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Entenda como investir em cadeias de produtos da sociobiodiversidade pode conservar a Amazônia

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Objetivo é gerar renda às comunidades tradicionais da floresta e, ao mesmo tempo, manter os serviços ecossistêmicos prestados pelo bioma. Mas ainda há desafios a serem superados, como implantar e atualizar políticas públicas; biólogo diz que pensar em uma bioeconomia bem estruturada pode ser a solução. Cadeias produtivas bem estruturadas dos ingredientes amazônicos podem ajudar a manter a floresta em pé.
Marcelo Ferri
A captura do jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã, em Rondônia, não é inimiga da natureza. A ideia é fazer o controle populacional. Para isso, o abate é feito por mãos treinadas. O processo de manejo resulta em um produto fresco e ideal para consumo. Em paralelo, une ciência, capacitação, conservação da floresta e geração de renda para as famílias em um trabalho só.
Segundo Cristiano Andrey do Vale, chefe substituto do Núcleo de Gestão Integrada ICMBio Cuniã-Jacundá, o esforço começou a ser pensado em 2004 em conjunto entre o instituto e a comunidade, sendo colocado em prática 7 anos mais tarde. Os extrativistas optaram pelo manejo comercial de duas espécies nativas de jacaré: açu e jacaretinga.
Manejo do jacaré na resex Lago do Cuniã, em Rondônia, se transforma em um produto fresco e pronto para ser consumido.
ICMBio Cuniã-Jacundá/Divulgação
“O jacaré foi um recurso passivo de uso. Tiveram de 2004, até hoje, muitas reuniões com as comunidades. Tiveram capacitações, apoios de entidades governamentais e não governamentais para construção do frigorífico, realização de intercâmbio e compra de equipamentos”, explicou Cristiano.
A implementação do manejo do jacaré na resex, atualmente ancorado por instrução normativa do ICMBio, ilustra como uma cadeia de produtos da sociobiodiversidade bem estruturada pode dar bons frutos. Engloba geração de renda, infraestrutura e uso equilibrado dos recursos oferecidos pela Amazônia. A iniciativa ainda inibe o avanço do desmatamento e de outros crimes ambientais. Também ajuda a manter vivo o modo de produção que carrega a ancestralidade das comunidades tradicionais da floresta.
“Cada povo tem o seu conhecimento sobre a floresta, sobre o uso desses produtos. Nós temos a maior sociobiodiversidade, uma diversidade étnica, cultural, capaz de conhecer esses ingredientes, saber o uso deles e colocar o Brasil em um lugar de destaque nesse cenário”, resumiu Patrícia Gomes, gestora de projetos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Manejo do Jacaré na resex Lago do Cuniã, em Rondônia.
ICMBio Cuniã-Jacundá/Divulgação
Mas o que são produtos da sociobiodiversidade?
Primeiro, é preciso entender a definição de sociobiodiversidade. Trata-se da união de bens e serviços formados pela conexão entre a diversidade biológica da floresta e a prática de atividades sustentáveis.
“É a economia da vida. A maneira como as pessoas lidam com os produtos oriundos de uma determinada região. É a maneira que se tem de fazer a sua reprodução social, de gerar a sua economia, a sua riqueza e todos os benefícios que pode trazer para a qualidade de vida dessas pessoas”, explicou o biólogo Marcelo Lucian Ferronato, coordenador do Programa Floresta e Agricultura na Ação Ecológica Guaporé-Ecoporé.
Série sobre sociobiodiversidade na Amazônia
O Ministério do Meio Ambiente define os produtos da sociobiodiversidade como “bens e serviços (produtos finais, matérias-primas ou benefícios) gerados a partir de recursos da sociobiodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares”.
A variedade existente é enorme. Tanto que o ICMBio criou em 2019 o “Catálogo de Produtos da Sociobiodiversidade do Brasil”, guia com os principais ingredientes de 60 unidades de conservação do país. Na lista constam itens como açaí, óleos vegetais, madeira de manejo comunitário, frutas, polpas e, inclusive, o jacaré. Estima-se que o número de produtos originários da natureza ultrapasse a marca de 200.
