‘Golpe de Sorte em Paris’, 50º filme dirigido por Allen, é o 1º dele em francês. ‘Não tenho nada do que reclamar sobre a minha vida. Mas eu ainda reclamo mesmo assim’, ele diz ao g1. Woody Allen no set de Golpe de Sorte em Paris (2023)
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“Golpe de Sorte em Paris”, 50º filme dirigido por Woody Allen, pode ser o último dele. “Estou bem com isso. Ficarei muito feliz em escrever só para o teatro e em livros”, ele explica ao g1, resignado com a possível aposentadoria no cinema.
É que o diretor americano de 88 anos diz não aguentar mais participar de eventos em busca de dinheiro para projetos. A dificuldade de financiamento, segundo ele, nada tem a ver com a acusação de abuso sexual feita por Dylan Farrow, sua filha, quando ela tinha sete anos. Ele nega.
Dos quatro Oscars recebidos por Allen, o último foi pelo roteiro de “Meia-Noite em Paris”, de 2011. No fime que estreia nesta quinta-feira (19) nos cinemas brasileiros, ele volta à capital da França. É o primeiro dirigido por ele falado em francês, mas a trama não muda tanto: dois colegas de faculdade se reencontram e um affair leva a um assassinato e outras complicações.
Na entrevista por vídeo conferência Woody Allen fala sobre filme que quase fez no Rio de Janeiro e a possibilidade de diversificar mais suas histórias e protagonistas. Ele costuma dizer que seus roteiros gravitam em torno de quatro temas: jazz, mágica, mulher e filosofia.
“É difícil ter boas ideias. E quando eu tenho uma, eu a sigo até o fim. Então, eu nunca penso se é relevante, se é política, se é de bom gosto ou de mau gosto.”
Veja abaixo o trailer de ‘Golpe de Sorte em Paris’ e os principais trechos da entrevista de Woody Allen ao g1.
‘Golpe de Sorte em Paris’: assista ao trailer do novo filme de Woody Allen
g1 – O senhor decidiu fazer este filme para se dar um presente, disse que sempre quis ser um cineasta francês. Por que, então, demorou tanto para fazer isso?
Woody Allen – Bem, é muito, muito difícil conseguir ser financiado quando você quer fazer um filme em outro idioma. Eu queria fazer um filme em francês, eles diriam que não poderia fazer, porque isso reduz tremendamente a bilheteria em países de língua inglesa e nos Estados Unidos. Mas desta vez eles disseram OK.
g1 – Temos cada vez mais comédias e filmes sobre relacionamentos com mais diversidade. Diversidade de raça, de diferença de idade, de gênero… Como o senhor vê esse aumento da diversidade? O senhor já pensou em diversificar mais seus protagonistas?
Woody Allen – Eu não penso nisso quando faço um filme. Eu penso apenas na ideia que eu tenho. Se é uma ideia que de alguma forma teria que ser feita com um elenco muito diverso ou uma ideia que é sobre um assunto político que toca nessa questão [diversidade]… então, eu ficaria muito feliz em fazê-la. Se não, então eu faço a ideia que tenho, sabe? É difícil ter boas ideias. E quando eu tenho uma, eu a sigo até o fim. Então, eu nunca penso se é relevante, se é política, se é de bom gosto ou de mau gosto. Eu apenas tenho a ideia e sigo com ela. E aí o máximo que você pode fazer é esperar que as pessoas gostem da ideia que eu tive. Eu fiz isso em 50 filmes. E diria que, na maioria deles, as pessoas gostaram.
g1 – O senhor disse que tem novas ideias, mas agora não é mais fácil financiar filmes como costumava ser. Por que acha que é mais difícil fazer isso agora? É difícil só para o senhor ou para todos os cineastas independentes?
Woody Allen – É difícil para o meu nível de financiamento, porque é mais lucrativo para quem financia investir US$ 100 milhões, US$ 200 milhões e fazer filmes muito grandes. Se eles forem bem-sucedidos, eles ganham uma quantidade enorme de dinheiro. Para financiar um filme como o meu, que é muito, muito, muito barato… eles não ganham muito dinheiro agora. Quero dizer, um em um milhão ganha muito dinheiro, mas isso é muito raro. A maioria dos filmes que fiz deu lucro, mas um lucro pequeno e isso não interessa aos investidores.
Diane Keaton e Woody Allen em ‘Noivo neurótico, noiva nervosa’
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g1 – Sua produtora e irmã, Letty Aronson, disse ao ‘New York Times’ que o senhor está trabalhando em um novo roteiro. Sobre o que ele é? Pode ser um retorno a Nova York?
