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‘Amazônia, sua linda’: Dom Phillips, repórter britânico desaparecido, escrevia livro sobre como salvar floresta

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Antes de desaparecer no Vale do Javari, jornalista preparava livro sobre soluções para a floresta, pela qual se encantou após se mudar para o Brasil em 2007. Após produzir dezenas de reportagens sobre a destruição da Amazônia, Dom Phillips se dedicava a um livro no qual pretendia expor soluções para manter a floresta em pé
Arquivo pessoal via BBC
“Amazônia, sua linda” — essa foi a última frase que o jornalista britânico Dom Phillips escreveu em suas redes sociais, cinco dias antes de desaparecer no Vale do Javari, no Amazonas, quando viajava com o indigenista Bruno Pereira, no último domingo (5).
As palavras — acompanhadas por um vídeo no qual um barco viaja lentamente por um rio amazônico, com uma mata exuberante no fundo — expõem a paixão que o britânico desenvolveu pela floresta após se mudar para o Brasil, em 2007.
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Num momento de crescente interesse internacional pela Amazônia, o jornalista produziu dezenas de reportagens sobre o bioma para o jornal britânico The Guardian e se tornou uma das principais vozes na imprensa estrangeira a documentar o avanço do desmatamento durante o governo Jair Bolsonaro.
O interesse dele pela Amazônia era tamanho que, em 2021, Dom começou a escrever um livro sobre soluções para manter a floresta em pé. Seu desaparecimento ocorreu durante uma das viagens de pesquisa para a obra.
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Papel dos indígenas
Segundo o sociólogo Felipe Milanez, Dom “tinha uma dedicação muito profunda em entender o Brasil”. Os dois ficaram amigos após Dom se mudar no início do ano para Salvador, terra natal da esposa do britânico, Alessandra Sampaio. O casal antes morava no Rio de Janeiro.
Segundo Milanez, Dom “se apaixonou” pela capital baiana. O sociólogo afirma que ambos costumavam praticar stand-up paddle em Salvador. Nas horas vagas, Dom dava aulas de inglês numa favela como voluntário.
“Era uma pessoa que rapidinho construía confiança, transparente, muito ético e discreto”, diz o amigo.
Dom Phillips pretendia contar em seu livro como povos indígenas fazem para preservar a floresta e se defender de invasores.
BBC
Milanez conta que Dom resolveu escrever o livro sobre a Amazônia porque queria se aprofundar no tema, algo que seu trabalho diário como repórter não lhe permitia.
Criado nos arredores de Liverpool, cidade industrial no noroeste da Inglaterra, o repórter “tinha uma formação de classe operária militante”, diz o amigo.
“Ele reportava uma situação familiar muito dura (na Inglaterra) e se identificava com as pessoas que sofrem aqui”, afirma Milanez.
“Era muito atento na escuta, muito verdadeiro, e queria ouvir o que as diferentes vozes do Brasil tinham a dizer sobre a Amazônia: cientistas, pesquisadores, gente que se importa.”
Amigos do britânico dizem que ele se interessou pelo Brasil inicialmente por causa da música, tema que ele enfocava no começo de sua carreira jornalística.
Em suas redes sociais, Dom exalta com frequência músicos brasileiros. Em 30 de abril, foi a um show de Gilberto Gil em Salvador e o definiu como “um gigante que representa muito do que é maravilhoso e poderoso na cultura brasileira”.
Em janeiro, após a morte da cantora Elza Soares, chamou-a de “grandiosa, única, brilhante”. Também costumava publicar fotos de frutas e pratos típicos brasileiros.
Dom Phillips cresceu nos arredores de Liverpool e tinha ‘formação de classe operária militante’, diz amigo
Arquivo pessoal via BBC
‘Passou a ser família’
Ultimamente, no entanto, a Amazônia e os povos indígenas eram os principais focos do interesse de Dom pelo Brasil.
Poucas semanas antes de viajar para o Vale do Javari, o britânico visitou aldeias do povo indígena Ashaninka, no Acre. O grupo é considerado um exemplo de sucesso na preservação ambiental e na conciliação de tradições com práticas modernas.
O líder Ashaninka Francisco Piyãko, que foi entrevistado por Dom na visita, lamentou à BBC o desaparecimento do britânico.
