor Fernando Adour, ao ouvir Voo de Coração, detectou algo diferente no ar. E pediu uma cópia da fita para entregar a um executivo da CBS.
Ritchie, desiludido, recusou. Adour, confiante, insistiu. No mesmo dia, o cantor recebeu uma ligação de Cláudio Condé, diretor de A&R da gravadora, agendando uma reunião na sede da CBS, hoje Sony Music, no Flamengo.
Condé também gostou do que ouviu. E contratou Ritchie. A gravadora propôs que o cantor regravasse Voo de Coração em uma mesa de 24 canais — a gravação original tinha sido feita numa de oito nos porões da Warner. Mas, para não sacrificar o solo de Hackett, Ritchie optou por incluir outra de sua autoria: Menina Veneno.
“Fiquei impactado ao ouvir Menina Veneno. Tudo me pareceu perfeito: o arranjo, a letra, a voz…”, recorda Condé, hoje sócio da LCTM Brand Builders.
“Me lembro de ter ligado para o Ritchie na sexta-feira para saber se ele tinha mais músicas e nos encontramos no sábado. O repertório que deu origem a Voo de Coração estava todo lá”.
Ritchie recebendo o disco de platina, entre Chacrinha e Claudio Condé
Acervo Pessoal
Uma das primeiras rádios a tocar Menina Veneno, distribuída em rudimentares fitas de rolo, foi a Verdes Mares, de Fortaleza. Em pouco tempo, os telefones da emissora cearense não pararam mais de tocar. Eram ouvintes e mais ouvintes pedindo para o locutor repetir a música do tal de Rin Tin. Ou seria Riqui? Houve até quem o chamasse de Hitler. De tudo, menos de Ritchie.
“É claro que eu não esperava esse sucesso todo. Para falar a verdade, eu não esperava nem gravar um disco. Fui rejeitado por todas as gravadoras. Já tinha até desistido da carreira!”, diz o cantor.
Na sede da CBS, os executivos correram para lançar, no dia 14 de fevereiro de 1983, o compacto simples: de um lado, Menina Veneno; do outro, Baby, Meu Bem (Te Amo). Em duas semanas, vendeu 500 mil cópias.
“Quando ouvi Menina Veneno pela primeira vez, tive a mesma sensação de quando ouvi, ainda garoto, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, do Roberto Carlos”, recorda o músico Nico Rezende. “Tinha um arranjo simplesmente hipnótico”.
O cantor de 1,2 milhão de cópias
O sucesso era tanto que, no dia 24 de junho, a gravadora decidiu soltar o LP Voo de Coração, com dez faixas. Ao todo, Ritchie vendeu, segundo estimativas, 1,7 milhão de cópias — 1,2 milhão do LP e 500 mil do compacto.
No ano seguinte, não deu outra: na categoria de melhor cantor, o inglês desbancou Roberto Carlos e Tim Maia e levou para casa o Troféu Imprensa, o então maior prêmio da TV brasileira, criado em 1958 pelo jornalista Plácido Manaia Nunes e apresentado desde 1970 por Silvio Santos.
“O sucesso do Ritchie é similar ao do RPM. São dois fenômenos de venda, que se baseavam no techno-pop, com muito teclado. A diferença é que o RPM era uma banda de rock e o Ritchie, um artista pop. Eram, inclusive, colegas de gravadora: a CBS”, explica Dapieve.
“Ritchie e RPM desagradaram o então campeão de vendas da CBS: Roberto Carlos. Ele morria de ciúmes. Até então, reinava soberano como o cara que vendia mais de um milhão de discos a cada Natal. Com Ritchie e RPM, teve que dividir esse bastão”.
