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No compasso de sempre, Alaíde Costa inventaria calos e gozos da caminhada no álbum ‘E o tempo agora quer voar’

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O segundo título da trilogia idealizada para a cantora não bisa a coesão do repertório do aclamado disco antecessor ‘O que meus calos dizem sobre mim’. Capa do álbum ‘E o tempo agora quer voar’, de Alaíde Costa
Daryan Dornelles com arte de Emicida
Resenha de álbum
Título: E o tempo agora quer voar
Artista: Alaíde Costa
Edição: Samba Rock Discos
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ Por acaso ou destino, Alaíde Costa estreou o memorável show em que canta o repertório do primeiro LP de Caetano Veloso, Domingo (1967), na mesma semana em que apresentou o segundo álbum da trilogia idealizada por Emicida e Marcus Preto para a cantora e compositor carioca, E o tempo agora quer voar, disco aberto com a primeira parceria de Caetano com o rapper, Foi só porque você não quis.
A caminho dos 89 anos, a serem festejados em 8 de dezembro, Alaíde saboreia a colheita do plantio feito ao longo de 70 anos de trajetória profissional marcada pela dignidade, coerência e absoluta fidelidade aos princípios musicais e ideológicos da artista. Em bom português, Alaíde Costa somente cantou e gravou o que quis, ignorando modas, modismos e movimentos do mercado musical.
Sucessor do já emblemático álbum O que meus calos dizem sobre mim (2022), E o tempo agora quer voar perde no confronto com o disco anterior porque o repertório é menos imponente no conjunto da obra. A ponto de a canção de Marisa Monte e Carlinhos Brown – Moço, lançada em maio de 2023 como um primeiro single que não chegou a arrebatar, em que pese a graça da letra feminina que inverte os papéis conjugais da sociedade matriarcal – crescer no álbum e sobressair entre as oito faixas, se diferenciando também pela leveza que contrasta com a densidade da maior parte do repertório.
A arquitetura dos dois discos é a mesma. Sob a direção artística de Emicida e Marcus Preto, o produtor musical Pupillo Oliveira trabalhou com a mesma banda, formada por Fábio Sá no contrabaixo acústico, Léo Mendes no violão de sete cordas e o próprio Pupillo na bateria. Sem falar nos sopros orquestrados por Antonio Neves e Antonio Albino.
A propósito, os arranjos – aliados à já notória classe do canto de Alaíde – atenuam a irregularidade do cancioneiro gravado no tempo dessa artista que caminha em ritmo suave, no compasso de sempre. Nesse percurso, os sopros refrescam as lembranças que acalentam a memória da artista no samba-canção Foi só porque você não quis, avivando reminiscências de festas e fanfarras de tempos idos em clima de anos dourados.
Com melodia feita por Caetano Veloso a partir de letra escrita por Emicida a partir de desencontro de Alaíde com o artista baiano em 1976, Foi só porque você não quis se destaca ao lado de Meus sapatos dentre as seis faixas inéditas do álbum.
Sim, são apenas seis faixas inéditas, uma vez que que a música Ata-me (Junio Barreto e Montorfano, 2023) já tinha sido apresentada em single editado em setembro do ano passado com versos incandescentes – “Chega, derrama e incendeia / Rouba-me o gole e a água / Crava, certeira, carece, serena, rara, engana / Da minha sanha alastra / Rasga, fraqueja, me morda / Jura-me, molha a carne / Move, me leva, mas ata-me” – que se chocam com a temperatura amena do canto denso de Alaíde Costa.
Tal densidade acompanha o samba-canção Meus sapatos, em cuja letra – iniciada pelo rapper Rashid sobre melodia de Gilson Peranzzetta e finalizada por Emicida – a cantora reflete sobre a caminhada, inventariando os gozos e os calos que, sim, dizem muito sobre a integridade de Alaíde Costa.
Segunda parceria da cantora e compositora com Nando Reis, Suave embarcação desliza com serenidade no mar calmo, mas profundo, de Alaíde em dueto com Claudette Soares, de quem a artista sempre foi amiga de verdade em todas as bossas e horas.
Com o toque do vibrafone de Jota Moraes, Bem Belém – melodia de Zé Manoel com letra de Leonel Pereda e Ronaldo Bastos – é música refinada, mas sem fôlego para alcançar o âmago do ouvinte. O mesmo podendo ser dito de Além de uma palavra (melodia de Cristovão Bastos e Zé Renato com letra da poeta Clara Delgado) e de Bilhetinho (letra escrita por Emicida e Luz Ribeiro sobre melodia de Rubel).
Nesse sentido, E o tempo agora quer voar – álbum mixado e masterizado por Carlos Trilha – causa menor impacto do que o antecessor O que meus calos dizem sobre mim, disco em que arranjos, canto e repertório batiam na mesma alta frequência.
Contudo, o saldo é positivo e, além do mais, somente o fato de Alaíde Costa estar lançando álbum com músicas inéditas, compostas para a cantora, já é fato em si louvável que merece alarde. Que venha em 2026 o disco que fechará a abençoada trilogia!

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