“É como se tivessem mexido diretamente com a gente, porque ele estava representando a nossa causa, a nossa história. Ele passou a ser família”, diz Piyãko.
Em vídeo gravado durante a visita, publicado no perfil no Twitter da Associação Ashaninka do Rio Amônia, Dom diz que as “terras indígenas são os lugares mais protegidos da Amazônia”, e que uma parte importante de seu livro seria sobre a “participação e protagonismo dos povos indígenas” na preservação da floresta.
Afirmou ainda que estava ali para “aprender um pouco com vocês: como é sua cultura, como vocês veem a floresta, como vivem dentro dela, como lidam com ameaças que vêm de invasores, garimpeiros e tudo mais”.
Cerimônia do povo indígena Yawanawá, um dos grupos que Dom Phillips pretendia visitar para a produção de seu livro
Sérgio Vale/Secom-AC
Biraci Nixiwaka, um dos líderes do povo Yawanawá, também do Acre, diz à BBC que Dom planejava visitar o território do grupo.
“Senti uma coisa muito boa dele, de querer fazer o bem, de querer abordar a questão da proteção da natureza, da floresta, da história dos povos indígenas”, afirma Nixiwaka, que diz ter conversado várias vezes com o britânico pelo telefone.
A preocupação com a floresta rendeu a Dom um dos momentos mais conturbados de sua estadia no Brasil.
Em 2019, numa coletiva de imprensa com o presidente Jair Bolsonaro (PL), Dom disse ao mandatário que “os números de desmatamento estão mostrando um crescimento assustador, o Ibama está dando menos multas, (fazendo) menos operações, os sinais que o governo está dando para a Europa não são positivos no sentido de proteção do ambiente”.
O britânico perguntou então como Bolsonaro pretendia “mostrar para o mundo que realmente o governo tem preocupação séria com a preservação da Amazônia”.
O presidente respondeu: “Primeiro, você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês”.
O diálogo, compartilhado por Bolsonaro no Twitter, fez com que Dom fosse duramente criticado por apoiadores do mandatário. Mesmo assim, o britânico não deixou o assunto de lado.
O indigenista Bruno Araújo Pereira (ao centro), servidor da Funai que acompanhava Dom Phillips na viagem ao Vale do Javari
Divulgação/Funai
Expedição
O interesse de Dom pelo Vale do Javari, uma das áreas mais preservadas da Amazônia, o aproximou do indigenista Bruno Pereira, com quem ele viajava quando ambos desapareceram.
Em 2018, Dom acompanhou Bruno numa expedição de 17 dias à Terra Indígena Vale do Javari, que abriga uma das maiores concentrações de povos indígenas isolados do mundo.
Bruno — que na época coordenava o departamento da Funai (Fundação Nacional do Índio) responsável por indígenas isolados e recém-contatados — buscava monitorar os deslocamentos de um desses grupos para evitar conflitos com comunidades vizinhas.
Na reportagem em que narra a expedição, Dom descreve uma cena na qual Bruno “abre o crânio de um macaco cozido com uma colher e come seu cérebro de café da manhã”.
O animal fora caçado por indígenas que também participavam da viagem.
A naturalidade com que Bruno se portava na floresta e sua relação próxima com os indígenas chamaram a atenção do britânico, que passou a consultá-lo em várias reportagens.
Defesa contra invasores
Quando Dom regressou ao Vale do Javari no início deste mês, Bruno já não estava mais na Funai: ele havia se licenciado do órgão e agora assessorava diretamente a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), principal organização indígena local.
Segundo Leonardo Lennin, indigenista do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, o britânico queria ver na viagem como a Unijava estava usando tecnologia, como drones e imagens de satélite, para documentar invasões e denunciá-las às autoridades.
Lennin afirma que o trabalho dos indígenas “deveria ser complementar à fiscalização do Estado”. No entanto, segundo o indigenista, os órgãos públicos não têm feito a sua parte, o que forçou os indígenas a ampliar suas ações.
Por causa desses trabalhos de vigilância, Pereira e indígenas envolvidos vinham sofrendo ameaças, segundo a Unijava.