Ritchie bem que tentou conciliar as carreiras de professor e de cantor. Chegava no Berlitz às sete da manhã e saía ao meio-dia, com jaqueta de couro, óculos escuros e gomalina no cabelo. Não deu muito certo. Se Menina Veneno tocava em todas as rádios, das mais populares às mais sofisticadas, o cantor participava de todos os programas. Semana sim, outra também, batia ponto no Cassino do Chacrinha, da TV Globo.
Logo, Ritchie montou uma banda para cair na estrada: o guitarrista Torcuato Mariano, o baixista Nilo Romero, o tecladista Nico Rezende, o baterista Fred Maciel, o saxofonista Chico Sá e as backing Mariza Fossa e Sônia Bonfá.
Na estrada, com Ritchie
A banda excursionou por todo o país. Um dia, estava em Belém; no seguinte, em Curitiba. Em sete meses, fez 139 shows, média de cinco por semana.
“Foi uma turnê quase beatlemaníaca”, diverte-se Nico Rezende. “Lembro dos shows lotados e das mulheres desmaiando na frente do palco”.
Ritchie chegou a se apresentar na final do Miss Universo, em Lima, no Peru. Só não foi à Argentina porque, filho de militar inglês, não queria se aventurar por território inimigo.
“Foi exaustivo? Muito! Perdi quilos e mais quilos. Mas estava feliz fazendo o que amava fazer”, avalia Ritchie, 40 anos depois.
“Quando meu pai morreu, eu estava em Punta del Este, no Uruguai. Só soube da morte dele, alguns dias depois, quando voltei ao Rio. Naquele tempo, não havia celular, nem WhatsApp”.
No Paraguai, o tecladista da banda Nico Rezende mostrou uma música de sua autoria com o empresário do cantor, Paulinho Lima: Transas. “Daqui não sai”, brincou o artista. “Quem vai gravar sou eu!”. Foi incluída na trilha-sonora de Roda de Fogo (1986), da TV Globo.
Ao longo da carreira, Ritchie teve 14 músicas tocadas em novelas. Só em 1983, ano de lançamento de Voo de Coração, foram três: Menina Veneno em Pão Pão, Beijo Beijo; Tudo O Que Eu Quero (Tranquilo) em Eu Prometo; e Casanova, em Champanhe, todas da Globo.
Houve um momento em que nem Bernardo Vilhena aguentava mais ouvir a voz do parceiro. Foi quando alugou um barco em Manaus e seguiu até Santarém. Durante o trajeto de 740 quilômetros pelo Amazonas, visitou uma comunidade ribeirinha. Adivinhe a música que as lavadeiras estavam ouvindo à beira do rio? Pois é, Menina Veneno.
No rastro do sucesso, Ritchie foi convidado a gravar Shy Moon com Caetano Veloso, fazer vocal de apoio na faixa Tempo Rei de Gilberto Gil, e contracenar com Mick Jagger numa ponta do filme Running Out of Luck.
Em um intervalo das gravações do álbum Velô (1984), Caetano Veloso confessou ao colega que, por causa de versos enigmáticos como “Fico falando pras paredes até anoitecer” e “E toda noite no meu quarto vem me entorpecer”, achava que Menina Veneno era uma metáfora para heroína.
A fórmula do sucesso
Terminada a turnê, Ritchie voltou a entrar em estúdio. Com produção de Liminha, “E a Vida Continua” (1984) apresentava dez canções, sete em parceria com Bernardo Vilhena. Aos poucos, Ritchie começou a compor com outros artistas, como Liminha (Bons Amigos) e Lobão (Bad Boy).