“[O catálogo] foi um esforço feito no sentido de identificar associações que trabalham com produtos da sociobiodiversidade, de conectar com algum acordo de mercado dentro desses elos de comercialização. E o intuito é ser retroalimentado”, explicou João da Mata, coordenador de Produção e Uso Sustentável do ICMBio.
Açaí compõe a lista de produtos da sociobiodiversidade.
Joilson Arruda / arquivo pessoal
Estratégias x desafios
Para então impulsionar cadeias produtivas com os componentes amazônicos, o governo federal criou há 13 anos um plano com instruções estratégicas de gestão aos estados e municípios. Mas conforme João da Mata, é usado hoje como referência a novas táticas de administração, pois não há um orçamento para montar políticas públicas mais eficazes.
Por vezes, populações inteiras necessitam de políticas focadas nos potenciais das áreas em que vivem. Isso pode demandar investimentos em infraestruturas para agregar valor e ampliar a variedade de produtos, bem como envolver a comunidade no processo de geração de renda e preservação ambiental.
“Não tem, por exemplo, um programa orçamentário que preveja a implementação do plano nacional da sociobiodiversidade. O plano sempre foi utilizado no escopo de construção de desenvolvimento de outras estratégias de gestão”, complementou João da Mata, coordenador de Produção e Uso Sustentável do ICMBio.
Série sobre sociobiodiversidade na Amazônia
Por meio da Política de Garantia dos Preços Mínimos (PGPM), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) auxilia extrativistas e agricultores familiares a conquistarem uma renda justa com os produtos manejados.
Com foco na relação legítima de valores, os ministérios da Agricultura e Economia decidem os preços mínimos a partir de estudos sobre custos de produção. Mas apesar do aval de uma política com um preço base, o superintendente de Estudos Agroalimentares e da Sociobiodiversidade da Conab, Marisson Marinho, lista três desafios a serem superados pelo Executivo e para quem vive na mata fazendo a extração.
“É preciso conhecimento, a retirada da informalidade e as questões fiscais, a isenção de nota fiscal avulsa, a possibilidade de fazer romaneios para não ficar emitindo nota semana a semana. Tem que ajustar essa questão fiscal para que esse público que recebe o mínimo do mínimo possa receber um pouquinho mais pelo seu produto”, detalhou.
Falta de políticas públicas mais eficazes prejudica implementação de cadeias produtivas de sucesso na Amazõnia.
Armando Júnior
Ainda há muitos obstáculos para estruturar cadeias produtivas de sucesso, mas segundo a coordenadora de Articulação e Apoio ao Extrativismo do Ministério da Agricultura, Tarcila Portugal, é possível sim enfrentá-los. “Temos poucas informações, poucos dados estatísticos reais sobre produção, beneficiamento, comercialização dos produtos. Esses dados são muito importantes para que possamos formular políticas públicas ou adequar as já existentes”, concluiu.
Mareilde Freire, uma das fundadoras da Saboaria Rondônia, cobra por políticas voltadas aos pequenos produtores. Com a premissa de colher, produzir e preservar, a associação, com sede em Ouro Preto do Oeste (RO), confecciona produtos de higiene orgânicos com base nas palmeiras de babaçu e buriti.
A união dessas atividades foi a forma que o grupo de mulheres encontrou para, ao mesmo tempo, conservar os serviços ecossistêmicos da Amazônia vivos e gerar renda. O trabalho também envolve valorizar outras iniciativas locais, como a cafeicultura e a apicultura.
“A gente agrega valor econômico a essas duas palmeiras, fazendo com que as mulheres da comunidade onde estão inseridas participem desse momento. Mas é preciso que o poder público comece a ter um olhar diferenciado. Estou falando do pequeno, daquele que está dando os primeiros passos”, explicou a produtora rural.
Mulheres da Saboaria Rondônia confeccionam produtos de higiene orgânicos com as palmeiras de babaçu e buriti.
Saboaria Rondônia/Divulgação
Mira na expansão de mercado e bioeconomia
Enquanto políticas públicas mais eficazes continuam em falta, empresas e iniciativas nacionais e internacionais tentam reduzir esse gargalo com projetos, planos de gestão e negócios, como é o caso do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam).