Olhar sofisticado
Quando desapareceu, Dom já havia completado cerca de dois terços da apuração para o livro, diz à BBC Margaret Engel, diretora-executiva da Alicia Patterson Foundation.
A fundação americana deu a Dom uma bolsa para que ele se dedicasse integralmente à obra, que seria entregue até o fim deste ano, segundo Engel.
O projeto teve início em 2021, quando a pandemia de Covid-19 se espalhava pelo Brasil e ainda não havia vacinas no país. Na época, havia grande temor quanto à possibilidade de que pessoas infectadas em cidades levassem a Covid-19 a aldeias indígenas.
Engel diz que Dom então viajou ao Reino Unido, que já aplicava vacinas em sua população, para se imunizar e poder viajar até as comunidades.
Dom Phillips pretendia entrevistar fazendeiros e garimpeiros em seu livro sobre a Amazônia, diz a esposa do britânico
Arquivo pessoal via BBC
Ela afirma que a fundação resolveu apoiar o britânico por considerar seu projeto relevante e original sobre a Amazônia.
“Muitos jornalistas soam alarmes quanto à degradação, mas Dom tem um olhar mais sofisticado, ele busca as soluções possíveis”, diz Engel.
Ela diz que Dom estava entusiasmado com o livro e queria mostrar que, apesar do pessimismo com a destruição da floresta, há “caminhos para impedir o desastre”. O britânico pretendia expor maneiras de preservar a floresta e, ao mesmo tempo, garantir o bem-estar de suas populações, afirma Engel.
“O projeto dele traz esperança em vez de desespero”, ela diz.
Amor pelos humanos e pela natureza
Em entrevista à escritora Ruth de Aquino, do jornal O Globo, a mulher de Dom, Alessandra Sampaio, disse que o marido “amava o ser humano”.
“Amava tanto que queria escutar a todos, dar voz a todos. Fazendeiros, garimpeiros. Não falava em vilões. Não queria demonizar ninguém. Sua missão era esclarecer as complexidades da Amazônia”, disse Sampaio, em texto publicado na última quinta-feira (9).
Em outra entrevista, para a TV Globo, na quarta-feira, Sampaio falou de outro amor de Dom, o amor pela natureza.
Mulher de Dom Phillips diz que viagem para Amazônia foi muito planejada
Segundo ela, para o marido, “Deus é natureza, ele encontrava Deus na natureza”.
“O que eu acho que o Dom gostaria é que as pessoas conhecessem a Amazônia que ele conheceu, que ele amava tanto. Afinal, a gente só cuida do que conhece, do que ama — então a proteção viria como consequência”, disse Sampaio para a BBC News Brasil.
Enquanto muitos estrangeiros e até mesmo brasileiros tratam a Amazônia como um espaço hostil e impenetrável, ele se admirava com a relação de indígenas com o bioma e o via como um lugar de beleza e fartura.
O deslumbramento do britânico com a floresta transborda na longa reportagem de 2018, quando Dom participou da expedição com Bruno Pereira para monitorar um grupo de indígenas isolados no Vale do Javari.
A missão, escreve o jornalista, ocorreu num momento em que os indígenas enfrentavam as maiores ameaças em décadas, “com dragas de garimpo de ouro altamente poluentes entrando nos rios a leste, pecuaristas se aproximando dos limites ao sul, e gangues de pescadores comerciais se aventurando no centro” de seu território.
Apesar das tensões, o texto tem momentos de puro deleite e encantamento, como quando Dom menciona a visão de “uma enorme, rara árvore de mogno, se espalhando majestosamente por um trecho de floresta espaçoso, manchado de sol”.
Ou quando descreve meninos indígenas que haviam batido “em uma colmeia para afugentar as abelhas” e depois compartilhavam “seu favo de mel vermelho-ferrugem, pingando mel doce e selvagem”.
“Para eles, esta não é uma selva proibida, mas um vasto supermercado orgânico cujas mercadorias estão escondidas para os não iniciados”, escreveu o britânico.
Onde muitos veem mato, Dom aprendeu a ver mata.