“No estúdio, deixei claro que o segundo disco não seria igual ao primeiro”, afirma o cantor. “Artisticamente, quero continuar evoluindo sempre. E não ficar me repetindo”.
A gravadora, relata o artista, foi a primeira a perguntar: “Você não tem outra Menina Veneno para gravar?”. “Já compus Menina Veneno”, respondeu o artista. “Não quero compor outra igual!”.
“O segundo LP merecia ter sido melhor divulgado”, lamenta o cantor. “Fui praticamente ignorado pela CBS”.
Mesmo assim, “E A Vida Continua” vendeu 100 mil cópias.
“É uma marca extraordinária!”, esclarece Dapieve. “Mas, em comparação com o álbum anterior, parecia um fracasso”.
Indagado sobre por que “E a Vida Continua” vendeu menos que “Voo de Coração”, Condé cita o exemplo de Michael Jackson:
“Bad (1987) vendeu menos que Thriller (1982)”.
“O sucesso do Ritchie provocou uma tempestade de ressentimento e boicote”, observa Barcinski. “Como alguém pode explicar o fato de o artista mais famoso e adorado do pop brasileiro não ter sido convidado para o Rock in Rio?”.
Um ano depois, Ritchie lançou seu terceiro álbum: Circular. Das dez músicas, nove levaram a assinatura Ritchie & Bernardo Vilhena. A exceção foi Favela Music, de Jim Capaldi. Vendeu menos ainda: 60 mil. Apesar de o contrato prever quatro discos, Ritchie foi dispensado sem gravar um quarto álbum ou pagar multa rescisória.
Da CBS, Ritchie migrou para a Polygram, onde lançou mais três discos: Loucura e Mágica (1987), Pra Ficar Contigo (1988) e Sexto Sentido (1990). Juntos, os três venderam 44 mil cópias. Afastado dos estúdios por 12 anos, voltou a lançar um álbum de inéditas em 2002: Auto-Fidelidade, pela Deckdisc. No álbum, parcerias com Erasmo Carlos (Onde Que Eu Errei?) e Ronaldo Bastos (Um Lugar ao Sol).
‘Garoto’ de 71 anos
Em 2009, Ritchie lançou Outra Vez – Ao Vivo no Estúdio, onde revisita seus maiores sucessos. “As músicas são as mesmas, mas a embalagem é outra: menos new wave, mais rock’n’roll”, explica.
Quando esgotou a tiragem inicial do DVD, disponibilizou a gravação no YouTube. Só A Vida Tem Dessas Coisas tem hoje 33 milhões de views.
“São, ao todo, quase 70 milhões de visualizações. Nada mal para um senhor de 71 anos que está há 20 sem gravadora. Estou satisfeito com os rumos da minha carreira. Novos fãs não param de chegar”.
Na década de 2010, Ritchie lançou três álbuns de covers: 60 (2012), seu primeiro trabalho 100% em inglês, e Old Friends (2016) e Wild World (2019), que revisitam os repertórios de Paul Simon e Cat Stevens. Até pensou em lançar um terceiro volume, dedicado a James Taylor, mas a pandemia não o deixou.
Por ora, só pensa em comemorar os 40 anos de Voo de Coração. Até o momento, tem cinco shows agendados: Cine Jóia, em São Paulo (25/5); Vivo Rio, no Rio de Janeiro (11/8); Espaço Unimed, em São Paulo (13/8); e Palácio das Artes, em Belo Horizonte (16/9). No dia 19 de agosto, abre o show de Steve Hackett na Praia de São Francisco, em Niterói (RJ).
“Quando subo ao palco, me sinto um garoto”, brinca Ritchie. “O rock rejuvenesce!”.

