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Coisas do Mato

Por que o mel é um superalimento para as abelhas

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Da desintoxicação de pesticidas até o aumento da longevidade, os benefícios do doce alimento das abelhas vão muito além de simplesmente nutrir esses insetos trabalhadores na colmeia. O mel tem muitos benefícios a oferecer para as abelhas
Getty Images/BBC
Não é surpresa para ninguém que as abelhas sabem muito sobre o mel.
Elas não são apenas produtoras como também consomem o mel — e de forma muito sofisticada. Ofereça a uma abelha doente diferentes variedades de mel, por exemplo, e ela escolherá aquela que melhor combate a sua infecção.
Leia também: Extinção das abelhas pode definir o futuro da alimentação
Mel azul: apicultores do Rio Grande do Sul se surpreendem ao coletar o produto
Já as pessoas têm muito a aprender com as abelhas com relação às características nutricionais do mel. Poucas décadas atrás, a maioria das listas de “alimentos funcionais” — aqueles que oferecem benefícios à saúde além da nutrição básica — não mencionava o mel, segundo a entomologista May Berenbaum, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. “Até os apicultores — e, com certeza, os cientistas que estudavam as abelhas — consideravam o mel nada mais do que água com açúcar”, segundo ela.
Daquela época até hoje, muitas pesquisas revelaram que o mel é repleto de substâncias químicas vegetais que influenciam a saúde das abelhas. Os componentes do mel podem ajudar as abelhas a viver por mais tempo, aumentar sua tolerância a condições desfavoráveis, como o frio intenso, e ampliar sua capacidade de combater infecções e curar feridas. As descobertas indicam formas de ajudar as abelhas, que vêm sofrendo muito nos últimos anos com parasitas, exposição a pesticidas e perda de habitat.
“É simplesmente uma substância notável e as pessoas talvez ainda não a valorizem muito”, segundo Berenbaum.
Fruto de milhões de anos de evolução
O mel é saboroso na torrada ou misturado ao chá, mas ele é muito mais que um adoçante.
É claro que o líquido viscoso é composto principalmente de açúcar, que os membros da colmeia usam para o seu sustento. Mas ele também compreende enzimas, vitaminas, sais minerais e moléculas orgânicas que dão a cada tipo de mel suas características exclusivas e oferecem uma série de benefícios para a saúde das abelhas.
Diversos insetos podem produzir mel: as abelhas mamangabas, as abelhas sem ferrão e até vespas melíferas — mas somente as abelhas melíferas, da espécie Apis, produzem mel suficiente para abastecer as prateleiras das mercearias. Essa capacidade não surgiu da noite para o dia; ela é o resultado de milhões de anos de evolução.
As abelhas se distinguiram das vespas há cerca de 120 milhões de anos, durante um pico da evolução e difusão das angiospermas (plantas produtoras de flores). Essa diversidade da flora – além de uma mudança no comportamento das abelhas, que passaram a alimentar as larvas com pólen e não insetos – estimulou a evolução das cerca de 20 mil espécies de abelhas conhecidas hoje em dia.
Especializar-se na fabricação de mel exigiu mais algumas habilidades químicas e de comportamento. As abelhas começaram a adicionar um pouco de néctar ao pólen e moldá-lo na forma de “pacotes”, para facilitar o transporte. Elas também desenvolveram glândulas de secreção de cera, que forneceram uma forma de armazenar separadamente o néctar líquido e o pólen sólido.
“A cera é um material de construção muito flexível”, segundo Christina Grozinger, entomologista da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA, que estuda os mecanismos responsáveis pelo comportamento social e a saúde das abelhas.
O mel e os compostos vegetais que ele contém fornecem todo tipo de benefícios para a saúde das abelhas
Getty Images via BBC
Para formar um favo de mel, as abelhas melíferas moldam a cera em hexágonos, que são o formato mais eficiente para armazenar uma substância, já que eles se unem firmemente entre si. “É um feito da engenharia”, segundo Grozinger.
A construção de muitas células pequenas e uniformes apresenta outra vantagem: superfícies maiores significam evaporação mais rápida da água – e menos água significa menos crescimento de micróbios.
O processo de produção do mel que irá preencher as células do favo começa quando a abelha colheitadeira sorve o néctar. Pode parecer que ela está se alimentando, mas o lanche açucarado não vai para o seu estômago — pelo menos não no sentido tradicional. Ela armazena o néctar no papo, ou na vesícula melífera, onde ele é misturado com diversas enzimas.
