Em entrevista ao g1, cantor explica como o novo disco encerra um ciclo de quatro álbuns. Além do festival The Town, ele prepara turnê grandiosa com show no Allianz Parque. Jão lança ‘Super’, quarto álbum que encerra ciclo dos 20 anos
Gabriel Vorbon/Divulgação
Existiu um tempo em que Jão percebeu que Américo Brasiliense, cidade do interior paulista, tinha ficado pequena para todos os seus sonhos. E ele precisou sair de lá e encarar a cidade grande, no caso São Paulo, para alcançá-los, ainda que tivesse de abandonar casa, família, amigos, amores…
A mudança, agora vista com o distanciamento dos anos, é o maior tema de “Super”, novo trabalho do cantor, lançado na noite de segunda-feira (14), e que encerra o ciclo de quatro álbuns, guiados, segundo ele, pelos elementos terra, ar, água e, agora, fogo.
“Eu sempre soube que queria criar uma série de álbuns e que eles tratassem da minha vida. Para mim, álbuns são documentos. Para cada artista significa uma coisa diferente e, para mim, eles são documentos da minha vida”, diz ao g1.
“Esperava muito para que este momento ‘fogo’ chegasse. Sabia que ia ser o último, com o final dos meus 20 anos. Estou com 28, comecei ‘Lobos’, o primeiro, com 22. Sabia que esses quatro álbuns contariam quem eu seria, em quem eu me transformaria.”
Capa de ‘Super’, novo álbum de Jão, lançado nesta segunda-feira (14)
Gabriel Vorbon/Divulgação
Além da turnê, que deve começar no ano que vem e inclui uma apresentação no Allianz Parque, Jão é atração no The Town, em setembro, onde garante mostrar “pinceladas do que vai ser a turnê”. Em entrevista ao g1, ele contou sobre o novo trabalho – e o fim de um ciclo.
g1 – Na última semana, você compartilhou nas redes sociais um texto em que falava que ‘Super’ é o fim de um ciclo. Como você pensou neste encerramento?
Jão – Desde quando comecei a fazer música profissionalmente, sempre soube que queria criar uma série de álbuns e que eles tratassem da minha vida. Para mim, álbuns são documentos. Para cada artista significa uma coisa e, para mim, eles são documentos da minha vida. Eu queria ser guiado por essa coisa maior, de eles serem inspirados nestes elementos.
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Eu esperava muito para quando o momento “fogo” chegasse. Eu sabia que ia ser o meu último, que seria o final dos meus 20 anos. Eu estou com 28, comecei “Lobos”, que é meu primeiro, com 22. Sabia que esses quatro álbuns iam contar quem eu seria, em quem eu me transformaria.
Jão no palco Sunset do Rock in Rio em 2022
Marcos Serra Lima/g1
Este álbum é a pessoa que me transformei, com essas todas as experiências, todas as coisas que aconteceram na minha vida nos últimos cinco anos. Esperava que fosse aquele em que eu me sentiria mais confortável comigo mesmo, sentiria mais certeza, e meus sonhos, as coisas grandiosas que eu quero fazer, estivessem cada vez mais concretos. Humildemente, eu acho que essa é a hora.
g1 – Em algumas das músicas, a exemplo de ‘Maria’ e ‘Rádio’, você faz referência ao passado, remete à vida no interior, quando criança e adolescente, e de ter abandonado aquela vida. A palavra ‘sonho’ aparece mais de uma vez e há ainda quase um pedido de desculpas por ter saído de lá para ir atrás dos seus desejos. O que você queria explorar neste trabalho?
Jão – Exatamente isso. Na minha cabeça, o álbum é bem separado entre Américo Brasiliense e São Paulo. As músicas, inclusive, vão ficando mais sombrias conforme vai passando. É bem essa dualidade mesmo, do interior e a cidade grande, de quem eu queria me transformar ao mesmo tempo, será que eu sou essa pessoa? Será que eu consigo fazer isso?
Jão durante show da turnê “Piratas”
Breno Galtier
Eu sempre fiquei muito nervoso para fazer este álbum, porque eu já sabia que ia fazê-lo cinco anos atrás. Mas eu não sabia o que aconteceria na minha vida, se teria coragem, se as coisas teriam dado certo como eu esperava que dessem.
Eu fico feliz que tenha percebido isso porque é um documento e é uma forma de pedir desculpas para mim mesmo, sabe? Por todas as vezes que eu mais me maltratei ou mais me duvidei, ou quando mais estive recluso porque eu tinha um sonho muito grande, ou porque eu queria fazer coisas que eu tinha medo de arriscar. Então, é meio que um abraço.
g1 – Em ‘Super’, você parece estar mais aberto a viver o amor, os relacionamentos do que dos outros discos. Em vez de ficar mais reativo, as músicas mostram você querendo viver mais os relacionamentos. Você realmente se sente mais aberto?