Continue Reading
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Festas e Rodeios

Músicas premonitórias? Três casos incríveis de compositoras que ‘previram o futuro’

Published

on

By

Veja casos de cantoras que dizem ter escrito versos que anteciparam acontecimentos e sentimentos. Não há evidências científicas sobre previsões durante processos criativos. Paula Marchesini: em 2004, nos tempos da banda Brava; e em 2020, na carreira solo
Divulgação/Adriana Lins e Acervo Pessoal
É comum ouvir artistas dizendo que sentiram algo diferente quando estavam compondo uma música. Mas há casos ainda mais específicos: os de compositoras que afirmam ter escrito versos que, segundo elas, anteciparam sentimentos e acontecimentos do futuro.
Neste texto, o g1 compila e contextualiza esses relatos de três cantoras. Mais abaixo, veja ainda que dizem especialistas sobre esse tema. Não há evidências científicas sobre a possibilidade de prever o futuro por meio da composição de músicas.
Cantora e… doutora em filosofia
Paula Marchesini era vocalista e compositora do Brava, sexteto carioca de pop rock que durou entre 2000 e 2006, quando ela decidiu ir para a área acadêmica. Ela cantou versos sobre sofrimento e inadequação em músicas como “Todo mundo quer cuidar de mim”, trilha da novela “Malhação”.
Paula fez doutorado em Filosofia na Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estadus Unidos. Também estudou e deu aulas em Harvard. “Eu comecei a ficar fascinada com o processo criativo de escrever”, ela explicou ao g1. “É muito misterioso, é uma coisa que bate uma inspiração que não se sabe de onde vem e as palavras vão se escrevendo sozinhas. Parece que você está recebendo uma mensagem pronta de algum lugar divino. Uma coisa muito mágica.”
Ela diz que qualquer pessoa que já tentou se arriscar em um processo criativo pode entender do que ela está falando. “Tem vezes que escrevo músicas que não lembro de ter escrito. Depois ouvindo eu falo: como foi que eu escrevi isso? E isso tudo começou a me intrigar e eu comecei a me interessar por estudar esse processo filosoficamente.”
Paula na gravação do primeiro álbum do Brava, lançado em 2004
Divulgação
Paula foi em busca de outras “perspectivas sobre esse assunto filosófico”. “A minha pesquisa é bem centrada nesse processo criativo. Que que é? De onde vem? Quais as habilidades que envolve e os tipos de resultado que saem de processos criativos? Eu escrevi minha tese de doutorado em parte sobre a Clarice Lispector, porque ela escreve muito sobre isso.”
O livro “A Descoberta do Mundo” compila crônicas de Clarice Lispector (1920-1977) publicadas no final dos anos 60 e começo dos anos 70 no “Jornal do Brasil”. Em uma delas, a autora passa por esse tema: “Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom. E, como um dom, pode ser abafado pela falta de uso ou aperfeiçoar-se com o uso.”
Paula hoje se divide entre carreira solo e carreira acadêmica. Ela usa a própria experiência para entender seu trabalho como pesquisadora. “Eu penso: ‘Nossa, quando eu tinha 16 anos eu escrevi umas coisas que… como é que eu sabia dessas coisas?’ A minha sensação pessoal é de ter aprendido isso muito mais tarde. Então, rola uma certa sensação de profecia em certas letras. Na minha cabeça, eu passei por essas coisas muito mais tarde. E eu já escrevia sobre isso com 16 anos. É uma sensação estranha.”
KT Tunstall na fase do álbum ‘Kin’, de 2016
Divulgação/Sony Music
A sensação de Paula é parecida com a descrita por outra cantora, a escocesa KT Tunstall. Kate Victoria Tunstall tem 49 anos e hits pop rock como “Suddenly I See”. A música foi trilha da novela “Belíssima” e do filme “O diabo veste Prada”. Nos últimos anos, ela lançou uma trilogia de discos conceituais: o primeiro versava sobre alma; o segundo era sobre o corpo; e o terceiro tinha a mente como tema. KT não quer escrever canções só sobre amor e casais.
A morte, por exemplo, foi a inspiração para “Carried”. “Você não vai morrer onde quer ser enterrado. Alguém tem que te levar até lá e é a última jornada que você vai fazer. Quem vai te levar? Escrevi essa música sobre o peso que outra pessoa precisa carregar por você. Dois meses depois, eu estava literalmente carregando as cinzas do meu pai numa mochila, em um trem”, ela descreveu ao g1, rindo de nervosa. “Que p… é essa? Ele não estava doente nem nada.”