Uma das primeiras enzimas a entrar em contato com o mel é a invertase, que divide as moléculas de sacarose do mel ao meio, gerando os açúcares simples glicose e frutose. Estranhamente, pesquisas indicam que as abelhas não têm os genes necessários para fabricar essa enzima divisora da sacarose – provavelmente ela é produzida por um micróbio que vive no intestino da abelha.
Ao retornar para a colmeia, a abelha melífera regurgita a mistura para a primeira abelha de uma “linha de montagem” de insetos. A passagem que se segue de uma boca para a outra reduz cada vez mais o teor de água e introduz novas enzimas. Esse processo continua a decompor o néctar e impedir o crescimento de micróbios.
As abelhas depositam a mistura em seguida em uma célula da colmeia e evaporam mais água batendo suas asas. Outra enzima surge no processo — a glicose oxidase — e converte parte da glicose em ácido glucônico, que ajudará a preservar o mel.
Essa reação química também reduz o pH (aumentando a acidez) e produz peróxido de hidrogênio — que evita o crescimento dos micróbios, mas pode tornar-se tóxico em níveis mais altos. Ainda outras enzimas, provavelmente trazidas com o pólen e as leveduras, decompõem parte do peróxido, mantendo o equilíbrio dos seus níveis.
Por fim, a célula está pronta para ser fechada com cera. Abelhas enfermeiras alimentarão outros membros da colmeia com o mel processado e o restante será armazenado para dias frios ou chuvosos.
Remédio doce
Apicultores poderão ajudar os insetos deixando uma variedade de qualidades de mel na colmeia
Getty Images via BBC
O néctar foi o que levou Berenbaum a estudar o mel – um interesse que começou a florescer em meados dos anos 1990.
Ela sabia que o néctar era colocado em infusão com substâncias químicas vegetais, chamadas de fitoquímicos: compostos que combatem pragas e ajudam no crescimento e no metabolismo vegetal. Berenbaum teve o pressentimento de que esses fitoquímicos surgiam quando as abelhas transformavam o néctar em mel. E, se eles estavam ali, ela queria saber qual seria sua função para as abelhas.
Berenbaum começou então a verificar a diversidade das substâncias químicas do mel. Em 1998, sua equipe concluiu que tipos de mel diferentes continham diferentes níveis de antioxidantes, dependendo da origem floral do mel. “Isso instigou meu interesse”, afirma ela.
Posteriormente, seu grupo concluiu que abelhas melíferas alimentadas com água com açúcar misturada com dois fitoquímicos do mel — ácido p-cumárico e o potente antioxidante quercetina – apresentaram melhor tolerância a pesticidas que abelhas que se alimentaram apenas com água com açúcar. Além disso, as abelhas que receberam a água misturada com fitoquímicos viveram por mais tempo que as abelhas que não os receberam, segundo ela e seus colegas relataram em 2017, na revista Insects.
Outras pesquisas revelaram efeitos da adição de fitoquímicos ao mel. Estudos demonstraram que ácido abscísico amplifica a reação imunológica das abelhas, reduz o tempo de cura das feridas e aumenta a tolerância a baixas temperaturas.
Outros fitoquímicos reduzem o impacto de parasitas, que são uma das principais causas do declínio das abelhas melíferas. Fornecer a abelhas melíferas infectadas com fungos um xarope contendo timol (um fitoquímico derivado das plantas de timo), por exemplo, reduz o número de esporos fúngicos em mais da metade.
Demonstrou-se também que os fitoquímicos inibem as bactérias que causam loque europeia e americana – sendo que esta última é tão contagiosa e devastadora que a recomendação para seu controle é queimar colmeias inteiras para evitar sua disseminação.
Aparentemente, alguns fitoquímicos realizam seu trabalho aumentando a atividade de genes relacionados à desintoxicação e imunidade. Quando as abelhas se alimentam com fitoquímicos do néctar como anabasina, por exemplo, um gene encarregado de elaborar as proteínas antimicrobianas aumenta sua produção, segundo relatou uma equipe de pesquisa em 2017, na revista Journal of Economic Entomology.
E os fitoquímicos poderão beneficiar a saúde das abelhas satisfazendo as comunidades de micróbios que vivem nas colmeias: seus microbiomas. Cafeína, ácido gálico, ácido p-cumárico e kaempferol aumentam a diversidade e a quantidade dos micróbios intestinais das abelhas melíferas, segundo relataram pesquisadores no ano passado, na revista Journal of Applied Microbiology. A saúde dos microbiomas intestinais das abelhas melíferas está relacionada a menores intensidades de diversas infecções por parasitas.
