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Festas e Rodeios

Martinho da Vila se confirma herói da liberdade e da resistência na narrativa do álbum ‘Negra ópera’

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Em grande disco de aura tão trágica quanto bela, artista apresenta três inéditas músicas autorais e põe a morte em cena ao regravar sambas de Zé Kétti, Wilson Baptista e Adoniran Barbosa. Capa do álbum ‘Negra ópera’, de Martinho da Vila
Leo Aversa / Divulgação
Resenha de álbum
Título: Negra ópera
Artista: Martinho da Vila
Edição: Sony Music
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Negra ópera – álbum que Martinho da Vila lança hoje, 12 de maio, véspera do dia comemorativo da Abolição da Escravatura – confirma o artista fluminense de 85 anos como um ativista que nunca fugiu à luta contra as tiranias. Um herói da liberdade e da resistência que, sintomaticamente, insere Heróis da liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira) – antológico samba-enredo com o qual a agremiação Império Serrano desfilou no Carnaval de 1969 – na narrativa deste disco inspirado por Martinho no livro Ópera negra (2001), em que o cantor, compositor e também escritor conta a história de ex-bandido já regenerado, mas ainda preso nos grilhões da sociedade racista.
O samba imperial ganha a cadência singular do canto de Martinho. É sintomático o fato de Martinho ter gravado pela primeira vez esse samba-enredo no ano em que a obra foi para a avenida, 1969, ano também da projeção nacional do artista por conta da edição de um primeiro álbum repleto de sucessos. É como se o álbum Negra ópera amarrasse a história da vida e obra do próprio Martinho da Vila, voz do morro e do samba que, com toda propriedade, grava dois sambas do engajado Zé Kétti (1921 – 1999).
Acender as velas (1964) é iluminado sobretudo no fim da gravação, quando o canto de Chico César, convidado de Martinho na faixa, cospe raiva e indignação pela injustiça social cotidiana nas comunidades vítimas da truculência policial. A mesma indignação é percebida nos golpes ríspidos do violão de Claudio Jorge nesse fim apoteótico em que Martinho e Chico fazem jam, espécie de samba session, honrando a pioneira militância de Zé Kétti.
Sem sair deste universo trágico e popular, a narrativa da Negra ópera abarca Malvadeza Durão (1959) – samba do mesmo visionário Zé Kétti sobre a morte de líder do morro “valente, mas muito considerado” – em gravação feita por Martinho com a voz de Mart’nália e o piano de Maíra Freitas.
Introduzido pelo majestoso tema orquestral Abertura Negra ópera, faixa de arquitetura instrumental em que, ao fim dos quatro minutos da gravação, Martinho cita o nome de outro herói da resistência negra, Zumbi dos Palmares (1655 – 1695), o álbum Negra ópera põe a morte em cena e se impõe como um dos grandes discos de Martinho da Vila, seguramente o melhor da última década.
Martinho da Vila inclui o antológico samba-enredo ‘Heróis da liberdade’, de 1969, na narrativa trágica do álbum ‘Negra ópera’
Leo Aversa / Divulgação
Sem perder o tom combativo, o disco transita pelos salas de concerto, pelas rodas de capoeira da Bahia – inspiração de Dois de ouro (Martinho da Vila, 2023), uma das três músicas inéditas do repertório – e pela zona rural fluminense, terra natal de Linda Madalena (1983), regravação da até então esquecida composição lançada por Martinho da Vila no álbum Novas palavras (1983).
Novidade do repertório autoral do artista, Exu das Sete (Martinho da Vila, 2023) desce bem no disco como estilizado ponto de umbanda em que o sambista saúda o orixá na companhia do filho Preto Ferreira em faixa que corrobora a forte base percussiva do álbum.
A aquarela brasileira de Negra ópera também revolve rincão indígena através da lembrança de Timbó (Ramon Russo, 1957), tema sobre feiticeiro africano que se enraizou na Ilha de Marajó. A saga marajoara de Timbó surgiu na voz de Jamelão (1913 – 2008) e, mais tarde, ganhou registros em discos de Elza Soares (1930 – 2022) e do grupo Farofa Carioca. A presença do jovem cantor carioca de R&B Will Kevin na gravação de Martinho, atuando como rapper, reveste Timbó de contemporaneidade.
Menos sedutora das três inéditas composições autorais, Diacuí é tema antigo que, composto há cerca de 60 anos, somente agora reverbera em disco, dialogando com a tribo de Timbó pelo canto quase falado de Martinho, uma das marcas do álbum Negra ópera, cuja capa expõe arte de Emerson Rocha. Baseada em história real, a letra de Diacuí fala sobre indígena morta no parto.
No fim da narrativa, o tom fúnebre se agiganta com a imponente abordagem minimalista de Mãe solteira (Wilson Baptista e Jorge de Castro, 1954), samba sobre a tragédia de porta-bandeira suicida. Em território rural, adubado com a voz fértil de Renato Teixeira, A Serra do Rola Moça (Martinho da Vila sobre poema de Mário Andrade, 1983) – tema apresentado há 40 anos por Martinho em gravação com Teca Calazans para disco sobre a obra poética de Mário de Andrade (1893 – 1945) – volta a encarar a morte, senhora de cena na narrativa da Negra ópera, encerrada com a sentida lembrança do samba-canção Iracema (Adoniran Barbosa, 1956), embalado pelo toque preciso do piano de Maíra Freitas.
Óperas se alimentam de tragédias. A ópera do heroico Martinho da Vila se engrandece ao mostrar o quanto de trágico – mas também e sobretudo de belo e de resistente – há na luta cotidiana do povo negro que, de lamento em lamento, de agonia em agonia, alimenta a chama da liberdade que jamais será apagada pelo ódio e pelo preconceito racial.

