Ajuste de 43% para 50% de corte de emissão em 2030 ‘leva Bolsonaro a no máximo empatar com ambição proposta seis anos atrás por Dilma Rousseff’, diz Observatório do Clima. Entidades ambientais alertam que a nova meta climática apresentada pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COP26, nesta segunda-feira (1), como “mais ambiciosa”, não representa, na prática, menores emissões de carbono do que o país já havia se comprometido em 2015.
Isso porque, apesar de prometer elevar o corte de emissões de gases de efeito estufa em 2030 de 43% para 50% em relação aos níveis de 2005, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, quem fez o anúncio na COP26 – Jair Bolsonaro não comparecerá no evento -, não explicou qual a base de emissões considerada para se fazer o cálculo da porcentagem.
Sem dar um número real de qual deverá ser a nossa emissão até 2030 e como será feito o cálculo, o Observatório do Clima, rede de 56 organizações da sociedade civil, afirma que o “ajuste de 43% para 50% de corte de emissão em 2030 leva Bolsonaro a no máximo empatar com ambição proposta seis anos atrás por Dilma Rousseff”, diz em nota.
“Caso os 50% sejam aplicados sobre a base de cálculo do inventário mais recente de emissões do Brasil (contido na Quarta Comunicação Nacional, de 2020), o que se espera que ocorra, o governo Bolsonaro empatará com a meta proposta seis anos atrás por Dilma. Caso seja mantida a base do inventário anterior, a ‘pedalada’ cai de 419 milhões de toneladas para 218 milhões, o equivalente às emissões anuais do Iraque” – Observatório do Clima
A rede de entidades ambientais se refere à meta que o Brasil refez em 2020, quando apresentou uma segunda meta na ONU, se comprometendo a reduzir 37% das emissões em 2025 e 43% em 2030, o mesmo percentual de redução definido em 2015. Entretanto, o governo não considerou que a base de cálculo utilizada mudou e ficou ainda maior. (entenda abaixo)
Na ocasião, o Brasil foi um dos únicos países que retrocederam em sua meta, permitindo ao país chegar a 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de gases do efeito estufa a mais do que o previsto na meta original.
O Greenpeace Brasil também destaca que o ministro do meio ambiente não explicou como o governo reduzirá as emissões.
“O governo não explica como será a base de cálculo da redução de emissões. É importante que isso seja feito para que não haja nova pedalada climática, como houve em dezembro de 2020, na última reformulação das NDCs brasileiras. A mudança da base de cálculo pode fazer com que se permita mais emissões que nas metas passadas”, afirmou Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.
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Este ano, em 20 de outubro, um Projeto de Lei aprovado no Congresso também apresentou uma nova meta climática para o Brasil, anunciando redução de 43% nas emissões em 2025 e 50% em 2030. Igual ao discurso de Leite nesta segunda, o PL não se comprometeu com um número real para a redução, e estipula que tal valor será definido no futuro por um decreto do presidente Bolsonaro.
Tanto o PL quanto a fala de Leite na COP26 se sobrepõe à atual meta de redução de emissões de gases do efeito estufa apresentada na ONU em 2020, quando os países renovaram as metas por eles mesmo estipuladas no âmbito do Acordo de Paris, em 2015.
Entenda todas as metas climáticas que o Brasil vem apresentando desde 2020:
2020: texto apresentado na ONU pelo ex-ministro Ricardo Salles fala em redução de 37% das emissões em 2025 e 43% em 2030;
2021: PL 1.539 promete reduzir em 43% as emissões em 2025 e 50% em 2030;
Agora, na COP26, a meta passa a ser de reduzir em 45% as emissões em 2030 e neutralidade de carbono até 2050.
Outra meta apresentada por Leite foi a de se alcançar a neutralidade de carbono no Brasil em 2050. A meta não é novidade, pois já havia sido prometida por Jair Bolsonaro em 2020.
“Quanto ao país se tornar carbono neutro até 2050, é necessário que a meta não seja baseada em compensações, mas sim em diminuição das emissões com mudanças sistêmicas, como o investimento em energia renovável e agroecologia, desmatamento zero, e adaptação à crise do clima, com recurso para perdas e danos, principalmente para a população em situação de vulnerabilidade.”, diz Alves.
Como é calculada a meta climática
A meta climática do Brasil no Acordo de Paris utiliza como referência o valor total de gases emitidos no ano de 2005. Tal valor é calculado pelo “Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa”, que é editado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O documento revisa periodicamente o valor absoluto de emissões de gases usado no cálculo. Com a revisão mais recente, o valor absoluto de gases emitidos em 2005 foi ajustado de 2,1 bilhões de toneladas para mais de 2,8 bilhões de toneladas.
Na prática, se em 2015 a meta de redução dos 43% significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030, a nova meta apresentada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a mesma taxa de redução, permitirá agora o Brasil emitir 1,6 bilhões de toneladas no mesmo período.
Na prática, se em 2015 a meta de redução dos 43% significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030, a nova meta apresentada em 2020 pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a mesma taxa de redução, permitirá agora o Brasil emitir 1,6 bilhões de toneladas no mesmo período.
“Sem o reajuste na base de cálculo, a nova meta da proposta climática está cerca de 400 milhões de toneladas de carbono maior do que era em 2015” – disse à época Marcio Astrini, do Observatório do Clima
Por isso, segundo os especialistas, para apenas manter a meta climática já assumida anteriormente pelo Brasil no Acordo de Paris, o governo deveria ter se comprometido já em 2020 a diminuir 57% das emissões até 2030, e não apenas 43%.
Ausência de Bolsonaro
Apesar de não comparecer à COP26, Bolsonaro enviou um vídeo gravado, que foi exibido antes da fala de Leite. O presidente afirmou que o Brasil é uma “potência verde”.
“O Brasil sempre fez parte da solução [no combate às mudanças climáticas], não do problema”, disse Bolsonaro em vídeo gravado.
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Bolsonaro afirmou também que, atualmente, o governo federal conta com linhas de crédito e investimentos que somadas superam a casa dos US$ 50 bilhões, oferecidas para projetos verdes em área para conservação e restauração florestal, agricultura de baixas emissões, energia renovável, saneamento, transporte e tecnologia da informação.
“Esses recursos vão impulsionar a economia, gerar emprego e contribuir para consolidar o Brasil como a maior economia verde do mundo”, disse.
Desde 2019, no entanto, está paralisado o Fundo Amazônia – fundo que recebia investimentos internacionais para serem investidos na conservação da floresta e no combate ao desmatamento -, com mais de R$ 2,9 bilhões “parados” no cofre público.
Os vilões do clima no Brasil
A emissão líquida do Brasil atualmente é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor de gases do planeta. Os maiores emissores de carbono no país são o desmatamento, principalmente o ilegal, e a agropecuária. Juntos, os dois somam quase 70% das emissões totais do país.
Na contramão do mundo, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia de Covid-19, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Já a média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, indústrias e serviços ao longo do ano passado.
VÍDEOS sobre a conferência do clima da ONU, a COP26