Ela conta que as músicas compostas por ela costumam mudar de sentido com o passar do tempo. “Às vezes, é uma experiência estranha demais… Você escreve sobre um sentimento e cinco anos depois você nota que, na verdade, o sentido era outro.”
Ela cita como exemplo “Lost”, de seu terceiro disco. “Eu pensava que o refrão era sobre amizades ruins, mas depois notei que eu estava escrevendo sobre o colapso do meu casamento.” Ela foi casada com Luke Bullen, ex-baterista de sua banda, entre 2008 e 2013. “Eu ainda estava com meu ex. A música era sobre esse relacionamento, mas não percebi. As músicas têm o hábito de fazer isso: você escreve sobre algo que acha que é uma pequena história e uns anos depois percebe que estava escrevendo sobre algo muito maior”.
Para KT, foi “como se a alma tivesse se impondo ao cérebro”. “O subconsciente tem esse poder, né? É como se tivesse me mostrado o futuro.”
Quando eu hitei: Vanessa Carlton vai muito além de ‘A Thousand Miles’
Vanessa Carlton também diz que, de certa forma, “viu o futuro” com a ajuda de suas músicas. A cantora americana de 44 anos é a dona de “A Thousand Miles”, sucesso de 2002. Desde 2011, quando saiu o álbum “Rabbits on the Run”, ela passou a ser menos uma estrelinha pop e mais uma cantora e compositora de indie folk viajado. O som romântico ao piano deu lugar a músicas psicodélicas.
“Love is an art” saiu logo antes da quarentena por conta da covid-19. Mas ele apresenta temáticas que têm tudo a ver com a pandemia: fala sobre se conectar com os outros e consigo mesmo. Para ela, foi como uma “premonição”.
“É estranho. Não sei se é algum outro tipo de consciência que temos quando estamos no modo de nos expressarmos. Às vezes, é como se estivéssemos usando uma parte diferente do cérebro onde você não está sendo lógico, você está apenas captando energias e outras coisas.”
Não foi a primeira vez que isso aconteceu com ela. Em “I Don’t Want To Be A Bride”, de 2011, havia cantado: “Não preciso de nenhum anel dourado / Não seria suficiente para o amor que isso traz / De Londres ao Tennessee”. “Eu acabei morando e não tinha planos de morar no Tennessee. Conheci meu marido alguns anos depois, ele estava morando em Nashville, então acabei me mudando para o Tennessee.”
“Existem várias coisas assim. E eu acho que todos nós podemos estar em sintonia com o que realmente sentimos, se desacelerarmos e conectarmos a nós mesmos, mas isso é muito difícil de fazer, porque nossos cérebros estão indo tão rápido, sabe?”
Vanessa Carlton em 2020, em foto do álbum ‘Love is an art’
Divulgação/Alysse Gafkjen
O que dizem os especialistas?
Segundo o neurocirurgião Murilo Marinho, a amígdala cerebral é fundamental durante o processo criativo. “Esse sistema límbico é responsável pelas emoções e muito relacionado às composições musicais”, ele explica. Essa região do cérebro se relaciona à criação de “histórias relacionadas a experiências vividas, de alegria, tristeza ou até mesmo sonhos que nunca foram vividos”.
Marinho acrescenta que escrever uma letra, no entanto, é fruto da cooperação entre várias áreas do cérebro. “A região pré-frontal é de extrema importância para realização de funções executivas relacionadas às ideias e aos pensamentos originais.”
Uma pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) e noticiada pela BBC identificou que o pensamento criativo ocorre no interior de três redes neurais:
a rede de modo padrão, usada quando o cérebro está gerando ideias e simplesmente imaginando;
a rede de controle executivo, ativada para a tomada de decisões e avaliações de ideias;
e a rede de saliência, usada para discernir quais ideias são relevantes e para facilitar a transição das ideias entre os modos padrão e executivo.
De acordo com o estudo liderado por Roger Beaty, especialista em neurociência cognitiva pela Universidade Harvard, “o cérebro criativo está conectado de uma maneira diferente, e as pessoas criativas são mais capazes de ativar sistemas cerebrais que tipicamente não funcionam juntos”.
Essas conclusões foram obtidas por meio de ressonâncias magnéticas em um grupo de 163 pessoas. Elas foram avaliadas durante atividades criativas e artísticas. “Em geral, pessoas com conexões mais fortes tiveram ideias melhores”, ele explicou.

