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Karol Conká cria álbum entre sessões de psicanálise e pagodão: ‘Enquanto produzia, fazia terapia’

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Em ‘Urucum’, ela narra o fim da ‘sofrência’ pós-BBB, com produtor do grupo baiano ÀTTØØXXÁ. Nas letras, Karol incorpora várias ‘personas’: ‘Falavam que sou fragmentada. Hoje consigo rir’. Karol Conká
Jonathan Wolpert / Divulgação
“Urucum”, 3º disco da Karol Conká, foi saindo entre uma sessão de terapia e outra de estúdio. O segredo foi “linkar a psicóloga, o RDD, a batida e a poesia” e, assim, tornar mais leve o “peso de uma das maiores experiências da minha vida”, ela diz.
RDD é Rafael Dias, produtor do grupo baiano ÀTTØØXXÁ, que já trabalhou com Anitta, Ludmilla e Pabllo Vittar. O craque do pagodão e outros beats afro-brasileiros produziu dez das onze faixas.
O “peso de uma das maiores experiências” que atormentou Karol foi, claro, o ‘BBB’ 21, do qual ela saiu com recorde de rejeição.
O produtor foi um pouco psicólogo, a terapeuta foi um pouco produtora e Karol Conká ficou surpresa de o álbum sair no meio de tanta “sofrência”. (“Já temos os sertanejos que fazem isso”, ela brinca, numa rara aspa irreverente entre falas sempre cuidadosas após o desastre do “BBB”.)
A cantora de 36 anos contou ao podcast g1 ouviu como lidou com o trauma e assumiu o meme da “Karol fragmentada”. Por trás das letras, ela diz. estão 4 personas: Karoline, Karol, Mamacita e Jaque Patombá, numa escala de calma a causadora.
Outro meme incorporado o “me bota no ‘paredãun'”. A dicção jocosa é uma das formas que ela usa para explorar a voz, expressiva como nunca em “Urucum”. Ouça abaixo e leia a entrevista a seguir.
Karol Conká
Jonathan Wolpert / DIvulgação
g1 – Como foi o encontro com o RDD e por que você acha que “deu match”, ainda antes do BBB?
Karol Conká – Conheço o Rafa há um tempo e, no final de 2020, a gente se juntou no meu estúdio para dar início a esse álbum, e compôs duas canções. Tivemos que parar para eu entrar no reality. Após minha saída, em abril de 2021, a gente se encontrou novamente. Aí já era outro rumo. As ideias que a gente tinha em 2020 mudaram pelas circunstâncias.
O “match” já foi de primeira porque o Rafa trabalha muito as referências afro. A música dele é bem brasileira e eu sempre gostei de deixar isso evidente também, buscando produtores que tragam esses elementos e que respeitem a cultura brasileira.
A sensibilidade dele comigo aqui no estúdio naquela turbulência que eu estava vivendo foi muito importante. Porque eu precisava me sentir calma e tranquila, e o processo criativo desse álbum funcionou como uma terapia para mim.
Esse processo aqui com o Rafa, enquanto eu produzia, fazia terapia e fazia as pazes com a vulnerabilidade, foi o que me trouxe leveza e clareza.
g1 – É louco que em “Subida”, feita por vocês antes do BBB, você fale de pessoas que “se perdem por likes e colecionem dislikes,”. Em que situação você escreveu esse verso?
Karol Conká – Essa música soa premonitória. Quando eu saí do reality, fiquei assustada: por que eu falei isso? Mas como meu processo criativo é muito intuitivo, é difícil explicar.
Esse trecho me deixa muito encucada, porque foi exatamente isso que a gente viu acontecer: as pessoas se perdendo por likes, julgando a minha atitude e tendo atitudes piores, usando suas redes sociais e seus números de seguidores para induzir mais o ódio coletivo, tudo isso querendo likes.
Era legal odiar e falar mal de mim. Eu me perdi dentro do jogo e pessoas se perderam aqui fora por conta de likes.
g1 – Ela estava pronta mesmo antes do “BBB”? Tinha uma ideia de lançar no programa?
