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Anna Ratto expõe algumas cores do cancioneiro de Arnaldo Antunes em agradável visita à obra do compositor

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Com leveza, cantora carioca dá voz a dez músicas de autoria do artista em álbum produzido por Liminha. Capa do álbum ‘Contato imediato – Anna Ratto visita Arnaldo Antunes’
Elisa Mendes com arte de Pedro Colombo
Resenha de álbum
Título: Contato imediato – Anna Ratto visita Arnaldo Antunes
Artista: Anna Ratto
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * 1/2
♪ É sintomático que, das 10 músicas de Arnaldo Antunes cantadas por Anna Ratto no álbum Contato imediato, nenhuma seja do repertório dos Titãs, grupo no qual o compositor paulistano foi revelado há 40 anos.
Embora tenha contribuído decisivamente para calibrar a munição disparada pela multifacetada banda em repertório que ofuscou brilhos individuais, Arnaldo Antunes – compositor de O quê (1986) e coautor de petardos como Bichos escrotos (1986), Comida (1987), Família (1986) e Miséria (1989) – reforçou a identidade autoral quando saiu dos Titãs e pavimentou carreira solo a partir de 1993.
Desde então, Arnaldo suavizou e por vezes romantizou o cancioneiro em obra solo que dialoga com a poesia e com as artes plásticas. Solo, mas acompanhado por diversos parceiros, Arnaldo Antunes se revelou compositor plural, tão multifacetado como os Titãs nos anos 1980.
É essa pluralidade que Anna Ratto evidencia – em parte – ao longo das dez faixas de Contato imediato, álbum em que a cantora visita o cancioneiro de Arnaldo Antunes com a elegante produção musical de Liminha, Midas dos estúdios na época áurea dos Titãs.
Anna Ratto posa no estúdio Nas Nuvens com Liminha, produtor musical do álbum ‘Contato imediato – Anna Ratto visita Arnaldo Antunes’
Leo Aversa / Divulgação
Cantora e compositora carioca que atingiu ponto alto na discografia com o álbum anterior Tantas (2018), Anna Ratto encara em Contato imediato a força de compositor cuja marca autoral costuma ser realçada pelo canto torto desse artista de grande presença cênica.
Ratto é cantora de voz comportada, mais vocacionada para canções como 2 perdidos (Arnaldo Antunes e Dadi Carvalho, 2007), balada embebida em melancolia sugerida pelo canto suave da intérprete.
Em contrapartida, toda a paixão romântica da música-título Contato imediato (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, 2006) parece se dissolver no canto da artista em gravação feita na cadência do reggae e valorizada pelos barulhinhos espaciais do arranjo de Liminha (nem mesmo Arnaldo atingiu no registro original dessa canção a dimensão da gravação feita por Jussara Silveira em 2011 para o álbum Ame ou se mande).
E por falar em arranjo, o criado por Thiago Gomes para o samba Desistiu de mim (Arnaldo Antunes, Cezar Mendes, Marisa Monte e Carminho, 2018) eleva a gravação, assentada sobre aliciante baticum criado com bateria eletrônica.
Coube também a Thiago Gomes criar a batida funkeada da faixa Num dia (Arnaldo Antunes, Chico Salem, Hélder Gonçalves – Peleco e Manuela Azevedo, 2006), exemplo das boas vibrações habitualmente emanadas pelo cancioneiro do compositor.
Com a delicadeza do canto, Ratto consegue se acomodar em A casa é sua (Arnaldo Antunes e Ortinho, 2009) sem apagar a impressão de que somente Arnaldo fica totalmente à vontade nessa e em muitas outras músicas de cancioneiro humanista, pautado pela fé no amor.
É a paixão que move músicas como A lhe esperar (Arnaldo Antunes e Liminha, 2008), gravada por Ratto com certo suingue e com a marcação da bateria de João Barone, sutil lembrança de que coube ao grupo Paralamas do Sucesso lançar A lhe esperar no balanço do reggae em gravação do álbum Brasil afora (2008).
Anna Ratto é a autora do arranjo de ‘Kaira’, música que encerra o álbum
Elisa Mendes / Divulgação
Embora tenha canto agradável, invariavelmente correto, Anna Ratto parece ser cantora menos talhada para canções cujos versos são repetidos como mantras, caso de O seu olhar (Arnaldo Antunes e Paulo Tatit, 1995), exemplo de música mais vocacionada para a voz árida e por vezes cavernosa do próprio Arnaldo.
O contraste entre as vozes da cantora e do compositor é o colorido de Ela é tarja preta (Arnaldo Antunes, Betão Aguiar, Luê, Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro, 2013), música de suingue nortista abordada por Anna Ratto com a adesão de Arnaldo Antunes, avalista deste tributo idealizado originalmente para celebrar os 60 anos festejados pelo artista em 2020.
No fecho do álbum Contato imediato – Anna Ratto visita Arnaldo Antunes, a lembrança de Kaira (Arnaldo Antunes e Toumani Diabaté, 2011), pouco ouvida canção sobre o poder da música na mudança do ser humano, expõe tom mais filosófico do cancioneiro desse compositor que construiu obra multicolorida como a colagem exposta na capa do disco, cuja arte é criação de Pedro Colombo. Arranjada pela própria Anna Ratto, a faixa Kaira foi gravada em formato minimalista, somente com a voz e a guitarra da artista.
Mesmo sem apresentar nova combinação de cores ao visitar a obra de Arnaldo Antunes, Anna Ratto se redime pela elegância e leveza que pautam o álbum, como o single Ligado a você (Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Liminha, 2012) já havia sinalizado em setembro. A visita é agradável sem ser memorável.

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