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Sergio Mendes abriu caminho em 1964 com álbum antológico que faz 60 anos com o eterno frescor do samba-jazz

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Capa do álbum ‘Você ainda não ouviu nada!’ (1964), de Sergio Mendes com o sexteto Bossa Rio
Paulo Namorado com design de Licínio Almeida
♫ MEMÓRIA
♪ “Não sou profeta, mas creio que este disco, produto de muito trabalho e amor, abra novos caminhos no panorama da nossa música”, apostou Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) ao fim do texto que escreveu para a contracapa da edição original do álbum Você ainda não ouviu nada!, primeira obra-prima da vasta discografia de Sergio Mendes.
Sim, Jobim foi profético ao se referir ao caráter progressista do disco gravado por Sérgio Santos Mendes (11 de fevereiro de 1941 – 5 de setembro de 2024) com o sexteto Bossa Rio.
Lançado em 1964 pela gravadora Philips, com arranjos de Jobim, de Moacir Santos (1926 – 2006) e do próprio Sergio Mendes, que na época ainda não havia limado o acento agudo do nome artístico, o álbum Você ainda não ouviu nada! completa 60 anos em 2024 como um dos títulos mais importantes da discografia brasileira.
Lembrado nas redes sociais no rastro das lamentações pela morte de Sergio Mendes, o disco resiste bem ao tempo por ter sido marcado pelo frescor perene do samba-jazz, gênero derivado da bossa nova que floresceu nas boates cariocas na primeira metade da década de 1960.
Pianista e arranjador fluminense que saiu de cena em Los Angeles (EUA) na noite de quinta-feira, aos 83 anos, Sergio Mendes caiu no samba-jazz na efervescência do Beco das Garrafas, reduto de boates do bairro de Copacabana onde se iniciou como músico.
O artista já lançara um álbum em 1961, Dance moderno, com jazz latino e bossa nova, mas foi com Você ainda não ouviu nada! que o pianista começou de fato a marcar nome. Por ironia do destino, o disco foi lançado no mesmo ano de 1964 que Sergio Mendes decidiu migrar definitivamente para os Estados Unidos, onde morou nos últimos 60 anos.
Produzido por Armando Pittigliani, o álbum Você ainda não ouviu nada! tem apenas meia hora de música – precisamente 29 minutos e 49 segundos – que se conserva com o viço e a energia de 1964.
No disco, Mendes harmoniza o piano com os toques dos músicos do Bossa Rio, sexteto formado pelo baterista Edison Machado (1934 – 1990), o baixista Tião Neto (1931 – 2001), os trombonistas Raul de Souza (1934 – 2021) e Edson Maciel (1926 – 2011) e os saxofonistas Aurino Ferreira (1926 – 2019) e Hector Costita.
Mendes era o líder dos músicos, mas Você ainda não ouviu nada! é um disco de grupo. Tanto que os sete músicos aparecem expostos em fotos de Paulo Namorado na capa criada por Licínio Almeida.
Cultuado por gigantes da música brasileira como Milton Nascimento, que incentivou o selo Dubas a lançar em 2002 uma caprichada edição em CD do álbum, Você ainda não ouviu nada! toca um samba-jazz refinado, sem nota jogada fora e sem exibicionismo dos músicos. O virtuosismo se faz ouvir naturalmente.
Gravado em 1963, mas lançado em 1964, o disco abre com Ela é carioca (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes) – samba lançado naquele ano de 1963 pelo conjunto Os Cariocas – e segue com O amor em paz (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1960).
Jobim predomina nos créditos do repertório como compositor de cinco das dez músicas. Entraram também no disco Desafinado (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1959), Corcovado (1960) e o samba Garota de Ipanema (1962), standard instantâneo da parceria de Tom com Vinicius de Moraes (1913 – 1980).
Sergio Mendes assinava duas músicas inéditas, Nôa… Nôa… e Primitivo, enquanto o maestro Moacir Santos era o autor e arranjador de dois temas, Coisa nº 2 e Coisa nº 5, este assinado por Santos com o letrista Mario Telles (1926 – 2001) e popularmente conhecido como Nanã.
O álbum Você ainda não ouviu nada! fecha em tom frenético com a abordagem de Neurótico, tema do saxofonista J.T. Meirelles (1940 – 2008).
Sergio Mendes conquistaria a glória nos Estados Unidos a partir de 1966, mas deixou no Brasil um álbum antológico. Você ainda não ouviu nada! foi facho de luz que abriu e iluminou os caminhos de muitos músicos ao longo de 60 anos. E essa luz ainda brilha em 2024, expondo o talento sobressalente do pianista e arranjador que acaba de sair de cena para ficar na história.

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