Karol Conká – Não, essa era uma música despretensiosa que a gente fez para entrar no álbum. A que era para ser lançada enquanto eu estava no reality é a “Louca e Sagaz” produzida por WC [no Beat, DJ capixaba].
Era para ter sido lançada em fevereiro de 2021. Mas foi bem na época que o ódio estava demais. Então a equipe optou por dar uma segurada até para ver qual seria a decisão que eu queria tomar. Eu deixei para lançar no final de 2021.
Para mim não fazia sentido eu sair de lá e apresentar essa música com alegria e sedução, se eu estava vivendo um mergulho no remorso, culpa e vergonha.
Capa do álbum ‘Urucum’, de Karol Conká
Jonathan Wolpert com arte de Alma Negrot
g1 – Em algum momento após essa doideira toda de BBB você achou que não teria disco?
Karol Conká – Na minha cabeça, eu tinha que cuidar da minha saúde mental através da música. Com duas semanas intensas de estúdio, o RDD falou: “Você já escreveu umas 10 músicas. Eu falei: “Meu Deus, a última vez que fiz isso era adolescente.”
E eu falei: “Então tô botando para fora. Vamos lançar”. A gravadora disse: “Você tem todo o tempo do mundo para se recuperar de toda essa turbulência, não precisa se cobrar e nem correr para lançar”. E eu falei “Mas eu não fiz correndo, foi uma coisa assim ó: bum, saiu”.
Eu estou surpresa, não sei como eu fiz um álbum no meio da sofrência. Já temos os sertanejos que fazem isso (risos). Mas eu nunca tinha feito.
Eu não estava muito confortável em lançar em 2021. Era um ano de descoberta, de dor e autoconhecimento. Quis deixar o ano guardado para isso. E em 2022 vir o álbum da cura, depois de um ano já cicatrizado, para continuar contando a história depois do tombo.
g1 – Nessa música “Subida” e em outras como “Se sai” há elementos do pagodão baiano. É uma coisa que você conversou com o RDD ou só saiu da baianidade dele?
Karol Conká – Saiu naturalmente, a gente não teve essa conversa. Porque já era de se esperar o que viria do RDD, por todo o talento e referência musical baiana, que eu amo. Minha avó era baiana. Então eu tenho um pouquinho dessa cultura em mim
Todas as músicas têm no mínimo três referências musicais, tudo misturado, como o Brasil. Eu sempre deixei muito evidente essa mistura de referências afro nas minhas músicas. É algo óbvio, até por eu ser uma mulher preta, é natural. Está na minha ancestralidade.
Foi um processo orgânico e intuitivo. Geralmente nos álbuns a gente analisa o que vai ser e o que vai falar. Nesse era só botar para fora e fazer minha terapia enquanto eu musicalizo.
Linkar ta erapia, a psicóloga, o RDD, a batida e a poesia. Aos poucos fui me libertando do peso de uma das maiores experiências da minha vida.
Karol Conká no Lollapalooza 2022
Celso Tavares/g1
g1 – Às vezes você estava na terapia e dava um um clique para o disco, ou estava fazendo o disco e dava um clique para a terapia?
Karol Conká – Eu saía da terapia já entendendo que é natural de todo ser humano termos personas. Somos formados por camadas de acordo com a vivência de cada um. E aí eu trazia essa autoanálise.
Eu brincava com o RDD: “Quem vai escrever essa música agora é a Jaque Patombá, a Karoline, a Karol Conká, ou a Mamacita.” São quatro camadas que o Brasil me ajudou a identificar com os memes e as brincadeiras.
Todo mundo tem um lado Mamacita, que é mais imponente e sem paciência, Karol Conká, forte e poderosa, a Karoline, mais calma. Já a música “Cê não pode” foi escrita pela Jaquie Patombá.
g1 – A música “Fuzuê” fala de subir a temperatura. Foi bom voltar a poder ser essa Karol causadora?
