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Belchior diz (quase) tudo em filme que dá pistas do caminho seguido pelo coração selvagem do artista

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Atração do 27º festival ‘É tudo verdade’, em sessões virtuais e presenciais, documentário de Camilo Cavalcanti e Natália Dias foca o cantor na primeira pessoa com trechos de entrevistas e músicas. Belchior em entrevista do início dos anos 1970
Reprodução / Vídeo
Resenha de documentário do 27º festival É Tudo Verdade
Título: Belchior – Apenas um coração selvagem
Direção: Camilo Cavalcanti e Natália Dias
Roteiro: Camilo Cavalcanti, Natália Dias e Paulo Henrique Fontenelle
Produção: Clariô Filmes
Cotação: * * * *
♪ Sessões do filme Belchior – Apenas um coração selvagem no 27º festival É tudo verdade :
7 de abril – 20h: Espaço Itaú de Cinema Augusta (SP)
7 de abril – 20h: Espaço Itaú de Cinema Botafogo (RJ)
7 de abril – 21h: É Tudo Verdade Play – Limite de 1800 espectadores virtuais
8 de abril – 13h: É Tudo Verdade Play – Limite de 200 espectadores virtuais
♪ Antonio Carlos Belchior (26 de outubro de 1946 – 30 de abril de 2017) é um dos enigmas mais indecifráveis da música brasileira.
Diretores de ainda inédito documentário sobre o artista cearense, os cineastas Camilo Cavalcanti e Natália Dias acertam ao evitar tentativa vã de desvendar os mistérios do cantor a partir da exposição linear de depoimentos de familiares, amigos, colegas de profissão e críticos de música, estes alvejados pelo artista na parte final do filme (“Nunca fico com raiva do que escrevem sobre mim. A maior parte dos críticos não tem competência para tratar do que está tratando”).
É dando voz ao próprio Belchior – através de reproduções de trechos de entrevistas e músicas do artista, encadeados no roteiro de forma a perfilar o artista em linha do tempo que foge do formato Wikipedia – que os diretores dão pistas dos caminhos seguidos pelo coração selvagem do cantor, compositor e músico morto há cinco anos após passar cerca de uma década recluso, ou “sumido” no entender da mídia, entre o Uruguai e o sul do Brasil.
É na exposição da ideologia de Belchior sobre a vida e a Arte que reside a força e a sensibilidade do documentário. O filme deixa a impressão de que Belchior disse (quase) tudo antes de sair de cena em jorro de pensamento e ideias que, diga-se, nem sempre reproduziram a verdade dos fatos.
“É muito bom ser descoberto, né, Brasil?”, já diz o cantor, maroto, para plateia com quem interagiu em conversa exposta no início do filme. Nesse papo com o público, o cantor se apresentou como Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, grande nome que nunca constou na certidão de nascimento expedida há 76 anos na cidade de Sobral (CE).
Esse nome pomposo era invenção de cabeça guiada pelo coração em um universo particular – e o peso dessa cabeça caiu nas letras densas e angustiadas escritas pelo compositor de música caracterizada como “autobiográfica, contemporânea e nordestina” pelo próprio Belchior.
“Tudo que eu tenho para dizer são as coisas que estão escritas nas minhas letras”, resumiu, certa vez, o artista. Mesmo assim, a partir das entrevistas, dá para ter pistas do que ia dentro da cabeça de um homem que estudou em colégio de frades (“Onde aprendi as coisas boas da vida: vinho, charuto e mulheres”), que foi seminarista na juventude e que se deixou influenciar pelos salmos – “A esperança do paraíso marca o nordeste” – antes de partir para a “aventura cheia de romantismo e loucura” de migrar para a “vertigem da cidade grande”.
Foi no eixo Rio de Janeiro-São Paulo que Belchior começou a chamar atenção no alvorecer da década de 1970 após período de agitação cultural em Fortaleza (CE).
A imagem do cantor no V Festival Universitário de Música Brasileira em 1972 – para reapresentar em interpretação exteriorizada a canção Na hora do almoço (1971), vitoriosa na edição anterior do festival – é um dos atrativos de roteiro que também abre espaço para rebobinar o arrepiante registro de Como nossos pais (1976) na voz de Elis Regina (1945 – 1982).
Ao longo do filme, versos de letras e poemas de Belchior também são ouvidos na voz do ator Silvero Pereira em seis intervenções, com destaque para a récita dramática da letra de Como o diabo gosta (1976), uma das músicas do álbum Alucinação (1976), obra-prima da discografia de Belchior.
“(Esse disco foi o) primeiro trabalho de dicção nova na MPB”, vangloriava-se Belchior ao explicar que, na época, a maioria dos compositores de MPB se comunicava através da metáfora para dar o recado sem passar pelo veto da censura.
O compositor preferia adotar discurso direto. “A minha música é uma extensão da palavra”, reforça Belchior, em outro momento do filme, corroborando que (quase) tudo foi mesmo dito através das letras.
Entre exposições de fotos raras da juventude do artista (algumas com o conterrâneo parceiro Raimundo Fagner), de galeria com capas de discos e números musicais de programas de TV dos anos 1970, o roteiro de Belchior – Apenas um coração selvagem – bem construído pelos dois diretores com Paulo Henrique Fontenelle – emociona na medida em que vai deixando claro que foca artista sincero, movido pela Arte. E que, se esse artista sumiu na poeira da estrada, foi menos por falta de dinheiro e mais por estranha força interior que o levou a se retirar de cena quando se sentiu menos importante no mercado.
Previsto para ser exibido em 2023 no Canal Curta!, após percorrer circuito de festivais em rota iniciada neste mês de abril com as quatros sessões presenciais e virtuais da 27ª edição do festival É tudo verdade, o sensível filme de Camilo Cavalcanti e Natália Dias toca brevemente no sumiço do artista sem tentar decifrar enigma sem solução, em que pesem as pistas dadas por Antonio Carlos Belchior ao longo da vida e sobretudo da Arte.

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