Festas e Rodeios

‘O erro de uma mulher reflete em todas’, diz Renata Mendonça, comentarista da Copa

Published

on

Jornalista do SporTV fala sobre os desafios de comentar futebol. Nesta semana, o g1 conta as histórias das profissionais que vão cobrir a Copa do Mundo de 2022. A Copa do Mundo acabou de começar e um episódio já marcou o evento para Renata Mendonça, jornalista de 33 anos escalada para comentar os jogos pelo SporTV. Algumas semanas atrás, ela estava no aeroporto com outros integrantes da equipe de jornalismo esportivo da Globo indo do Rio a São Paulo para um compromisso com a emissora.
“Estávamos esperando por lá, quando um menininho, com o álbum da Copa na mão, me cutucou e disse, ‘você é a Renata Mendonça’, e eu confirmei. Aí, ele virou animado ‘você está no álbum!’. Aí ele viu a Natália Lara, e falou ‘vocês estão no álbum'”, conta.
A empolgação do garoto era pelo fato de haver uma propaganda do SporTV no álbum e foi por isso que ele pediu autógrafo para Renata.
Nesta semana, o g1 conta as histórias das profissionais que vão cobrir a Copa do Mundo 2022. Veja, de segunda a sábado, entrevistas com comentaristas e narradoras que você já ouviu ou vai ouvir durante os jogos no Catar.
Pode até parecer uma cena corriqueira para quem está na TV, no entanto, para Renata, é simbólica: um garoto, que conhece, sabe e gosta de futebol, já entendeu que o esporte também é para meninas, e que mulheres também cobrem a Copa.
“É a mudança que a gente quer ver: é futebol, é para todo mundo. Acho que agora as meninas vão crescer em um universo diferente do que aquele que a gente cresceu”, afirma.
A comentarista conta que teve a sorte de crescer perto do esporte, muito por causa do seu irmão mais velho. “Naquela história de que meninos brincam de uma coisa, meninas de outra, eu tinha a liberdade de escolher, porque, no fim das contas, estava brincando com o meu irmão”, lembra. “Jogava bola, vôlei, e minha aula favorita era educação física.”
Relembre as trilhas mais recentes das Copas do Mundo
Em casa, em Sorocaba, interior de São Paulo, era companhia para o pai na hora de assistir às partidas do São Paulo, time da família. Quando tinha 10 anos de idade, lembra que ficou enfurecida com o pai quando soube que ele tinha levado o irmão ao estádio, em São Paulo, e a abandonou.
O pai chegou e precisou encarar a fúria da garota. “Ele disse que pensou que eu não ia curtir. Imagina se não? Eu estava sempre assistindo às partidas na TV com ele”, afirma. “Era o que ele absorvia da sociedade. Só respondi que ele ia ter de me levar de qualquer jeito em outro jogo”, lembra.
Pouco tempo depois, a promessa foi cumprida, e a mini-Renata estava na estrada para ver o clássico Santos e São Paulo, no Estádio do Morumbi. “Ali é muito característico, a rua que sobe para os portões. Vi o estádio por dentro e lembro até hoje da percepção de olhar e falar, ‘caramba, é enorme’. A gente não tem essa noção pela TV”, conta.
Natália Lara, Renata Mendonça, Natália Silveira e Ana Thaís Matos: jornalistas vão cobrir Copa por SporTV e Globo
Reprodução/Twitter da jornalista
Naquela época, ainda eram permitidas as duas torcidas no estádio. Os santistas, em menor quantidade, fizeram a festa quando o time marcou um gol. “Pude ver a comemoração deles. Sentia o estádio todo pulsar. Era um jogo de grande público”, diz. “Quando fiquei mais velha e me mudei para a capital, passei a ir com frequência ao estádio”, conta.
Para registro, apesar do gol do time da Vila Belmiro, o São Paulo ganhou a partida.
“Eu gosto muito de estar no estádio. Essa conexão de arquibancada é um negócio que me pegou e não quero perder.”
Estreia no esporte
Renata Mendonça é uma das comentaristas da Copa do Mundo 2022
Divulgação
Assim que começou a faculdade de jornalismo, uma certeza Renata tinha: ela ia trabalhar com esporte. Até mesmo nos processos seletivos de estágio, lá em 2009, quando era perguntada onde ela se via dali cinco anos, a resposta era única. “Eu falava que estaria cobrindo a Copa de 2014. E isso realmente aconteceu, foi uma realização.”
O caminho não deixou de ser sinuoso. “Era o tempo inteiro pessoas duvidando da sua capacidade, achando que você não está preparada para estar ali porque você é mulher”, afirma. “Muitas mulheres desistem da carreira porque estão constantemente duvidando da capacidade delas.”
Renata lembra de um episódio e que hoje, diz, teria uma reação diferente. Ainda em um estágio, em no portal de um canal esportivo, um chefe, ao fazer a avaliação da sua performance, disse que não confiava nela para enviá-la aos treinos dos times de futebol.
“Ele disse que não sabia se eu saberia o que perguntar para os jogadores. Ora, o papel de um repórter é esse. Se eu não sei fazer isso, por que ele me contratou, então? Além disso, eu era a que menos errava ali, porque conferia tudo, tudo”, conta.
Grafite, Dandan e Renata Mendonça durante transmissão no SporTV
Reprodução
Em 2015, para trazer mais mulheres ao esporte, ela cofundou o “Dibradoras”, uma plataforma de conteúdo esportivo com o foco no público feminino. Renata conta que a ideia surgiu de dois grupos de Facebook que discutiam futebol. Nos dois, a esmagadora maioria era formada por homens, e as mulheres, ela conta, ficavam desconfortáveis em comentar.