Jão – Eu me sinto. Cheguei num momento de reflexão… Primeiro eu achava que neste disco eu seria completamente uma outra pessoa, mudado, livre de todos os traumas e de todas as coisas. O que eu aprendi foi que ‘não exatamente’, mas que eu sei lidar com isso de uma maneira mais madura.
“Entendo que preciso viver e sentir tudo para ter histórias para contar, para ter experiências e que não posso me fechar e ser reativo a tudo. Então, mesmo que o próximo álbum seja eu escrevendo sobre ‘Meu Deus, deu tudo errado, me fodi outra vez’, acho que neste estou apto para que isso aconteça, independente do que seja o resultado.”
g1 – Além da palavra ‘sonho’, que aparece em mais de uma música, a frase ‘não me sinto mal, eu não sinto nada’ aparece em duas canções. Você é um artista que ficou conhecido também pela ‘sofrência’ pop, falou já sobre depressão e questões de saúde mental. O que essa frase representa hoje? É um sentimento que existe ainda?
Jão – É um sentimento que quer existir ainda às vezes. No fim do disco, uma das últimas frases que eu falo mais de uma vez é “eu não sinto nada” e depois de uns 20 segundos, eu falo, “eu sinto tudo, quero sentir tudo” até o final. É muito essa trajetória.
“Sempre lidei muito mal com a minha saúde mental e a gente nem chamava de saúde mental. Ninguém discutia isso quando era a pior coisa para mim na minha adolescência. Eu tinha pouquíssimas conversas ou referências sobre isso. Nem se falava em depressão. Depressão era uma coisa que adultos tinham quando, sei lá, estavam passando por um momento difícil, então, eu nem conseguia verbalizar o que eu tinha.”
Por muito tempo, por não ter essas referências, não tinha como falar, desabafar sobre isso, eu lidava só, simplesmente, ficando anestesiado. E foi a maneira como eu lidei com isso a minha vida toda. E é uma das coisas da minha vida que eu sempre quero voltar e falar “não, isto está acontecendo. Calma, precisa sentir”.
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Durante alguns shows, durante a minha carreira, as pessoas me falavam “ah, você romantiza a tristeza” e umas coisas meio absurdas. Eu não consigo imaginar como alguém pode romantizar a tristeza, é um sentimento. E eu queria me convencer disso, aprender que a tristeza é um sentimento que eu preciso sentir e preciso passar por ele, mas eu preciso também seguir em frente. Eu aprendi que preciso sentir as coisas. E não foi sempre assim que aconteceu, foi uma das coisas que a música me trouxe.
g1 – Em relação a sonoridade, o disco é bem pop, que vai da pistinha eletrônica até um pouco de indie rock. Qual era a intenção?
Jão – A gente sempre pensou e idealizou esse disco como parte sonora de um grande show. Óbvio que tem a parte que escrevo, estou ali para contar uma história e quando chega a parte de dar vida musicalmente é um pouco mais metódico. Mas todas essas partes, eu imaginava ali no show, como as pessoas iam responder, qual momento a luz ia se movimentar, em qual momento as pessoas iam cantar juntas. Foi um álbum pensado para show, foi basicamente o que guiou a gente.
“Para além disso, eu queria muito um sentimento nostálgico do disco, tanto por falar da minha infância, da adolescência, do meu caminho para São Paulo. Eu amo músicas que parece que você ouve pela primeira vez e ela já existe há muito tempo. Eu amo esse sentimento.”
Eu acho que a gente criou uns riffs de guitarra… Principalmente em “Alinhamento Milenar”, que é uma das minhas preferidas, que a primeira vez que a gente foi fazer, eu falei que parecia uma música que ouvia desde a minha infância. É uma música que me soa como canção. Eu queria muito fazer canções. A gente começou a brincar no estúdio se era uma canção ou uma música. É canção? Então entra no disco.
g1 – Vocês estão planejando uma turnê com show no Allianz Parque. Como está este projeto?
Jão – Estamos fazendo um show para o The Town, que vai ser o primeiro gostinho. Não é o show da turnê, mas ele é um show especial, novo, que vai dar algumas pinceladas do que vai ser a turnê. A gente quer fazer tudo muito grandioso. Acho que o tema desse álbum é a grandiosidade. A gente vai passar no Allianz e eu quero tudo isso, eu falo: “não, coloca mais coisa, mais fogo, mais cenografia”, porque eu gosto muito disso. Eu gosto muito de ver isso.
Amo shows que sinto que me desconecto completamente do que está acontecendo na minha vida e vou para outra realidade, e quero causar isso nas pessoas. E acho que o brasileiro precisa também disso, a gente precisa honrar. Somos artistas incríveis, podemos fazer coisas mirabolantes, podemos fazer tudo.