Parceiro de Henrique & Juliano e hitmaker de Simone Mendes, ele lançou álbum de seresta, com serenatas sobre família e vida corrida. ‘So Fé’ virou música mais ouvida do Spotify. A trajetória do cantor Grelo
Imagina a seguinte situação: você faz uma viagem entre amigos, resolve regravar um clássico do rap em ritmo de seresta só por brincadeira, o áudio viraliza e, semanas depois, a música vai parar nas primeiras posições das paradas musicais.
Esse é um resumo da trajetória de Grelo, nome que Gabriel Ângelo de Oliveira adotou para sua carreira como cantor. O batismo do projeto não tem relação com a gíria usada para se referir à região pubiana da mulher. Neste caso, veio de um apelido de infância. Muito magro, era chamado de “magrelo”, “grelão” e “grilo”.
Antes de ser Grelo, Gabriel era conhecido como De Ângelo, compositor de vários hits sertanejos. Em menos de quatro meses, o projeto passou de uma simples resenha em uma pescaria à primeira posição do Top 50 Brasil do Spotify com a música “Só Fé”.
Foi quando Grelo decidiu. “Ah, mano, então vamos para cima disso. Foi um projeto muito leve, que veio de uma brincadeira, mas uma brincadeira com muita verdade”, ele define em entrevista ao g1.
“Só fé” é sobre a rotina extenuante e corrida de um pai de família, com versos como “Lavei meu rosto nas águas sagradas da pia / Eu já tô pronto pra matar meu leão do dia / Deus abençoe nóis e a nossa correria”.
Gabriel Ângelo de Oliveira, o Grelo
Reprodução/Instagram
Além de regravações de músicas de estilos variados, o repertório conta com três composições próprias. Em “Só Fé”, Grelo fala sobre viver com simplicidade e cita que não precisa de muito para ser feliz, conceito que ele diz praticar em sua própria vida.
“Quem me conhece, sabe que eu odeio essas coisas de ostentação. Essas coisas de mostrar algo que a gente não é ou competir quem tem mais, quem tem menos.”
Para Grelo, o fato de “Só Fé” ser a faixa mais bem sucedida do álbum, só reforça a ideia de que o projeto só faria sentido se fosse para, segundo ele, “cantar minha verdade”. “Eu não vou cantar nada que eu não seja, nada que eu não viva, nada que eu não concorde.”
Grelo canta que “A vida é de boa, não preciso de muito pra ser feliz, não / Só preciso de um dinheiro pra comprar um mé / O leitin das criança e o Modess da muié”.
“Quando explodiu, eu fiquei feliz com isso. Falei: ‘que massa, que tem muita gente entendendo essa realidade’. Porque hoje nós vivemos numa era de ansiedade e depressão que tá tremendo, cara, porque o povo só pensa naquilo que não tem e esquece de tudo que já conquistou.”
“Claro que a gente precisa de dinheiro para pagar a conta, para realizar sonho, mas a gente já tem o que precisa para ser feliz. O resto é complemento, né?”
Fé nos hits sertanejos
Gabriel Ângelo de Oliveira, o Grelo
Reprodução/Instagram
Gabriel Ângelo de Oliveira tem 26 anos e é natural de Anápolis (GO), onde mora até hoje. Há sete anos, ele iniciou sua carreira como compositor, assinando como De Ângelo.
Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), existem nada menos do que 502 canções no nome do artista.
Entre elas, há grandes hits como “Erro Gostoso” (Simone Mendes), “Quarta Cadeira” (Matheus e Kauan e Jorge e Mateus), “Esqueça-me se for capaz” (Marília Mendonça, Maiara e Maraisa), “Traumatizei” (Henrique e Juliano), “S de Saudade” (Luiza e Maurílio), entre tantos outros.
“Falei: ‘pô, vou fazer uma graça, vou fazer um negócio pro povo rir e tal. Mas tem que ser algo muito fora do normal. Vou comprar um tecladinho de ritmo, só para eu fazer essa graça’.”
Como compositor, encontrou grandes parceiros, incluindo Henrique & Juliano. Os irmãos estavam no time de amigos que insistiam para que De Ângelo investisse na carreira como cantor.Foi com a dupla que ele embarcou para uma pescaria no Rio Araguaia em abril. Ali, resolveu atender ao pedido dos amigos para cantar. Mas assumiu a proposta como uma brincadeira.
Com o instrumento em mãos, regravou os hits “Vida Loka”, dos Racionais, “Dias de Luta”, do Charlie Brown, e “Eu Queria Mudar”, dos Pacificadores. Todas as versões são cantadas no ritmo de seresta, uma espécie de serenata, com versões voz e violão descompromissadas, como em um luau.