“É assessorar o desenvolvimento de um produto que tenha um valor competitivo, que possa concorrer com outras atividades legais e, ao mesmo tempo, tenha um custo de produção viável. E para isso a gente busca não só assistência técnica de gestão, mas também conectar com o mercado que pague esse valor’, disse André Vianna, coordenador do Projeto Manejo Florestal do Idesam.
Com foco em óleos vegetais, Idesam atua na Amazônia para ajudar no fomento de cadeias produtivas da sociobiodiversidade.
Idesam/Divulgação
Além do grupo ajudar há mais de 15 anos povos tradicionais no desafio de elevar o modo de produção a outro patamar, ainda conecta quem maneja com quem consome. Financiado com recursos do Fundo Amazônia, o aplicativo Cidades Florestais do Idesam funciona como um rastreador ao possibilitar o acesso a informações sobre quem, onde e como manejou. “As empresas precisam considerar os aspectos de meio ambiente, de impacto social, questões de governança”, acrescentou André.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) também investe no potencial dos produtos amazônicos e em quem maneja. Alinhada ao governo federal brasileiro, tem ao menos 10 projetos na Amazônia Legal e já chegou a injetar R$ 17 milhões em soluções para desenvolver a economia da região.
“A USAID tenta apoiar atores que já têm presença no sistema. Estamos falando de produtos, estamos falando de mercado que é feito por pessoas, por processos”, explicou Catherine Hamlin, diretora do Escritório de Meio Ambiente da USAID/Brasil.
Para escalar a produção de pequenas empresas no mercado, a startup do Matheus Pedroso e da Kaline Rossi, chamada Amazônia HUB, vende na internet produtos compostos por ingredientes advindos de 13 empreendimentos focados no impacto socioambiental positivo do Pará, Amazonas, Amapá e Acre. “É oferecer para os nossos clientes produtos que agregam para a Amazônia, para a Floresta e que são únicos. Que ali dá o seu valor tanto na parte produtiva, quanto na questão da qualidade”, explicou Matheus.
E a indústria de pães do Pedro Wickbold atua para expandir a ideia de que a floresta preservada tem mais valor. Em parceria com a rede de negócios sustentáveis Origens Brasil, aproxima extrativistas e consumidores por meio de produtos como a castanha, por exemplo. “A gente compra uma castanha e transforma em pão. Um consumidor hoje no Sul, no Sudeste do Brasil que compra esse pão está contribuindo, eu não sei se indiretamente, talvez diretamente para manutenção da floresta em pé”, detalhou Pedro.
Série sobre sociobiodiversidade na Amazônia
Mesmo com o apoio de iniciativas e empresas, o potencial dos ingredientes sociobiodiversos ainda é pouco aproveitado. De acordo com o biólogo e diretor do projeto Amazônia 4.0, Ismael Nobre, uma das soluções para equilibrar valorização, mercado e preservação da floresta é pensar em uma bioeconomia estruturada, o que selaria os laços culturais carregados pelos produtos da sociobiodiversidade.
“Por um olhar científico sobre o bioma amazônico, da importância dos serviços ecossistêmicos à manutenção do clima no planeta, precisamos de um modelo que mantenha a floresta. Mantenha ou recupere parte da floresta que já perdemos, já demonstra mudanças nesses padrões ecológicos e hídricos. O Brasil poderia pensar em fazer um melhor uso desse ambiente em função das suas vocações. E uma grande vocação da Amazônia é a bioeconomia. É a economia dos produtos da floresta”, finalizou.
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Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

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Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
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O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
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Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
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Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

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Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

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Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

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Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

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