Woody Allen – Estou trabalhando em algumas ideias que tenho. Mas não posso ainda falar sobre elas publicamente. Mas, você sabe, tenho algumas ideias para filmes: uma comédia e outra ideia para um filme um pouco mais sério. Agora, depende de onde o financiamento virá. Se o financiamento vier dos Estados Unidos, então eu vou fazer um tipo de filme. Se o financiamento vier da Espanha, França ou Itália, então eu farei um tipo diferente de filme. Então, eu não posso terminar o roteiro até saber onde vou fazer esse filme, porque preciso fazer esse ajuste. A história passa a fazer parte daquele local. Eu não posso criar uma história que se passa em qualquer lugar e então decidimos filmar no Rio de Janeiro. Não é assim que se faz. A forma correta seria fazer uma história que só poderia ser feita no Rio e isso requer um certo esforço intelectual.
g1 – Que bom que o senhor mencionou o Rio… Houve uma chance de filmar no Rio [em 2012], sua equipe disse que seria seguro, mas o senhor não tinha uma ideia para a cidade. Foi isso que aconteceu? Existe alguma chance agora?
Woody Allen – Bem, as pessoas me falaram sobre filmar no Brasil. Mas eu nunca estive lá e não conheço a cidade. Conheço melhor as cidades europeias, porque estive nelas para tocar jazz ou fui para passar férias. Eu não estava pensando em fazer um filme em Paris. Mas quando chegou a hora de escrever um roteiro, eu tinha ido muitas vezes. Eu tinha ido para Barcelona e Roma, então eu pude pensar em um roteiro. Mas eu nunca fui para o Rio ou para o Brasil. Então, foi difícil para mim. Eu não tinha uma ideia específica. Talvez daria certo se eu passasse férias no Rio ou tivesse ido lá para tocar jazz ou algo assim. Eu olharia ao redor como qualquer turista, visitaria todos os lugares…
Woody Allen posa para fotos na exibição de ‘Meia-noite em Paris’, durante abertura do Festival de Cannes, em 2011
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g1 – Este filme é sobre o papel da sorte e do azar na nossa vida. O senhor acha que teve mais azar ou sorte?
Woody Allen – Eu tive muita, muita sorte. E espero continuar assim, não tenho do que reclamar. Minha saúde foi boa durante toda a minha vida. Tive uma família amorosa na qual cresci e tenho uma família maravilhosa agora: duas filhas e minha esposa, sabe? Eu tive sorte na parte profissional. Quando eu comecei, todo mundo quis ver meus filmes e eles preferiram enfatizar o que era bom neles e não os ignorar ou falar sobre o que não era bom neles. Em toda a minha vida, eu senti que estava no lugar certo e na hora certa. Sempre tive muita sorte. Então, eu não tenho nada do que reclamar sobre a minha vida. Mas eu ainda reclamo mesmo assim [dá uma risadinha].
g1 – Em outras entrevistas, o senhor parece indeciso sobre fazer ou não mais filmes… Se este for seu último filme, seria um bom final para sua filmografia?
Woody Allen – Estou tranquilo, sim. Cinquenta filmes são o suficiente e este foi um filme que foi muito bem-sucedido para mim. Ele é em francês, então realizei meu sonho… Agora, se alguém se apresentar e disser que financiaria outro filme meu, então ótimo. Eu provavelmente farei isso, mas quero evitar ter que ir a reuniões, jantares e almoços para tentar juntar dinheiro, o que é sempre um problema. Então, se alguém aparecer, ótimo, mas se não o fizer, este terá sido meu último filme e estou bem com isso. Ficarei muito feliz em escrever só para o teatro e em livros.
g1 – O que te faz rir hoje?
Woody Allen – Cada vez menos coisas me fazem rir. Meu gosto não se expande, ele se estreita. Então, costumo rir com escritores que já estão mortos. S. J. Perelman é um escritor americano que realmente me faz rir. Não é só sorrir, ele me faz rir mesmo, gosto dele. Também dou risada de filmes antigos. Mas pouquíssimas coisas me fazem rir. Eu gosto de ver um filme do Buster Keaton e tenho uma apreciação enorme, enorme por ele. Ele é brilhante, mas não rio. Quando eu vejo W. C. Fields e Groucho Marx aí eu me pego rindo…
Woody Allen e o diretor de fotografia Vittorio Storaro no set de ‘Golpe de Sorte em Paris’ (2023)
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