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Arthur Nogueira se mantém no reino das palavras em álbum impulsionado pela poesia

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Artista paraense emerge como letrista em ‘Brasileiro profundo’, disco de nacionalidade distante dos clichês tropicais. Capa do álbum ‘Brasileiro profundo’, de Arthur Nogueira
Arte de Elisa Arruda
Resenha de álbum
Título: Brasileiro profundo
Artista: Arthur Nogueira
Edição: Edição do artista
Cotação: * * * 1/2
♪ Como a poeta judia de origem alemã Rose Ausländer (1901 – 1988), Arthur Nogueira vivencia na palavra a terra mátria – o Brasil, no caso deste cantor, compositor e produtor musical paraense, nascido em Belém (PA) em 1988.
Sexto álbum de Nogueira, em rotação nos players digitais desde 4 de fevereiro, Brasileiro profundo é disco enraizado no campo das palavras, tal como o antecessor autoral Rei ninguém (2017) e, de certa forma, como o mais recente Sucesso bendito (2021), songbook com canções incomuns de Caetano Veloso, compositor de sintaxe também poética.
A diferença é que, em Brasileiro profundo, a soberania poética é do próprio Nogueira, autor das letras de nove das 11 músicas cantadas que compõem o repertório inteiramente autoral deste álbum que inclui tema instrumental entre as 12 faixas.
As duas exceções são as músicas com versos assinados por Antonio Cicero – letrista da composição-título Brasileiro profundo (gravada com certa bossa perceptível na levada inicial do violão de Renato Torres) – e Jorge Salomão (1946 – 2020), ambos poetas do pop nacional projetado na década de 1980.
Duas das 12 músicas do álbum – Valente (2021) e Voo e mansidão (2021, esta om melodia do também paraense Pratagy, letrada por Nogueira em 2018) – desembarcaram nas plataformas em setembro e em novembro, respectivamente.
Acompanhado do livro também intitulado Brasileiro profundo e prefaciado por Adriana Calcanhotto, poeta que desfolha bandeiras na escrita modernista, o álbum chega ao mundo após a ascensão de Arthur Nogueira como produtor musical. Foi ele o piloto dos aclamados últimos discos de estúdio de Fafá de Belém (Humana, 2019) e da própria Calcanhotto (Só, álbum emergencial composto e lançado em 2020 no período pandêmico do isolamento social).
Arthur Nogueira assina nove das 11 letras do álbum ‘Brasileiro profundo’
Vitor Souza Lima / Facebook Arthur Nogueira
Surpreendentemente, Nogueira delega o poder da produção musical do disco Brasileiro profundo ao conterrâneo Leonardo Chaves, parceiro do artista na música Cabeça nas nuvens e multi-instrumentista que, ao dar forma ao álbum, se revezou nos toques de baixo elétrico, baixo fretless, guitarra, piano elétrico, sintetizadores e no comando das programações.
Com acento percussivo destacado em faixas que embutem células rítmicas do samba, como Mundo aberto e Treva branca, Brasileiro profundo é álbum governado pelas palavras. Todas as letras se sustentam sem música pela força poética dos versos.
Melodicamente, por vezes música e letra se irmanam, como em Tem horas que pareço eu, parceria de Nogueira com Jorge Salomão que sobressai na atual safra melódica do artista.
Fiel ao título, o disco expõe grau de brasilidade que soa como novidade na discografia autoral desse cantor e compositor projetado nacionalmente há sete anos quando Gal Costa deu voz ao rock Sem medo nem esperança (2015), parceria de Nogueira com o fiel colaborador Antonio Cicero, avalista de primeira hora da obra do artista paraense de atuais 32 anos.
Os timbres contemporâneos de músicos como Allen Alencar (guitarra), Thomas Harres (percussão) e Zé Manoel (piano) impedem que essa inusitada brasilidade afunde em clichês tropicais. Inclassificável e plural, como sublinha Antonio Cicero em versos da música-título, o Brasil profundo de Arthur Nogueira se distancia da alta temperatura dos trópicos.
Como exemplifica Parque da Utinga, as canções parecem soltas no ar, em atmosfera cool. O calor é existencial está entranhado nas palavras que, na canção Coração desperdiçado, se embrenham no reino universal do amor, banhando a sofrência em imersão cool, como se o coração batesse para dentro.
“Mais e mais / Canções hão de vir / … / E falar por mim”, avisa Nogueira em Liberdade, música de letra escrita para melodia de Allen Alencar.
Curiosamente, um dos voos mais altos do álbum Brasileiro profundo é puramente musical. Trata-se de Pássaro, tema instrumental de arquitetura clássica, peça solitária de sinfonia.
No arremate do disco, a canção Orlando devolve Brasileiro profundo ao domínio das palavras, ecoando a poesia que legitima e estende o reinado de Arthur Nogueira no universo da canção contemporânea brasileira do século XXI.

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