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Centenária árvore de Florianópolis citada no hino do município não é originária do Brasil, diz pesquisa

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Figueira da Praça XV é um dos principais cartões-postais da Capital de Santa Catarina. Ela foi identificada por pesquisadores da UFSC como sendo da espécie Ficus microcarpa. Árvore da Praça XV passa por processo de sequenciamento genético para descobrir origem
Tiago Ghizoni/NSC
A centenária figueira da Praça XV de Novembro, um dos cartões-postais de Florianópolis, localizada no Centro da cidade e citada inclusive no hino do município, não é originária do Brasil.
Por meio de sequenciamento genético, pesquisadores do laboratório de genética vegetal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) descobriram que a árvore, na verdade, é natural de uma região entre Ásia tropical e Austrália. Ela foi identificada como sendo da espécie Ficus microcarpa.
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O professor de biotecnologia Valdir Stefenon, que conduziu o estudo, afirma que a descoberta resgata parte da história da cidade.
“Entendo que essa pesquisa revela uma importante face da ciência, ainda pouco conhecida, que é sua ligação com a história e a cultura”, disse.
Tema de lendas contadas há gerações pelos moradores de Florianópolis, a figueira foi plantada por volta de 1870 na área que atualmente abriga a escadaria da Catedral, também no centro da cidade. Cerca de 20 anos depois, em 1891, ela foi transplantada para a praça e desde então serviu de sombra aos viajantes, além de palco para festividades.  
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Árvore da Praça XV em Florianópolis
Tiago Ghizoni/NSC
Como foi feita a pesquisa
Para a descoberta, os pesquisadores coletaram partes pequenas da árvore quem contêm genomas de cloroplastos. A substância pode ser encontrada, por exemplo, nas folhas de plantas. A partir disso, o material foi colocado em um equipamento de alta tecnologia que identificou e mostrou o DNA da figueira da Praça XV.
Os pesquisadores, então, puderam comparar os dados da árvore da Capital com os de outras milhares espécies registradas em um banco de dados mundial.
“O DNA é sequenciado e cada uma das milhares de bases que o compõem são identificadas em fragmentos de tamanho variados. Esses fragmentos são, então, ordenados, como se estivéssemos montando um quebra-cabeças. Nesta etapa, o genoma nuclear, o genoma do cloroplasto e o genoma das mitocôndrias são separados em análises de bioinformática”, explica o professor.
Na planta, cada um desses genomas tem sua própria função:
Nuclear: principal deles. Encontrado em todas as suas células.
Cloroplasto: responsável pela cor verde e pela fotossíntese, processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. Está nas folhas.
Mitocôndria: estrutura da célula que transforma em energia o açúcar que a planta produz.
Sequenciamento genético da figueira
Caroline Borges/g1
Árvore será clonada
Além do trabalho de sequenciamento genético, os pesquisadores também desenvolvem uma pesquisa para clonagem da árvore. Usando filamentos mais novos da árvore, o processo vai ajudar a perpetuar as características genéticas da atual figueira.
Segundo Stefenon, os primeiros resultados são positivos:
“A clonagem de espécies arbóreas em laboratório é um processo complexo até o momento de se estabelecer os protocolos de trabalho. Por enquanto, conseguimos estabelecer dois clones no laboratório, os quais ainda estão pequenos”, revela.
Árvore da Praça 15 em Florianópolis
Tiago Ghizoni
Ações que envolvem diagnósticos fitossanitário e nutrição, por exemplo, também estão sendo realizadas para preservar a figueira. A previsão é que elas sejam concluídas no primeiro semestre deste ano.
A figueira, segundo o professor, tende a sofrer com a poluição dos carros e a menor interação com outras plantas e animais, por estar em um ambiente bastante urbanizado.
“Apesar disso, ela está bem e, com os tratamentos que foram realizados, ela tende a permanecer bela e imponente por muitos anos na Praça XV”, avalia.
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Marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que dizia a tese derrubada pelo STF

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Julgamento começou em 2021, após recurso da Funai, e foi retomado em 21 de setembro de 2023. Dispositivo previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988, desconsiderando grupos já expulsos. Indígenas comemoram derrubada do marco temporal em Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta quarta-feira (20), por 9 votos a 2, a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A discussão colocou em lados opostos ruralistas e povos originários, que saíram vitoriosos na disputa.