Continue Reading

Festas e Rodeios

‘Coringa: Delírio a dois’ desperdiça Lady Gaga em musical chato mais ousado que o 1º filme; g1 já viu

Published

on

By

Continuação do sucesso inexplicável de 2019 poderia ser muito bom, mas se contenta em ser apenas ‘menos ruim’. Filme estreia nesta quinta-feira (3) nos cinemas brasileiros. Apesar de suas muitas, muitas falhas, “Coringa: Delírio a dois” ao menos é mais ousado que seu já ruim antecessor, o sucesso inexplicável de 2019.
A continuação que estreia nesta quinta-feira (3) nos cinemas brasileiros é uma mistura esquizofrênica de gêneros que nunca se conectam totalmente:
um musical bem executado, mas arrastado, que não sabe e aproveitar do talento e do carisma de Lady Gaga, suposta coprotagonista da história;
um filme de prisão/manicômio com bons momentos e ainda mais clichês;
e um filme de tribunal, previsível e sem qualquer sentido.
Uma aposta mais sincera e focada no primeiro deles poderia elevar “Delírio a dois” a algo muito melhor do que o sofrido “Coringa”. Há vislumbres claros de uma vontade contida – e nunca realizada – de transcender.
Assista ao trailer de “Coringa: Delírio a Dois”
A continuação, no entanto, não tem coragem de abraçar de vez o inesperado e toda vez que se aproxima demais do limite volta meio de supetão para a segurança do previsível.
Uma pena. Ao final de quase duas horas e vinte minutos de duração, a obra dirigida por Todd Phillips (que novamente divide o roteiro com Scott Silver) se contenta em ser apenas não tão ruim quanto a primeira – mas ainda ruim.
Ah, tadinho
“Delírio a dois” é uma continuação direta – e totalmente desnecessária – do filme anterior. Na trama, o comediante fracassado que ficou conhecido como o palhaço assassino Coringa (Joaquin Phoenix) aguarda por seu dia no tribunal.
Preso em um manicômio para criminosos, ele conhece uma fã apaixonada (mais próxima à origem da palavra, “fanática”), que introduz um pouco de alegria, esperança e música em sua vida tão sofrida.
Tais momentos são, de fato, o melhor que o filme tem a oferecer. Infelizmente, o roteiro reserva 99% (aproximadamente) da cantoria a cenas de sonhos ou fantasia. Por mais bem realizadas sejam, elas nunca avançam a história em si, relegadas a intervalos de luxo até a hora de voltar à trama em si.
Sem clássicos para “homenagear”, como seu antecessor cometeu com “Taxi Driver” (1976) e “O rei da comédia” (1982), a sequência é genuinamente mais ousada e perigosamente criativa. Só lhe falta coragem.
Joaquin Phoenix em cena de ‘Coringa: Delírio a dois’
Scott Garfield/Warner Bros. Pictures
Já o enredo principal reflete o tom do primeiro e sofre do grave distúrbio de se levar a sério demais, com algo de incolor e insosso do começo ao fim. Ok, o protagonista é um comediante fracassado e perturbado, mas o roteiro não precisa seguir o exemplo de forma tão radical.
Não chega a ser tão sofrido, dolorido, desgraçado, angustiado e atormentado, com uma trilha sonora de um único violino amargo para pontuar tamanho sofrimento, mas, sem a música, “Delírio a dois” é no máximo anêmico.
Uma evolução, é verdade, mas ainda muito aquém do que o Príncipe Palhaço do Crime (como o vilão do Batman é carinhosamente chamado) dos quadrinhos merece.
Delírio a 1,5
Um dos maiores atores de sua geração, Phoenix entrega outra atuação muito acima da qualidade do roteiro ao qual fica preso. A primeira lhe rendeu o (exagerado) Oscar em 2020 – a segunda, em um filme com recursos já manjados, talvez não tenha a mesma sorte.
A seu lado, é Gaga quem oferece o verdadeiro sopro de ar fresco. Mesmo ao assumir o papel tão marcante da Arlequina (já celebrado nas mãos de Margot Robbie), a cantora apresenta uma versão própria e ao mesmo familiar.
Joaquin Phoenix e Lady Gaga em cena de ‘Coringa: Delírio a dois’
Niko Tavernise/Warner Bros. Pictures
Até por isso, é desesperador perceber que a personagem nunca deixa de ser apenas uma força motivadora para o protagonista. Relegada ao ponto de vista do palhaço, ela não consegue superar a unidimensionalidade de uma fã apaixonada por um ideal furado.
O título promete a dois, mas o delírio do novo “Coringa” sofre para chegar a um e meio no máximo.
O mais triste é que, o tempo todo, o filme flerta com o sucesso. Quando o musical periga ficar maluco demais, descontrolado demais, colorido demais, uma mão invisível (chamada Todd Phillips) puxa as rédeas e devolve o espectador aos corredores frios do manicômio ou à trama chata e sem sentido do julgamento.
É tanto coito interrompido que, depois de um tempo, novas cantorias causam uma reação que mistura trauma com tédio. Assim como o próprio protagonista, o público só quer o doce alívio do fim – que até vem, mas só depois de mais umas 3 ou 4 canções.
Cartela resenha crítica g1
g1