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Fritz Escovão, exímio ritmista fundador do Trio Mocotó, ‘Jimi Hendrix da cuíca’, morre em São Paulo aos 81 anos

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♫ OBITUÁRIO
♪ “O Jimi Hendrix da cuíca!”. O comentário do músico André Gurgel na publicação da rede social em que o Trio Mocotó informou a morte de Fritz Escovão traduz muito do pensamento geral de quem viu em ação este percussionista, pianista, violonista e cantor carioca que marcou época no Trio Mocotó, grupo de samba-rock do qual foi fundador.
Gigante da cuíca, instrumento que percutia com exuberância e incrível destreza, Luiz Carlos de Souza Muniz (13 de dezembro de 1942 – 1º de outubro de 2024) morre aos 81 anos, em São Paulo (SP), de causa não revelada, e sai de cena para ficar na galeria dos imortais do ritmo brasileiro, perpetuado com o nome artístico de Fritz Escovão. O enterro do corpo do artista está previsto para as 8h30m de amanhã, 2 de outubro, no cemitério de Vila Formosa, bairro paulistano.
Fritz Escovão era carioca, mas se radicou em São Paulo (SP), cidade em que fez história a partir de 1968, ano em que o Trio Mocotó foi formado na lendária boate Jogral por Fritz com o carioca Nereu de São José (o Nereu Gargalo) e com o ritmista paulistano João Carlos Fagundes Gomes (o João Parahyba).
Matriz do samba-rock, o grupo foi fundamental para a ressurreição artística de Jorge Ben Jor a partir de 1969. Foi com o toque do Trio Mocotó que Jorge Ben apresentou a visionária música Charles, anjo 45 em 1969 na quarta edição do Festival Internacional da Canção (FIC).
A partir de 1970, ano em que gravou single com o samba-rock Coqueiro verde (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), o Trio Mocotó alçou voo próprio sem se afastar de Jorge Ben, continuando a fazer shows com o cantor, com quem gravou álbuns como Força bruta (1970) e o politizado Negro é lindo (1971).
A discografia solo do Trio Mocotó com Fritz Escovão destaca os referenciais álbuns Muita zorra (“…São coisas que glorificam a sensibilidade atual”) (1971), Trio Mocotó (1973) e Trio Mocotó (1977), discos de samba-rock que ganharam status de cult a partir da década de 1990 no Brasil e no exterior, sobretudo o álbum de 1973 em que o trio adicionou à cadência toques de jazz, soul e rock à cadência do samba.
Sempre com a maestria de Fritz Escovão. Em 1974, o Trio Mocotó gravou disco com Dizzy Gillespie (1917 – 1993), em estúdio de São Paulo (SP), mas o trompetista norte-americano de jazz nunca lançou o álbum (foi somente em 2010, 17 anos após a morte do jazzista, que o veio à tona o álbum Dizzie Gillespie no Brasil com Trio Mocotó, editado no Brasil em 2011 via Biscoito Fino).
Em 1975, o grupo saiu de cena. Retornou somente em 2001, após 26 anos, com o álbum intitulado Samba-rock. Um ano depois, em 2002, Fritz Escovão deixou amigavelmente o Trio Mocotó para tratar de problemas de saúde.
Foi substituído em 2003 por Skowa (13 de dezembro de 1955 – 13 de junho de 2024), músico morto há menos de quatro meses. Hoje quem parte é o próprio Fritz Escovão, para tristeza de quem testemunhou o virtuosismo do “Jimi Hendrix da cuíca”.