Karol Conká – Sim, é muito bom. Faz parte da minha personalidade essa coisa agitada. Eu sou um agito e isso muitas vezes me incomoda e me traz problemas.
Eu tenho ansiedade e entendi que eu não precisava eliminar algo dentro de mim, e sim reeducar. Não preciso me transformar em algo que não combina com minha essência.
g1 – Você explora muito sua voz no disco. Você canta “cê num pode naun” parecendo “me manda pro paredãun”. Foi uma autoinspiração? Os memes te ajudaram a explorar a voz?
Karol Conká – É curioso porque eu já fazia esse “aun”. Na música “Lalá” (2017) eu falo desse jeito, e eu só me liguei depois do meme. Eu canto: “Eles ficam sem ‘açãum’ quando a gente sabe o que quer e já mete a ‘pressãum’”.
E aí não teve como fazer e não lembrar do do meme, porque era algo em mim que eu não tinha reparado. O reality me trouxe de presente essa lupa gigante em mim.
Karol Conká
Jonathan Wolpert / Divulgação
g1 – Tem uma parte do disco mais tranquila, como em “Calma” e “Sossego”. O que você pensou que te deu a paz dessas músicas?
Karol Conká – Lidar com a verdade e não ficar buscando coisa onde não tem. Na pandemia eu me coloquei no lugar das pessoas que estavam me odiando e entendi elas. No lugar delas eu também ia ficar chateada com as imagens, como eu fiquei me assistindo.
Lidar com o julgamento das pessoas foi doloroso, mas com meu próprio julgamento foi mais difícil. Lidar com meu abandono comigo mesma, sabe? Tudo ao nosso redor pode estar caindo, mas a gente não deve deixar de acreditar na gente. Isso é covardia conosco. Então eu comecei a me acolher. Entendi isso junto com a terapia e parei com o apedrejamento de mim mesma.
g1 – Fiquei com uma curiosidade: eu estou falando agora com a Karoline? Quem dá entrevista é a Karoline? Entendi isso, por você estar mais calma.
Karol Conká – Eu brinco que são todas em uma só. Aqui está tudo junto. Mas é legal separar, porque o público ficou fazendo essa brincadeira, não sei se você acompanhou.
Nos memes, eles falavam: “Aí a fragmentada”. Hoje eu consigo rir, porque eu sei que eu não tenho problema nenhum. Eu fui na terapia e entendi que foi apenas algo de um ser humano sob pressão.
Karol Conká no BBB21
Divulgação
g1 – Não é só o BBB que a gente pode analisar. Seu primeiro disco foi uma estreia arrasadora (“Batuk Freak”, de 2013), depois teve grandes sucessos avulsos, como “Lalá” e “Tombei”, claro. Mas seu segundo álbum, o “Ambulante”, de 2018, não fez tanto barulho. Com essa trajetória, o que você tirou de aprendizado para o terceiro álbum?
Karol Conká – Que não dá para demorar muito para lançar depois que a gente fala que já está fazendo. Eu me empolguei na época do ‘Ambulante’”, falei “já fiz, já terminei”. E tem todo um processo burocrático e planejamento de lançamento que demora.
Aprendi também a deixar mais fluido na hora de fazer. A diferença de “Urucum” para o “Ambulante” é o mergulho na vulnerabilidade e essa permissão de deixar as personas falarem. Antes eu canalizava em uma sensação e ia. Esse álbum é mais profundo, mais maduro e intenso.
Eu me cobrava muito músicas mais agitadas, porque é a parte de mim que o público mais gosta e a que mais vende. É como se eu tivesse ignorado as minhas outras personas e vivido só para a Karol Conká.
E tem a Mamacita, que é empresária, mais imponente, a Jaque, que dá uma desequilibrada e a Karoline, que dá uma centrada. Eu tinha virado as costas para essas pessoas. Elas não estão todas nos outros álbuns.
Karol Conká
Jonathan Wolpert / Divulgação

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