Em entrevista ao g1, quadrinista e ator Tom Sturridge e Vanesu Samunya falam sobre trabalho para transformar história original na série que estreia nesta sexta-feira (5). Neil Gaiman e atores de ‘Sandman’ comentam adaptação da HQ para série
A história da adaptação de “Sandman”, clássico dos quadrinhos dos anos 1990 escrito por Neil Gaiman, é quase tão caótica e cheia de idas e vindas quanto a original. Depois de mais de três décadas de tentativas, ela finalmente chega a algum tipo de final feliz com a série de dez episódios que estreia nesta sexta-feira (5) na Netflix.
Foram ao menos 28 anos desde a primeira vez em que alguém teve a ideia de levar a HQ para os cinemas ou para a TV e inúmeras tentativas. Algumas aprovadas pelo criador. Outras que o levaram a dizer que preferia jamais ver sua obra adaptada.
Agora com 61 anos, mais do que o dobro da idade que tinha no lançamento da primeira edição em 1989, o britânico pôde contar com a experiência para modernizar o enredo e os personagens.
“Estávamos eu e o Allan (Heinberg, o showrunner) agora olhando para o Neil Gaiman com 26, 27, 28, 29 anos e pensando: ‘Eita. Ele fez isso e foi realmente esperto. Ele fez isso da forma certa. Ok. Mas como mantemos a integridade do que ele fez, mas também transformando em televisão?'”, conta Gaiman em entrevista ao g1. Assista ao vídeo acima.
Tom Sturridge em cena de ‘Sandman’
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Ele dá como exemplo o sexto episódio, que combina tramas de duas histórias diferentes dos quadrinhos e as mistura com elementos de uma terceira.
“No fim do dia, criamos algo completamente novo, que eu sinto que é completamente fiel às suas origens, mas que é algo que ninguém viu antes. E a primeira vez que eu assisti a ele, me fez chorar”, diz o quadrinista.
“Eu pensei: ‘Estou chorando. E eu escrevi essas palavras e construí essas coisas. Mas eu não tinha a Kirby Howell-Baptiste partindo o seu coração. Eu não fiz isso. Essa coisa é nova. E isso a que estamos assistindo é mágico’.”
Tom Sturridge e Kirby Howell-Baptiste em cena de ‘Sandman’
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O Sonho real de Gaiman
A temporada adapta os dois primeiros arcos dos quadrinhos, “Prelúdios e Noturnos” e “A casa de bonecas”. Neles, o Senhor dos Sonhos (Tom Sturridge), membro de uma família de seres imortais que personificam diferentes aspectos da natureza humana, precisa recuperar seus poderes e reconstruir seu reino após passar mais de um século aprisionado
Também conhecido como Morfeu, o protagonista não é um deus, mas um dos Perpétuos – um grupo de entidades que sempre existiram e que sempre vão existir, como Morte (Kirby Howell-Baptiste) ou Desejo (Mason Alexander Park).
Gaiman assistiu a cerca de 200 testes para escolher o ator que interpretaria sua criação. E o britânico Sturridge, de 36 anos, foi um dos primeiros deles. Ele não conhecia os quadrinhos antes, mas se apaixonou pelo papel com o tempo.
“Ao explorar uma história na qual há um ser que está traçando nossos sonhos, que os está criando – acho que você não consegue evitar em sentir uma proximidade a ele”, afirma o ator.
Tom Sturridge em cena de ‘Sandman’
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“Tem a ver com a nossa relação com nossos sonhos. Acho que nossos sonhos são o reflexo mais honesto de nós mesmos. Acho que nós podemos contemplar e nos expressar sem o tipo de infecção que alguém tem do mundo real.”
A atriz Vanesu Samunyai tem uma explicação menos nobre sobre a atração que Sonho exerce sobre o público mesmo 30 anos após as primeiras publicações.
“Ele pode ser um canalha, às vezes. Mas as pessoas gostam de personagens assim. Ele é um canalha que não entende que é um canalha. Ele nem percebe. Ele é meio sem noção às vezes. E eu acho que pessoas muito obstinadas assim são muito atraentes para outras pessoas”, diz a jovem do Zimbábue.
“Também, uma coisa muito legal dos quadrinhos é que o Sonho está lá, mas ele não é necessariamente tudo o que ‘Sandman’ conta. Ele é o personagem que amarra tudo, mas às vezes ele nem está lá em algumas histórias, sabe? E eles focam em todas as pessoas ao redor dele.”
Stephen Fry e Vanesu Samunyai em cena de ‘Sandman’
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O sonho quase virou pesadelo
A escalação da atriz de 21 anos para interpretar Rose Walker, garota central à trama, foi uma das criticadas na época do anúncio do elenco, ao lado de Howell-Baptiste e de Jenna Coleman, por um grupo pequeno mas barulhento nas redes sociais.
As reclamações estavam relacionadas às trocas de etnia das duas primeiras (no caso, duas personagens brancas vividas por atrizes negras) e à mudança de gênero da personagem de Coleman (o detetive sobrenatural John Constantine, famoso nos quadrinhos, dá lugar a Johanna Constantine).
Gaiman já deixou claro em diversas entrevistas e tuítes que os críticos às escolhas não são fãs de verdade de seus quadrinhos. Afinal, o espírito de representatividade fazia parte da obra desde as primeiras publicações.
Jenna Coleman em cena de ‘Sandman’
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Este foi um dos motivos, aliás, para seu sucesso. Ao longo dos anos, a série de HQs e seus derivados ganhou mais de 25 prêmios Eisner, o mais importante do gênero, e foi uma das poucas a integrar a lista de mais vendidos do jornal “New York Times”.
Por essas que praticamente desde o começo sempre teve alguém interessado em levar a história para o cinema. A primeira ideia partiu dos estúdios da Warner Bros. em 1991, mas só foi avançar mesmo cinco anos depois.
Gaiman tinha aprovado o roteiro, que unia as mesmas histórias apresentadas na série, mas desentendimentos pausaram o projeto.
Gwendoline Christie e Tom Sturridge em cena de ‘Sandman’
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Em 2013, o produtor e roteirista David S. Goyer (da trilogia “Cavaleiro das Trevas”) deu início à tentativa mais recente. Joseph Gordon-Levitt (“Os 7 de Chicago”) chegou a ser anunciado como Sonho/Morfeu.
Quando o ator deixou o filme por “diferenças criativas”, o futuro de “Sandman” nos cinemas parecia cada vez mais distante.
Tanto que o roteirista da produção, Eric Heisserer, basicamente se demitiu enquanto defendia que o enredo só poderia ser adaptado em formato de série. No fim, ele parecia estar certo.
Tom Sturridge em cena de ‘Sandman’
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Goyer continuou a conversar com o quadrinista sobre a ideia. Como ele estava envolvido em outro projeto, convidou então Allan Heinberg, produtor de séries como “Grey’s Anatomy” e “Scandal” e apaixonado pelos quadrinhos, para comandar a adaptação. Em 2019, a Warner finalmente conseguiu acertar a parceria com a Netflix.
E Gaiman está muito ansioso para que o público, em especial o brasileiro, assista à série.
“Vocês no Brasil são tão importantes para mim. As primeiras traduções de ‘Sandman’ foram no Brasil. As primeiras respostas. O primeiro país fora dos EUA que pareceram entender ‘Sandman’ foi o Brasil. Então, vocês sempre vão ter um lugar no meu coração.”
Tom Sturridge em cena de ‘Sandman’
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