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Titãs oscilam entre artificialidades e simplicidades do repertório inédito do álbum ‘Olho furta-cor’

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Capa do álbum ‘Olho furta-cor’, da banda Titãs
Divulgação
Resenha de álbum
Título: Olho furta-cor
Artista: Titãs
Edição: Midas Music
Cotação: ★ ★ ½
♪ “Os olhos dos outros vão te fazer ver”, sentencia Sergio Britto em um dos versos do refrão do rock Há de ser assim, uma das 14 músicas inéditas que compõem o repertório essencialmente autoral do álbum comemorativo de 40 anos de carreira da banda Titãs, Olho furta-cor.
O disco está sendo lançado hoje, 2 de setembro, um mês e meio após ter sido anunciado em 14 de julho pelo single que apresentou o rock anarquista Caos, presente de Rita Lee e Roberto de Carvalho (também com assinatura do filho Beto Lee).
Pelo olhar dos outros, é possível que Branco Mello, Sergio Britto e Tony Belotto – integrantes remanescentes da formação clássica dos Titãs, grupo que abarca atualmente, como músicos convidados, o guitarrista Beto Lee e o baterista Mario Fabre – vejam que é impossível analisar Olho furta-cor sem levar em conta que se trata de disco da banda paulistana que legou álbuns fundamentais do rock brasileiro da década de 1980, precisamente Cabeça dinossauro (1986) e Jesus não tem dentes no país dos benguelas (1987).
Sob tal prisma, o álbum Olho furta-cor sucumbe à qualquer comparação com discos da fase áurea dessa banda que pareceu recuperar momentaneamente o fôlego com Nheengatu (2014), álbum potente, o último do grupo com o vocalista, guitarrista e compositor Paulo Miklos, integrante que contribuía decisivamente para a produção autoral dos Titãs.
Com a saída de Miklos em julho de 2016, Branco, Britto e Bellotto vem se esforçando para manter os Titãs nos trilhos. E, verdade seja dita, Olho furta-cor é disco digno. Pode estar longe de “traçar um paralelo entre a poesia concreta, a essência humana e o cenário político atual”, como alardeia a propaganda oficial do disco, mas tem lá alguns bons momentos entre as 14 faixas.
Se os Titãs tivessem seguido o lema do rock básico Como é bom ser simples (Branco Mello, Bento Mello e Hugo Possolo), tão pueril quanto afinado com o momento de quem (como Branco Mello) subitamente teve que ir à luta contra tumor na garganta, talvez o álbum Olho furta-cor ficasse acima da linha dos discos medianos.
A preocupação de fazer um rock “brasileiro” levou o grupo a abrir o disco com canto ritualístico do povo indígena Xingu. Turbinado com riff de guitarra e o peso de bateria bem marcada, esse canto – ouvido nas vozes de crianças arregimentadas no paulista Instituto Anelo – gerou Apocalipse só (Sergio Britto e Tony Bellotto), faixa que abre Olho furta-cor sem o impacto da introdução do álbum Õ blésq blom (1989) – outro título emblemático da discografia da banda – com o casal de repentistas Mauro e Quitéria.
Banda Titãs reúne 14 músicas inéditas no repertório essencialmente autoral do álbum ‘Olho furta-cor’
Tony Santos / Divulgação
Como é bom ser simples e poder apresentar fluente balada-rock como Um mundo (Sergio Britto e Tony Bellotto) sobre a polarização que, além da política, asfixia também as relações humanas. “Temos nada em comum / Só certeza de tudo”, sublinha ironicamente Bellotto no refrão.
Há também salutar simplicidade na balada Papai e mamãe, composta por Sergio Britto com o olhar da filha adolescente. Já o flerte pretensamente modernista com a poesia concreta de Haroldo de Campos (1929 – 2003), cujo poema São Paulo gerou duas faixas, soa meio fora da ordem em São Paulo 3 (Sergio Britto sobre o poema de Haroldo de Campos).
Eu sou o mal (Tony Bellotto) se vale do peso do hard rock para propagar o perfil de malvado que, contrariando a virulência punk entranhada na faixa, parece saído do universo lúdico da Jovem Guarda, em cujo mundo também caberia o humor do boogie rock’n’roll Eu sou o melhor amigo do cão (Tony Bellottto e Bento Mello).
As flores também parecem de plástico quando Sergio Britto tenta emular códigos do cancioneiro latino-americano na levada folklórica da música em espanhol Los galletas. Já Raul (Sergio Britto) desce bem ao exaltar a cultura nordestina, esboçando a pisada do baião antes de cair em hardcore que parece reproduzir o som da banda Raimundos nos anos 1990. Sim, a faixa está mais para Raimundos do que para Raul Seixas (1945 – 1989).
Mais opaca, a balada Preciso falar (Tony Bellotto) versa sobre relacionamento entre homens, mas parece ter entrado no disco somente para situar o álbum Olho furta-cor na pauta da atualidade.
Ao fim, os rocks Miss Brasil 200 (Mário Fabre) – perfil que combina as cores vivas com os tons desbotados do país no bicentenário da Independência – e São Paulo 1 (Sergio Britto sobre poema de Haroldo de Campos) reanimam o espírito roqueiro do disco gravado com produção musical de Rick Bonadio e Sergio Fouad.
Enfim, qualquer olhar minimamente justo sobre o 17º álbum de estúdio dos Titãs tem que levar em consideração o passado glorioso da banda, para evitar a condescendência, mas também o fato de que – sem Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer (1961 – 2001), Nando Reis e Paulo Miklos – Branco Mello, Sergio Britto e Tony Belotto vem fazendo o que podem.
E, justiça seja feita, o álbum Olho furta-cor pode até oscilar, mas, no confronto com as jogadas puramente comerciais de discos como As dez mais (1999), soa corajoso (por ter somente músicas inéditas) e merecedor de crédito, sobretudo quando troca a artificialidade pela simplicidade.
Titãs transitam por rocks, baladas e música latina no repertório inédito e autoral do álbum ‘Olho furta-cor’
Tony Santos

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