O dispositivo previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A análise no STF começou em 26 de agosto de 2021, a partir de um recurso apresentado Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) contra o marco temporal. Nesta quarta, a pauta voltou ao plenário da Corte. O voto do ministro Luiz Fux consolidou a corrente segundo a qual o dispositivo fere a Constituição.
A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que estabelece aos indígenas o chamado “direito originário” sobre as suas terras ancestrais. Isso quer dizer que eles são considerados, por lei, os primeiros e naturais donos do território, sendo obrigação da União demarcar todas as terras inicialmente ocupadas por esses povos.
👉 Esta reportagem abordará os seguintes assuntos:
Quem defendia e quem era contra o marco temporal
O impacto que teria para indígenas
Por que o caso foi parar no STF
Como votaram os ministros
Marco temporal no Congresso
STF retoma julgamento sobre marco temporal das terras indígenas
Carlos Moura/SCO/STF
1. Quem era contra e quem defendia a tese
❌ Indígenas eram contra o marco temporal. Eles afirmavam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo originário ter ocupado determinada região antes de 5 de outubro de 1988. Segundo esse argumento, muitas comunidades são nômades, e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
❌ Para a organização não governamental (ONU) Instituto Socioambiental (ISA), a tese do marco temporal vinha sendo utilizada pelo governo Bolsonaro para travar demarcações e foi incluída em propostas legislativas anti-indígenas. Defensores da causa dos povos originários temiam que demarcações de terras já feitas fossem revogadas caso o STF validasse o dispositivo.
✔️Já proprietários rurais argumentavam que havia necessidade de se garantir segurança jurídica com relação ao tema e apontavam o risco de desapropriações caso a tese fosse derrubada.
✔️ Assim como os ruralistas, o ex-presidente Jair Bolsonaro era favorável à tese do marco temporal.
2. O impacto que poderia ter para indígenas
Análise: Os impactos socioambientais do Marco Temporal
Se a tese do marco temporal fosse aceita pelo STF, indígenas poderiam ser expulsos de terras ocupadas por eles, caso não comprovassem que estavam lá na data da promulgação da Constituição de 1988 e sem que fossem considerados os povos que já foram expulsos ou forçados a sair de seus locais de origem. Processos de demarcação de terras indígenas históricos, que se arrastavam por anos, poderiam ser suspensos.
O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, pudessem ser privatizadas e comercializadas. A hipótese da comercialização respondia ao interesse do setor ruralista.
3. Por que o caso foi parar no STF

Veja, abaixo, a cronologia do julgamento:
Em 2013, o TRF-4 aceitou a tese do marco temporal ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse de uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, onde fica a Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ. Na região, vivem os povos xokleng, guarani e kaingang.
A decisão do TRF-4 mantinha entendimento de 2009, de outra decisão da Justiça Federal em Santa Catarina.
Em 26 de agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que questionou a decisão do TRF-4. E o que fosse decidido pelos ministros da Corte criaria um entendimento que poderia ser aplicado em situações semelhantes em todo o Brasil.
Em 20 de setembro de 2023, o STF retomou o julgamento e derrubou a tese do marco temporal.
Após a decisão da Corte, o líder de povo Xokleng, Tucun Gakran comemorou:
“É a maior vitória dos indígenas desde quando o não indígena tomou as terras dos povos indígenas”
4. Como votaram os ministros
Votaram contra o marco temporal:
Edson Fachin (relator)
Alexandre de Moraes
Cristiano Zanin
Luís Roberto Barroso
Dias Toffoli
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Gilmar Mendes
Rosa Weber
Dois ministros consideraram que o marco temporal deveria ser considerado no momento da demarcação de terras indígenas:
Nunes Marques
André Mendonça
5. Marco temporal no Congresso
Além do processo que corria no STF, um projeto entrou em tramitação no Congresso para tentar transformar a tese do marco temporal em lei. Trata-se do PL nº 490/2007, que determina que devem ter direito às terras consideradas ancestrais somente os povos que as estivessem ocupando no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
A proposta do legislativo altera o “Estatuto do Índio” para permitir, segundo o texto, um “contrato de cooperação entre índios e não índios”, para que estes possam realizar atividades econômicas em terras indígenas. Além disso, a proposta prevê que não indígenas tenham contato com povos isolados “para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Veja, abaixo, a cronologia do PL:
Em 2007, o PL foi proposto na Câmara dos Deputados.