Continue Reading

Festas e Rodeios

Caso Sean Diddy tem tudo para provocar ‘MeToo da música’, diz pianista Nomi Abadi

Published

on

By

Em entrevista ao g1, artista comenta acusações contra rapper e fala da Female Composer Safety League, uma rede de suporte voltada a compositoras vítimas de abuso sexual e assédio. sean-diddy-agressão
Imagem de vídeo divulgado pela CNN, que mostra o rapper Sean ‘Diddy’ Combs agredindo a ex-namorada Cassie Ventura. Ao lado, foto do rapper em pedido de desculpas — Foto: Reprodução/CNN e Redes Sociais
“Todos nós já sabíamos. Por muito tempo, ouvimos histórias sobre essas festas”, afirma a pianista Nomi Abadi, em entrevista ao g1 por videochamada. Ela se refere aos luxuosos eventos promovidos pelo rapper Sean “Diddy” Combs — também conhecido como Puff Daddy e P. Diddy —, preso em 16 de setembro sob a suspeita de tráfico sexual e agressão. “Eu conheci uma vítima de P. Diddy. Minha amiga esteve em uma dessas festas… Ninguém a escutou. Ninguém se importou com ela.”
Chamados de “white parties” e “freak-off”, os eventos organizados pelo músico aconteciam desde os anos 2000. Eram privados — sua lista de convidados reunia atores, músicos, empresários e políticos. Jay-Z, Will Smith, Diana Ross, Leonardo DiCaprio, Owen Wilson, Vera Wang, Bruce Willis e Justin Bieber são algumas das celebridades que compareceram aos encontros. Agora, essas festas são o gancho para boa parte das denúncias que Diddy enfrenta.
Caso Diddy: entenda o que é fato sobre o caso
O músico é acusado de abusar sexualmente de mulheres e de drogá-las durante os eventos. Há relatos de que ele, inclusive, teria coagido algumas a usar fluidos intravenosos para recuperação física após submetê-las a longas e violentas performances eróticas. Ele, que ainda não foi julgado, nega todas as acusações que motivaram sua prisão.
“Finalmente, algo está sendo feito”, diz Nomi, pianista indicada ao Grammy (2019) por “Sekou Andrews & The String Theory” e fundadora da Female Composer Safety League (ou Liga de Segurança das Compositoras, em português), uma rede de suporte a compositoras vítimas de abuso sexual e assédio.
“O que rolava nessas festas são coisas muitos ruins. E mesmo envolvendo tantas pessoas, continuava acontecendo.”
A pianista Nomi Abadi
Divulgação
É mais ou menos o que também afirmou a cantora Cassie, ex-namorada de Diddy, em 2023, quando ela abriu um processo contra ele, alegando ter sido estuprada e violentada por mais de uma década. Na ação, que já foi encerrada (sem os detalhes divulgados), a artista afirmou que os supostos crimes do rapper eram testemunhados por muita gente “tremendamente leal” que nunca fazia nada para impedi-lo.