As gravações foram parar nas redes sociais e, aos poucos, saíram das contas pessoais dos amigos. “A gente lá na pescaria ainda, e todo mundo pedia porque viu os vídeos e falava: ‘cara, tem como me mandar para eu escutar?'”, conta ele. Os áudios começaram a circular e viralizaram. “Aí os meninos sentaram comigo e conversamos: ‘Mano, você tem que lançar essa carreira, querendo ou não’.”
Foi assim que Henrique e Juliano passaram de amigos e intérpretes das músicas de De Ângelo para empresários de Grelo.
Grelo com Henrique e Juliano e, em ação, na pescaria
Reprodução/Instagram
Do rap à MPB
Depois de ter os áudios piratas das primeiras regravações viralizados nas redes (em especial, no TikTok), Grelo decidiu lançar seu primeiro álbum em julho.
“É o Grelo” conta com 13 faixas de seresta. Dez delas são regravações de sucessos de estilos como rap, MPB, sertanejo, rock e hip hop.
“Até brinquei com os meninos que o nome desse projeto tinha que ser ‘Fragmentado’, porque ao mesmo tempo que ele grava um Racionais, ele pula pra uma Cássia Eller, pula pra um Charlie Brown, para uma Ana Carolina, vai pra uns trens nada a ver, porque isso é o Gabriel viajando de carro, por exemplo.”
Ele afirma que o álbum reflete seu gosto musical eclético: “A gente não precisou fingir nada ali. Por exemplo, as músicas que eu gravei do Racionais, não precisei pegar a letra e decorar. Já é um trem que faz parte da minha vida, eu escuto desde criança.”
Grelo celebrou a liberação de Mano Brown para a regravação da faixa “Vida Loka”. “Sempre escutei o cara desde criança. Agora tenho o cara liberando a música dele para eu regravar. Foi muito massa.”
Dias após a entrevista ao g1, “Vida Loka” e “Eu Queria Mudar” saíram do ar no Spotify. Segundo a assessoria do cantor, eles entraram “em contato com a agregadora para entender o que aconteceu, já que o que foi passado era que todas as liberações estavam ok”.
Grelo já havia afirmado que todas as faixas do álbum estavam liberadas. Incluindo as músicas interpretadas por artistas falecidos, como Marília Mendonça, Cássia Eller e Chorão.
Mudança na voz
Gabriel Ângelo de Oliveira, o Grelo
Reprodução/Instagram
Grelo quer levar para o projeto mensagens do cotidiano com leveza e humor. E um dos toques para que esses sentimentos sejam transmitidos na música é uma transformação na voz.
O cantor goiano tem um timbre mais grave, mas para suas canções, deixa a voz mais anasalada. Ele garante não usar nenhum efeito de estúdio para isso e diz que o processo é todo feito naturalmente [inclusive, ele cantou um trecho durante a entrevista para exemplificar]. Mas isso não é exatamente uma escolha.
“Quero deixar isso bem claro: não uso efeito na voz, porque eu não sei colocar. Se eu soubesse colocar efeito, eu tinha colocado milhares. Mas não tem, é a minha voz mesmo.”
Fuga do sertanejo?
Gabriel Ângelo de Oliveira, o Grelo
Reprodução/Instagram
Apesar de toda sua história com as composições sertanejas, o apadrinhamento de Henrique e Juliano e a regravação de “Perto de Você” (de Marília Mendonça), fazer carreira no sertanejo não era uma opção para Grelo.
“Não é nem que eu não quis cantar sertanejo. É um ramo que eu amo, vivo disso hoje, minhas principais músicas são sertanejas. Mas é algo que eu não me via cantando.”
“Eu queria fazer algo diferente, algo que vai ser mais na contramão de tudo, um nicho que gosto mais escutar, algo diferente. Porque eu vejo o sertanejo como um ramo muito disputado, aí eu não sei se eu queria entrar nessa disputa.”
Apesar disso, Grelo cita que o próximo álbum deve vir com uma “cara mais sertaneja”. Ele ainda não definiu se o projeto será todo autoral, mas quer contar com mais composições próprias do que regravações. “Vai depender do que sair aqui dessa cabeçola aqui, né? Se saírem 20 músicas incríveis, a gente grava só inédita.”
Enquanto isso, o que está definido é que Grelo vai cair na estrada. A banda e o repertório já estão montados. “Montamos um show incrível, com um repertório totalmente eclético. Ninguém vai entender nada. Vão falar: ‘meu Deus do céu, que que esse menino tá fazendo? Esse bicho é maluco’.”