Em 2009, o texto foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Em 2018, o PL acabou arquivado.
No entanto, ainda em 2018, a proposta foi ressuscitada durante a campanha eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com “reserva indígena no Brasil”.
Em 29 de junho de 2021, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), entendeu que o texto do PL era constitucional.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto, por 283 votos a 155, com apoio público do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Houve uma abstenção. O texto, então, foi para o Senado.
Em 20 de setembro de 2023, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou a votação do PL. O adiamento ocorreu após a leitura do parecer favorável ao projeto, apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e atendeu a um pedido de vista (mais tempo para análise) coletivo de senadores da base aliada ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Governistas ainda tentaram postergar a análise com uma tentativa de convocar audiência pública para debater o tema, mas a base acabou derrotada por 15 votos a 8. Com isso, a votação do projeto está prevista para 27 de setembro de 2023, em data posterior à última atualização desta reportagem.

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Suíça fará doações ao Fundo Amazônia, anuncia representante do país europeu

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Conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, deu a declaração durante um fórum sobre investimentos e sustentabilidade, realizado no Itamaraty. Ele não citou valores. Guy Parmelin, conselheiro da Suíça, durante declaração à imprensa, no Itamaraty
Reprodução/TV Globo
O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Suíça passará a fazer doações para o Fundo Amazônia. Ele não citou valores dos aportes.
Parmelin fez o anúncio ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin, na sede do Ministério das Relações Exteriores. Os dois participaram do Fórum Brasil-Suíça de Investimentos e Inovação em Infraestrutura e Sustentabilidade.
“A partir de hoje, aprimoraremos nosso engajamento. Tenho o prazer de anunciar que a Suíça vai contribuir para o Fundo Amazônia. A primeira contribuição será nas próximas semanas. Queremos lançar essa parceira com o Brasil e outros países”, afirmou o representante do país europeu.
Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebe doações majoritariamente da Noruega e também da Alemanha. Em 2019, primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro, os países suspenderam os repasses e congelaram os valores para novos projetos, mantendo somente os pagamentos já programados.
Além de Suíça, Estados Unidos e Reino Unido já anunciaram que farão aportes ao fundo.
Em declaração à imprensa, Alckmin agradeceu pela iniciativa dos suíços. “Muito importante para a recuperação da nossa Floresta Amazônica, [gostaria de] destacar a boa parceria econômica e as oportunidades de investimentos”, afirmou o vice-presidente.
Alckmin disse também que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento ilegal.
“As Forças Armadas, inclusive, estão presentes na Amazônia para retirar garimpeiros ilegais, invasores de áreas de preservação. Enfim, um trabalho grande na região”, declarou o vice-presidente.
Na mesma linha de Alckmin, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo brasileiro lançará ainda em julho um novo plano de desenvolvimento para o país que terá como “pilar central” a transição energética.
“O Brasil tem desafios, problemas a superar, mas, ao mesmo tempo que temos desafios, esses desafios se apresentam como enormes oportunidades de investimento e parcerias”, afirmou o ministro.
Acordo Mercosul-EFTA
Durante os pronunciamentos desta quarta-feira, Alckmin e Parmelin citaram o acordo comercial negociado entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual a Suíça faz parte.
Negociado desde 2017, o acordo com o grupo foi concluído em 2019, após dez rodadas de negociações. Ainda há, contudo, algumas pendências relativas a questões técnicas e, por isso, ainda não foi finalizado.
“Temos todo interesse em ampliar a abertura comercial e a possibilidade de investimentos recíprocos com a União Europeia e a EFTA. Com a União Europeia, o governo já está mais adiantado e estamos confiantes que chegaremos a bom termo. Com a EFTA, poderemos ter complementariedade econômica de investimentos que vão gerar emprego e renda”, disse Alckmin no fórum.
“O acordo Mercosul-EFTA é um instrumento-chave para reforçar ainda mais o potencial de cooperação entre nossos países”, acrescentou Guy Parmelin.
De acordo com a página oficial do Mercosul, o comércio entre o bloco e os países da EFTA gira em torno de US$ 7 bilhões anuais.

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