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Morre Fritz Escovão, do Trio Mocotó, grupo que fez brilhar o samba rock

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Ao lado de Jorge Ben Jor, grupo ficou famoso pelo suingue inebriante que dá vida ao samba rock. Fritz Escovão, fundador do Trio Mocotó
Reprodução
Morreu Fritz Escovão, fundador do Trio Mocotó. A morte do artista foi confirmada no Instagram do grupo, nesta terça-feira (1º). A causa não foi revelada.
“Cantor, violonista, pianista e percussionista, [ele] marcou a música brasileira pela sua voz inigualável à frente do Trio Mocotó até 2002, com seu clássico ‘Não Adianta’ e como um dos maiores, se não o maior, dos cuiqueiros que o Brasil já viu”, diz a publicação do grupo.
Conhecido como Fritz Escovão, Luiz Carlos Fritz fundou o Trio Mocotó em 1969: ele na cuíca, João Parahyba na bateria, e Nereu Gargalo no pandeiro.
Juntos, os três fizeram sucesso ao lado de Jorge Ben Jor, com um suingue inebriante que deu vida ao samba rock.
A partir de 1970, o Trio Mocotó alçou voo próprio sem se afastar de Jorge Ben, fazendo shows com o cantor em um primeiro momento da carreira e gravando discos como “Negro é lindo”.
Escovão deixou o grupo em 2003. Atualmente, quem assume a cuíca é Skowa.

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Sean Diddy Combs é alvo de 120 novas acusações de abuso sexual; ações serão movidas nas próximas semanas, diz advogado

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Alvo de processos envolvendo suspeitas de tráfico sexual e agressão, o músico foi preso após meses de investigações. Sean ‘Diddy’ Combs.
Mark Von Holden/Invision/AP
Sean “Diddy” Combs está sendo acusado de abusar sexualmente de 120 pessoas. Foi o que informou o advogado americano Tony Buzbee, em uma coletiva online feita nesta terça-feira (30). Segundo ele, nas próximas semanas serão abertos 120 processos contra o cantor, que está preso em Nova York desde 16 de setembro.
“Nós iremos expor os facilitadores que permitiram essa conduta a portas fechadas. Nós iremos investigar esse assunto não importa quem as evidências impliquem”, disse Buzbee, na coletiva. “O maior segredo da indústria do entretenimento, que, na verdade, não era segredo nenhum, enfim foi revelado ao mundo. O muro do silêncio agora foi quebrado.”
Alvo de processos envolvendo suspeitas de tráfico sexual e agressão, o músico foi preso após meses de investigações. Ele, que ainda não foi julgado, nega as acusações que motivaram sua prisão.
Caso seja julgado culpado das acusações, ele pode ser condenado a prisão perpétua.
Caso Diddy: entenda o que é fato sobre o caso
Quem é Sean Diddy Combs?
Seu nome é Sean John Combs e ele tem 54 anos. Nasceu em 4 de novembro de 1969 no bairro do Harlem, na cidade de Nova York, nos EUA. É conhecido por diversos apelidos: Puff Daddy, P. Diddy e Love, principalmente.
O rapper é um poderoso nome do mercado da música e produtor de astros como o falecido The Notorious B.I.G. Ele é considerado um dos nomes responsáveis pela transformação do hip-hop de um movimento de rua para um gênero musical hiperpopular e de importância e sucesso globais.
Diddy começou no setor musical como estagiário, em 1990, na Uptown Records, uma das gravadoras mais famosas dos EUA, e onde se destacou de forma meteórica e chegou a se tornar diretor. Em 1994, fundou sua própria gravadora, a Bad Boy Records.
Um de seus álbuns mais famosos, “No Way Out”, de 1997, rendeu a Diddy o Grammy de melhor álbum de rap. Principalmente depois do estouro com a música, Diddy fez ainda mais fortuna com empreendimentos do setor de bebidas alcoólicas e da indústria da moda, principalmente.
Ele também foi produtor de inúmeros artistas de sucesso e está por trás de grandes hits cantados por famosos. Muita gente, inclusive, o vê mais como um produtor e empresário do que como um músico.

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