Disco do sexteto da saxofonista Gaia Wilmer se inspira nos sons rurais coletados em pesquisas folclóricas feitas em 1938 pelo poeta, pianista e compositor nacionalista pelo nordeste e norte. Mário de Andrade (1893 – 1945) ao piano, instrumento no qual se formou em 1917
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♪ ANÁLISE – O lançamento em 27 de setembro do álbum Epiderme desvairada – O Brasil rural de Mário de Andrade, gravado pelo sexteto da saxofonista catarinense Gaia Wilmer, lembra que o modernismo do escritor, poeta, compositor, pianista, musicólogo e folclorista paulistano Mário Raul de Morais Andrade (9 de outubro de 1893 – 25 de fevereiro de 1945) paira há um século sobre a música popular do Brasil.
Para compor o repertório autoral do disco, cujo repertório inclui o tema mais famoso da lavra de Andrade, Viola quebrada, Wilmer se baseou na Missão de Pesquisas Folclóricas, expedição científica e cultural idealizada por Mário de Andrade – principal arquiteto da Semana de Arte Moderna de 1922 – e realizada pelo Departamento de Cultura de São Paulo entre fevereiro e julho de 1938 por mais de 30 cidades de estados do nordeste e do norte do Brasil.
As gravações de cantos e danças coletadas na missão ajudaram a mapear os sons do Brasil rural, repaginados por Gaia Wilmer no álbum Epiderme desvairada com os músicos Cléber Almeida (bateria e percussão), Fábio Leal (guitarra), Fi Maróstica (baixo), Josué dos Santos (flauta e saxofone) e Maiara Moraes (flautas).
Antes, em 1936, Mário de Andrade já documentara os sons de cidades do interior do Estado de São Paulo através de gravações de caráter etnográfico e de textos de tom antropológico, jogando luz sobre espécie de jazz rural feito na região.
O disco Epiderme desvairada é inspirado em uma das muitas contribuições de Mário de Andrade para a música do Brasil. A rigor, desde os anos 1920, Andrade pesquisou e documentou com afinco a música folclórica rural.
Cerca de 15 modinhas imperiais compiladas pelo musicólogo na época volta e meia reverberam em vozes como a da cantora paulistana Cida Moreira, casos de Róseas flores d’alvorada e Hei de amar-te até morrer, reapresentadas pela artista em show feito em outubro de 2022 no Festival Mário de Andrade, em São Paulo (SP).
Formado em piano pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1917, Mário de Andrade estudou teoria musical e deu aula de história da música. Como um dos construtores da cultura brasileira, Mário de Andrade defendeu o nacionalismo musical quando a trilha sonora do Brasil ainda ecoava padrões europeus, o que acabou influenciando – e beneficiando – compositores do porte de Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) e Francisco Mignone (1897 – 1986).
As expedições etnográficas geraram gravações e, de certa forma, também também foram a matéria-prima de textos e livros como Ensaio sobre música brasileira (1928) e Modinhas imperiais (1930).
Como compositor, Andrade deixa música bem conhecida, a já citada Viola quebrada, parceria com Ary Kerner Veiga de Castro (1906 – 1963) lançada em 1928 pelo cantor carioca Patrício Teixeira (1893 – 1972) em single de 78 rotações e desde então regravada por nomes como Inezita Barroso (1925 – 2015), Rolando Boldrin (1936 – 2022), Nara Leão (1942 – 1989) e Teca Calazans, além da já mencionada Cida Moreira.
Através de textos e poemas, Mário de Andrade também está presente na música brasileira como parceiro póstumo de Fagner (Semente, de 1985), Martinho da Vila (A Serra do Rola Moça, de 1987) e Iara Rennó, que musicou versos do poeta modernista para o álbum Macunaíma ópera tupi (2008).
Enfim, a poesia modernista e a música nacionalista de Mário de Andrade – cujo nascimento completa 130 anos no domingo, 9 de outubro – estão entranhados na alma lírica brasileira.
Capa do álbum ‘Epiderme desvairada – O Brasil rural de Mário de Andrade’, do Gaia Wilmer Sexteto
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