Em cartaz na 45ª Mostra de Cinema de São Paulo, o documentário de Dellani Lima e Lucas Barbi traça o perfil idealista do fundador da banda Garotos Podres. Cartaz do filme ‘As faces do Mao’, de Dellani Lima e Lucas Barbi
Divulgação
Resenha de documentário musical
Título: As faces do Mao
Direção e roteiro: Dellani Lima e Lucas Barbi
Produção: Multiverso Produções
Cotação: * * * 1/2
♪ Filme em cartaz na 45ª Mostra Internacional de Cinema / São Paulo International Film Festival em sessões online na plataforma Mostra Play e em sessões presenciais no Espaço Itaú de Cinema (na Sala 2, em 30 de outubro, às 18h20m) e na Reserva Cultural (na Sala 1, em 31 de outubro, às 16h10m)
♪ “Vou morrer defendendo o ser humano”, avisa Mao, quase ao fim do filme em que é perfilado pelos cineastas Dellani Lima e Lucas Barbi. Em vez de soar como pura retórica, a fala é legitimada por tudo que se viu e ouviu ao longo dos 77 minutos de As faces do Mao, documentário que estreia na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com sessões online (na plataforma Mostra Play) e presenciais (em 30 e 31 de outubro).
A declaração expressa a força resistente que move a vida e alma de José Rodrigues Mao Júnior – eterno garoto punk da periferia do ABC Paulista, embora atualmente seja um senhor de 58 anos, nascido em março de 1963.
Esse senhor já foi garoto pobre que se autodenominou podre. Fundador da banda punk Garotos Podres, criada em 1982 no município paulista de Mauá (na periferia da periferia do ABC, como situa Mao em certo take do filme), José Rodrigues Mao Júnior é cantor, compositor, professor de História, sindicalista e militante do PT, daqueles que vestem literalmente a camisa de Luiz Inácio Lula da Silva.
Contudo, todas as faces de Mao convergem no traço ativista que molda o perfil do artista. Dellani Lima e Lucas Barbi evidenciam esse traço marcante de Mao ao costurar o roteiro do documentário com números de shows da banda Garotos Podres, trechos de aulas do professor, entrevistas atuais com o protagonista do filme, fragmento de palestra sobre o punk no Brasil e imagens de arquivo – como a que mostra o grupo em cena no programa TV Mix, comandado pelo apresentador Serginho Groisman na TV Gazeta nos anos 1980.
A edição do filme resulta lenta, sobretudo no primeiro terço da narrativa, mas a morosidade inicial é redimida ao fim pelo molde comovente do retrato desse artista fiel à própria ideologia punk e socialista.
“A música é uma forma de intervenção política”, prega Mao em determinado momento do filme. Mais uma vez, a fala fica corroborada pelas muitas imagens da banda Garotos Podres (cuja disputa judicial de Mao com ex-integrantes do grupo pelo uso da marca é tema posto fora da pauta do roteiro).
Impressiona a energia vital com que Mao ainda exerce a função de vocalista desse grupo que marcou época nos primórdios do movimento punk do Brasil, legando ao menos dois álbuns relevantes, Mais podres do que nunca (1985) e Pior que antes (1988).
Desses álbuns, saíram músicas como Vou fazer cocô (Mao, Mauro e Sukata, 1985), Anarkia oi! (Mao, Mauro, Sukata e Português, 1985), Caminhando para o nada (Mao e Ciro, 1998), Garoto podre (Mao e Ciro, 1988), Proletários (Mao e Ciro, 1988) e Rock de subúrbio (Mao e Mauro, 1988) – hinos ouvidos no filme que fizeram a cabeça de garotos pobres e trabalhadores de outras periferias e que ainda fazem sentido no Brasil de 2021.
Ainda em atividade, a banda se posiciona no filme contra o fascismo e contra toda forma de opressão. Quando foca os atuais Garotos Podres em estúdio, em sessão recente feita para gravar o rock hispânico Mucha policía, poca diversión (Juan Manuel Soarez Fernandez, Francisco Gallan Portillo e Jesus Maria Exposito Lopez, 1983), sucesso da banda punk espanhola Eskorbuto (1980 – 1998), o filme As faces do Mao deixa claro que continua a luta por justiça e igualdade social, mote da existência de José Rodrigues Mao Jr., eterno garoto idealista de face já senhoril, disposto a viver e cantar até morrer em defesa do ser humano.