“Teve que chegar num nível ‘Harvey Weinstein’ para que as pessoas pensassem: ‘Ah, talvez isso não seja tão legal'”, diz Nomi, em referência ao magnata de Hollywood condenado a 25 anos de prisão por uma série de crimes sexuais. O caso foi impulsionado pela hashtag #MeToo, que surgiu em 2017 com uma onda de relatos online sobre estupro e assédio. Movimento que chacoalhou a indústria cinematográfica, ao pôr na mira da Justiça nomes como Kevin Spacey, Bill Cosby e Jeffrey Tambor.
Harvey Weinstein no tribunal no dia 4 de outubro
Etienne Laurent/via Reuters/Arquivo
Agora, as acusações contra Sean Diddy têm tudo para desencadear um novo MeToo. Mas, dessa vez, na indústria musical. É o que afirma Nomi, que também é uma das articuladoras do “Sound Off: Make the Music Industry Safe”, campanha que documenta abusos sexuais no setor da música e exige uma série de mudanças na condução dos casos.
“Se isso não acontecer um ‘MeToo da música’ a partir do caso Diddy, eu não sei o que mais pode fazer isso”, afirma a americana. “Espero que o caso traga atenção para os outros. E que isso tudo nem comece, nem termine em Diddy, porque há má muito a ser ganho no campo das conversas. Espero que, finalmente, haja o MeToo que a indústria musical tanto merece, ou melhor, o MeToo que as sobreviventes dessa indústria merecem.”
Sean ‘Diddy’ Combs.
Mark Von Holden/Invision/AP
Várias histórias, diferentes circunstâncias
Sean Diddy não é o primeiro músico a ser acusado de crimes sexuais. A lista é extensa. Dá para citar exemplos como Axl Rose, Chris Brown, Nick Carter e Ross William Wild. Nenhum desses casos, porém, teve a mesma repercussão que a do rapper. O que chegou mais próximo disso foi R. Kelly, cantor condenado a 31 anos de prisão por chefiar durante décadas uma rede de exploração sexual de mulheres e adolescentes.
Para além da repercussão explosiva, o possível envolvimento de Sean Diddy com outros poderosos da indústria durante a execução dos supostos crimes aumenta a chance de novas investigações e condenações no setor, o que é visto por Nomi como um forte potencial para o ressurgimento do MeToo.
Dono do selo Bad Boy Records, o rapper é um influente executivo do mercado fonográfico americano. Apadrinhou artistas como Usher, Mary J. Blige e Notorious BIG, e já foi descrito pela revista “Time” como o “homem mais onipresente do hip-hop”.
“Uma coisa que me surpreendeu quando comecei a frequentar esse meio [de dar suporte a vítimas da indústria] é que cada sobrevivente tem sua própria versão da mesma história. As circunstâncias são diferentes. O que aconteceu com cada pessoa é único. Mas todas elas querem ser validadas, compreendidas e terem seus empregos mantidos”, afirma Nomi. “São os mesmos medos e os mesmos desejos.”
Anos atrás, a cantora moveu processos contra Danny Elfman, compositor de trilhas de blockbusters como “Batman” e “Beetlejuice”. Nas ações, ela alegou ter sido vítima de crimes sexuais. Ele nega. Os dois entraram em um acordo com termos não divulgados.

Continue Reading

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.