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Duda Brack desfere contragolpes precisos no ‘macho rey’ no tom incisivo do álbum ‘Caco de vidro’

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Artista apresenta abrasiva narrativa feminina em disco com participações de Ney Matogrosso e BaianaSystem. Capa do álbum ‘Caco de vidro’, de Duda Brack
Guilherme Nabhan
Resenha de álbum
Título: Caco de vidro
Artista: Duda Brack
Edição: Matogrosso / Alá / Altafonte
Cotação: * * * * 1/2
♪ Segundo álbum de Duda Brack, lançado em 4 de novembro, Caco de vidro expõe inquietudes existenciais e agitações urbanas sob o prisma da mulher oprimida e por vezes até estilhaçada pela sociedade patriarcal.
Cantora e compositora gaúcha residente na selva da cidade do Rio de Janeiro (RJ), Duda Brack se enquadra na corrente feminina da música brasileira que, desde os anos 2010, vem levantando vozes contra o machismo e o comportamento masculino abusivo em letras escritas com autoestima.
No universo sertanejo, esse movimento destacou Marília Mendonça (1995 – 2021) enquanto cantoras como Anitta e Ludmilla marcaram posição no baile funk em sintonia com a ideologia feminista de artistas da cena indie com Duda Brack.
Caco de vidro é álbum que se insere nesse movimento em tom incisivo, com o qual Duda dá contragolpes certeiros no macho que ainda se vê como rei, cego pela prepotência. A propósito, Macho rey é o nome de música em que os compositores Ian Ramil e Juliana Cortes demolem com mordacidade o império masculino latino-americano.
Apresentada por Juliana Cortes no álbum 3 (2020), Macho rey se ajusta à moldura espessa do disco Caco de vidro em gravação pontuada pelos sopros arranjados por Cuca Ferreira (saxofonista da banda Bixiga 70) e pelo toque pontiagudo da guitarra de Gabriel Ventura, músico que orquestrou a produção musical do álbum com a própria Duda Brack.
A lírica debochada de Macho rey se afina com o recado direto mandado por Duda para ex-amor possessivo em Toma essa (Bruna Caram, 2020), música gravada com o grupo de percussão Os Capoeira – cujo baticum amalgama células rítmicas de pagode baiano, funk e maculelê – e lançada como terceiro single do álbum em novembro do ano passado.
“Toma essa / Vai ver se eu tô dançando em outra festa / Toma essa / Eu tô na pista com quem me interessa”, dispara Duda Brack com narrativa similar ao discurso difundido por Marília Mendonça no grande cabaré pop sertanejo.
“Tô tatuada, onde tá tu há dor ”, avisa Duda Brack, jogando com as palavras na poética concreta de Tu (André Varga e Júlia Vargas, 2018), faixa erguida sobre o paredão sonoro construído com a marcação cerrada da bateria de Barbosa e da percussão de Felipe Roseno.
Duda Brack regrava ‘Sueño com serpientes’, música do compositor cubano Silvio Rodriguez
Guilherme Nabhan / Divulgação
Exemplos do tom feminista do disco, Macho rey, Toma essa e Tu figuram entre as 11 músicas de álbum que teria 12 faixas se Duda tivesse incluído Pedalada (Duda Brack e Chico Chico, 2020), fonograma lançado como primeiro single do álbum, em março do ano passado, mas descartado na seleção final de Caco de vidro para evitar que a narrativa soasse repetitiva.
Narrativa abrasiva, aliás. Basta ouvir os versos iniciais (“O mundo quer cair / Você não sai daí / O mundo vai cair na sua cabeça”) da primeira das 11 músicas de Caco de vidro, Esmigalhado (Sandro Dornelles, 2016), para perceber que o disco se conecta de imediato com as urgências e intensidades do primeiro grande álbum da artista, É (2015), mas sem a mesma alta dose experimental desse antecessor imerso em ambiência roqueira.
Com as guitarras, os ruídos e as colagens de Caco de vidro, Duda Brack parte para o ataque em músicas como Contragolpe (Duda Brack e Gui Fleming, 2020), faixa – lançada como segundo do álbum em junho do ano passado – que embute a guitarra de Lúcio Maia e sample da gravação original de Lead of way (2017), música que abre Book of sounds (2017), álbum do grupo norte-americano Hypnotic Brass Ensemble.
No livro de sons de Duda Brack, a canção cubana Sueño con serpientes (Silvio Rodríguez, 1975) ocupa página especial, desdobrada em Caco de vidro com violões e efeitos que criam atmosfera onírica condizente com a lírica dessa música apresentada ao Brasil por Milton Nascimento no álbum Sentinela (1980).
Duda Brack canta ‘Ouro lata’ com Ney Matogrosso e com arranjo da banda BaianaSystem
Guilherme Nabhan / Divulgação
A latinidade dessa página do cancioneiro do compositor cubano Silvio Rodríguez – integrante do movimento musical conhecido como Nova Trova Cubana – ecoa, em outra latitude e com outra levada, na gravação de Ouro lata (Duda Brack, 2021), faixa lançada como single em setembro.
Com a voz metálica de Ney Matogrosso e o suingue da guitarra baiana de Beto Barreto (integrante da BaianaSystem, banda responsável pelo arranjo e produção musical da faixa), Ouro lata perfila o Brasil que desce ladeira no modelo do funil, como Duda Brack enfatiza no refrão evocativo do samba Lata d’água (Jota Junior e Luiz Antônio, 1952), sucesso da era do rádio na voz de Marlene (1922 – 2014). O arranjo da BaianaSystem embute células rítmicas do funk carioca, do ijexá da Bahia e do samba desse Brasil do ouro lata.
Composição de André Vargas, a música-título Caco de vidro (2021) surge densa, quase psicodélica, encorpada com as cordas do Avant Garde Quartet, orquestradas por Maycon Ananias.
As mesmas cordas adornam a regravação de Man (Alzira E e Itamar Assumpção, 1991), música lançada há 30 anos por Alzira E no álbum Amme (1991) com lírica afinada com o atual discurso musical feminista das mulheres do Brasil. “Quem é que você pensa que é, man? / Não diz que não, nem diz que sim / Vive me tratando assim”, enquadra Duda Brack com a mesma urgência detectada em Saída obrigatória.
Parceria da artista com Chico Chico, Saída obrigatória (2021) é música que dispara flash cotidiano da aglomeração humana no centro da selva da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Caco de vidro é álbum intenso como o canto de Duda Brack. Um disco que reitera a forte personalidade artística e vocal que fez Charles Gavin convidar Duda Brack em 2017 para ser a vocalista de Primavera nos Dentes, projeto calcado no revival (sem nostalgia) do repertório do grupo Secos & Molhados.
“Eu sempre fui de pular de trampolim / De ponta-cabeça”, se perfila a artista nos versos recitados de Carta aberta (Duda Brack, 2021) entre sons distantes do trombone de Vitor Tosta e do baixo de Yuri Pimentel.
Duda Brack pula e cai em pé, pisando firme sobre o império patriarcal. Neste segundo álbum Caco de vidro, a cantora e compositora se confirma relevante e, cheia de autoestima e razão, desfere contragolpes precisos no macho latino-americano.
Duda Brack canta ‘Man’, música de Alzira E e Itamar Assumpção, no álbum ‘Caco de vidro’
Guilherme Nabhan / Divulgação

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