“A gente cresceu tendo que responder uma espécie de teste para provar que gostamos de futebol. Perguntam o que é impedimento, a escalação do time. Ficávamos achando que iriam julgar pelo comentário, então, ninguém comentava.”
O jeito foi criar esse ambiente mais confortável, com direito a podcast, aproveitando o início da Copa do Mundo feminina de futebol.
A opinião
Até então, mulheres nunca tinham sido protagonistas em uma transmissão. O papel delas ficava restrito ao da reportagem ou ao da apresentação, e não ao da narração ou ao do comentário.
“Nunca imaginei que pudesse ser comentarista. O [narrador] Everaldo Marques conta que quando era pequeno já jogava futebol de botão narrando. Eu jogava futebol de botão com o meu irmão e era ele quem narrava. Jamais imaginei que eu pudesse fazer isso.”
Natália Lara, Renata Mendonça, Natália Silveira e Ana Thaís Matos: jornalistas vão cobrir Copa por SporTV e Globo
Divulgação/TV Globo
Mudar essa chave e começar, de fato, ser comentarista foi um processo com muitas dúvidas. “Por receio, a gente enfrenta algumas situações de não conseguir falar. Até no programa, toda vez que vai tentar falar, te abafam”, afirma. “Mas tem que ir até o fim, tem que ser firme. Eu nunca deixei de dar a minha opinião.”
Ela diz, na verdade, que a sensação seria de que o seu comentário é pouco ou nada relevante, e isso vem desde a época do colégio. “Parece que a minha voz é um zilhão de vezes mais baixa, até hoje, sendo comentarista de futebol”
Uma das situações recorrentes, ela conta, são os encontros com pessoas conhecidas, quando estão em um bar, por exemplo. “Perguntam para o meu marido, que é engenheiro e pouco ligado em Seleção Brasileira, se ele acha que o Brasil seria hexa, e não perguntam para mim”, diz.
“Fico pensando, se fosse o PVC, será que perguntariam para a mulher dele o que ela acha?”
Erro de uma é o erro de todas
Renata diz que existe uma peculiaridade que envolve todas as mulheres do jornalismo esportivo: não pode errar, e isso é uma grande responsabilidade. “O erro de um homem é só dele. O erro de uma mulher vai refletir em todas”, afirma.
“É um fardo. O erro não é personificado, ele vai para o lado de ‘tá vendo, por que estão dando espaço para mulher?'”, diz.
Por isso, a dedicação aos estudos é imprescindível, muito maior até do que os outros companheiros – homens – de bancada precisariam. “Um homem desconhecido chega na televisão para falar de futebol, mesmo sem entender nada, parte do zero. Eu saio do menos 10 e tenho que reverter essa nota.”
Uma das situações que ela lembra foi quando fez um comentário sobre a chegada do jogador Arturo Vidal ao Flamengo. Ela estava na transmissão, via Skype, comentando que ele não tinha feito muitos jogos como titular como pela Inter de Milão, mas que seria uma boa aquisição para o time carioca.
Do estúdio, um colega de bancada fez comentário parecido, mas disse que o jogador tinha feito cerca de 26 jogos como titular pelo time italiano, contradizendo Renata.
“Fiz uma cara de espanto na transmissão e logo veio um tuíte de um torcedor dizendo que eu tinha ficado sem graça por ter sido corrigida ao vivo”, lembra. No entanto, Renata tinha feito sua apuração e mostrou para o comentarista do estúdio que o seu número era o correto.
“Ele admitiu e pediu desculpas pelo erro dele no bloco seguinte, mas o tuíte do cara já tinha viralizado”, conta.
Renata entrou em contato com o dono do tuíte que acabou apagando a postagem. “Foi a única vez que eu rebati um comentário em uma rede social. O cara disse que o comentarista nunca errava e ele tinha confiado na informação dele”, lembra.
“Mesmo quando não comento o erro, eu, como mulher, corro o risco de reverberar algo que não falei.”
Copa das mulheres
Renada Mendonça comenta a Copa do Mundo 2022
Divulgação
Para Renata, essa Copa de 2022 já é um marco, e tem que ser comemorado. O time de mulheres na cobertura está sendo formado.
Além dela, tem Natália Lara e Renata Silveira, na narração pelo SporTV e pela Globo, e Ana Thais, nos comentários ao lado de Galvão Bueno, a árbitra Fernanda Colombo, comentando a arbitragem, a jogadora Formiga, e Jojo Todynho, na Central da Copa, ao lado de Alex Escobar.
“O que me chama atenção e de certa forma me deixa mais emocionada é que, pela primeira vez, vai ter mulher protagonista nas transmissões na maior emissora do país. Nunca mais a gente vai ver uma Copa sem mulheres nesses papéis”, afirma. “E é importante porque é o principal evento esportivo do mundo, né?”
Para ela, as meninas que vão assistir esta Copa agora vão poder se abrir para a possibilidade desta carreira, vão poder sonhar em estarem ali. “Isso é inegociável. É uma possibilidade que a gente não tinha.”
Porém ela sabe que vem junto também a cobrança de não errar. “Dá um desespero, eu tenho dez jogos para estudar, catorze seleções. É um desafio, mas vai dar tudo certo”, afirma. “Mais do que um sonho meu, estamos representando a possibilidade de as meninas sonharem. Daqui quatro anos, pode me cobrar, vai ter mais mulheres cobrindo a Copa.”

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.