As abelhas melíferas até escolhem variedades de mel benéficas para a saúde quando estão doentes. O entomologista Silvio Erler e sua equipe apresentaram quatro tipos de mel para abelhas melíferas infectadas por parasitas.
“Nós apenas demos a elas uma escolha”, afirma Erler, agora no Instituto Julius Kühn, na Alemanha. As abelhas doentes preferiram mel de girassol, que tinha o nível mais alto de atividade antibiótica e era o melhor remédio para a infecção, segundo relatou a equipe na revista Behavioral Ecology and Sociobiology.
As abelhas melíferas curam-se a si próprias?
Apesar do aumento da imunidade e de outros benefícios à saúde fornecidos pelo mel, as abelhas ainda enfrentam problemas. Apicultores norte-americanos perderam 45% das suas colônias entre abril de 2020 e abril de 2021 — o segundo pior ano desde o início das pesquisas da organização Bee Informed Partnership, em 2006.
Os apicultores muitas vezes deixam um pouco de mel na colmeia, mas a variedade do alimento parece ser importante. Pesquisas indicam que tipos de mel diferentes, produzidos por abelhas colheitadeiras de flores das árvores de acácia-bastarda, girassol ou uma mistura de flores, combatem tipos diferentes de bactérias.
Erler compara essa variedade a uma farmácia. “Nós vamos à farmácia… e dizemos, precisamos disso para dor de cabeça e daquilo para dor de estômago. E, na farmácia, nós temos todos os remédios num lugar só.”
Mas as abelhas somente são capazes de construir sua farmácia de mel se as flores certas estiverem disponíveis, não apenas em número e diversidade, mas ao longo de toda a estação, segundo Berenbaum, que é coautor de uma análise do impacto do mel sobre a saúde das abelhas na Annual Review of Entomology, edição de 2021. Essa biodiversidade está em falta nos grandes campos de produção para onde as abelhas são enviadas todos os anos para polinizar produtos básicos, como amêndoas, maçãs, abóboras e peras.
Aumentar a diversidade floral realmente gera abelhas mais saudáveis, afirma Arathi Seshadri, entomologista do Laboratório de Saúde das Abelhas Melíferas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) em Davis, na Califórnia. E o USDA incentiva os donos de terras a converter parte das terras produtivas em áreas silvestres, com seu Programa de Reservas de Conservação. “A agricultura tem que continuar”, afirma Seshadri, “mas precisa também sustentar os polinizadores”.
Melhor nutrição para as abelhas não solucionará todos os problemas enfrentados por esses insetos. Mas garantir que as abelhas melíferas tenham acesso aos seus próprios remédios pode ajudar, segundo Silvio Erler. Ele sugere que os apicultores deixem parte do mel elaborado com diversas flores na colmeia, para que as abelhas tenham uma farmácia de mel bem abastecida por todo o ano.
E May Berenbaum, que começou suas pesquisas anos atrás porque achava que o mel não estava recebendo atenção suficiente da ciência, afirma que o acúmulo de conhecimento é um passo na direção certa. “Estou feliz por ver que finalmente o mel está chamando a atenção”, afirma ela.
*Berly McCoy é produtora e escritora científica freelancer no noroeste do Estado de Montana, nos Estados Unidos.
**Este artigo foi publicado originalmente na revista jornalística independente Knowable, da editora norte-americana Annual Reviews, e republicado pelo site BBC Future.

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Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

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Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
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O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
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Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
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Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

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Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

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Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

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Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

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