Festas e Rodeios

Nina Wirtti cultua a liberdade, entre o sagrado e o profano, no trilho contundente do álbum ‘Flor da estrada’

Published

on

Residente no Rio de Janeiro, artista gaúcha mixa tradições e contemporaneidades em disco feito sob direção musical do ritmista Marcelo Costa e do irmão Guto Wirtti. Capa do álbum ‘Flor da estrada’, de Nina Wirtti
Gabi Lopes
Resenha de álbum
Título: Flor da estrada
Artista: Nina Wirtti
Edição: Edição independente da artista
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Nina Wirtti emerge sã da loucura, motor da cantora no percurso que a conduziu ao desabrochar de Flor da estrada, terceiro álbum dessa artista gaúcha residente há 16 anos na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Em rotação desde sexta-feira, 20 de janeiro, Flor da estrada é disco que cultua a liberdade em repertório em que Nina cruza tradições e contemporaneidades sob a moderna direção musical do irmão Guto Wirtti (guitarra, violão, baixo, teclados e sintetizadores) e Marcelo Costa (percussões), produtores do álbum ao lado da artista.
Ora profanando o sagrado, ora consagrando o profano, em rota sempre surpreendente, a cantora reitera virtudes já evidenciadas no primeiro álbum, Joana de tal… (2012). O frescor daquele promissor disco de estreia ressoa em Flor da estrada com o acréscimo da contundência.
Formatado em estúdio entre 2020 e 2022, tendo como norte o show transmitido pela artista pela internet na era pandêmica com Guto e Marcelo, o álbum Flor da estrada se afina com as pautas comportamentais e políticas dos tempos atuais sem cair em terreno panfletário.
Musicalmente, o disco está enraizado no mix de guitarras, sintetizadores e percussões, ecoando ancestralidades afro-brasileiras e tradições gaúchas.
Se Donas da alegria (Luiz Antonio Simas) põe na roda samba, umbanda e congo, no giro que já aponta na abertura do disco a veia feminina que pulsa em Flor da estrada, o toque da guitarra de Guto Wirtti em Brasilhana (Talo Pereyra e Robson Barenho) corta qualquer traço tradicionalista dessa milonga libertária que atravessa fronteiras hermanas em nome da igualdade e da democracia.
Com a dose de loucura proporcionada pela liberdade, Nina faz o próprio Carnaval nos versos de Catedral do inferno (Cartola e Hermínio Bello de Carvalho, 1974) – ecoando as palavras e a folia indomada da cantora e atriz Marlene (1922 – 2014), voz da era do rádio – e perfila um Cristo humanizado, de carne, osso e gargalhadas, em Jesus (Paulo Baiano e Marcos Sacramento) no cruzamento entre sagrado e profano que pauta o disco.
Em contraponto, o som do órgão pilotado por Guto em Bela cigana (João Nogueira e Ivor Lancellotti, 1978) evoca sons sagrados entre a batida hipnótica dos surdos percutidos por Marcelo Costa na gravação de música que enfoca entidade afro-brasileira.
Marcelo Costa (à esquerda), Nina Wirtti e Guto Wirtti assinam juntos a produção do álbum ‘Flor da estrada’
Gabi Lopes / Divulgação
Em outra estação, Cheirando a primavera (Talo Pereyra e Robson Barenho) segue de início a toada do lirismo bucólico dos últimos românticos em rota guiada pelo toque do acordeom de Bebê Kramer – o mesmo acordeom que, à medida em que a faixa avança, fica mais sinuoso, remetendo aos sons da fronteira gaúcha e ao tango portenho.
Do sul, vem Cativeiros (Antonio Gringo), uma das faixas-síntese do disco por fazer ode à liberdade em letra escrita com versos como “Quantos homens nas gaiolas desta vida / Aprisionados pela empáfia do poder / São como pássaros cativos da injustiça / Morrendo aos poucos na prisão do mal viver / Quero ver pássaros e homens livremente / Romper na vida toda forma de prisão / Que só o amor e a liberdade nos cativem / Aprisionando-se em cada coração”.
Antonio Gringo, autor da música, é pai de Nina e participa da gravação de Cativeiros, em que também figura Grazie Wirtti, irmã da cantora, em universo familiar.
Na sequência do disco, Terê (Yan Fachini e Iara Ferreira) mixa sons sintéticos e orgânicos através do baticum de Marcelo Costa (pandeirão, mini djambê, atabaque e talking drums) enquanto Teus olhos (Nina Wirtti e Marcos Sacramento) se revela bolero acetinado pelo fraseado do bandolim de Luis Barcelos, partner de Nina Wirtti no primoroso álbum anterior da discografia da artista, Chão do caminho – Voz e bandolim (2017).
No arremate do álbum Flor da estrada, a voz de Socorro Lira introduz Deusa livre (2021), parceria da compositora paraibana com o conterrâneo Chico César.
“Deusa livre / De ser livre só de vez em quando / De ser presa fácil do bando”, joga com as palavras Nina Wirtti na letra da música que apresentou em single editado há dois anos, no meio do percurso que a conduziu ao belo desabrochar do álbum Flor da estrada.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.