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Bárbara Eugênia morde a maçã com gosto em disco em que refina pérolas do cancioneiro popular

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Artista encara a sofrência em ‘Foi tudo culpa do amor’, álbum produzido por Zeca Baleiro com dueto com Fernando Mendes e abordagens sedutoras de hits dos cantores Reginaldo Rossi, Diana, Joelma e Wando. Capa do álbum ‘Foi tudo culpa do amor – Pérolas populares vol. I’, de Bárbara Eugênia
Juliana Rubin com arte de Filipe Catto
Resenha de álbum
Título: Foi tudo culpa do amor – Pérolas populares vol. I
Artista: Bárbara Eugênia
Edição: Saravá Discos / Bárbara Eugênia
Cotação: ★ ★ ★ ★ ½
♪ Na era em que beatmakers são (devidamente) creditados como compositores porque as batidas das músicas abafam as melodias cada vez mais rarefeitas do universo pop, não está sendo fácil reunir canções inéditas de formato mais vintage.
Para vozes que prezam e buscam melodias, uma das saídas é se voltar para o cancioneiro de tempos idos. É o que Bárbara Eugênia faz em Foi tudo culpa do amor – Pérolas populares vol. I, álbum gravado com produção musical e arranjos de Zeca Baleiro e programado para ser lançado na sexta-feira, 3 de março.
No primeiro disco como intérprete, a cantora e compositora fluminense – residente há anos na cidade de São Paulo (SP) – lapida dez joias do cancioneiro popular romântico do Brasil. São músicas rotuladas como bregas ou cafonas no dicionário das elites culturais, mas nem por isso menos interessantes. Ou até por isso interessantes.
Escorada na produção de Baleiro, admirador confesso deste cancioneiro de sentimento exposto em letras diretas escritas sem metáforas ou analogias, Bárbara Eugênia refina as canções sem ar modernoso ou de superioridade, mas com sofisticação já sinalizada pela arte do disco, criada por Filipe Catto com Juliana Rubin (autora das fotos).
Os arranjos geralmente seguem por caminhos distintos dos registros originais, com exceção da sedutora abordagem da canção Meu fracasso (Reginaldo Rossi, 1981), mas sempre há o devido respeito por melodias e letras.
Os beats de Erico Theobaldo e os toques do synth de Pedro Cunha (também nos teclados) criam outras camas harmônicas, mas jamais tentam se impor sobre as composições ao longo do disco, gravado também com os músicos Bianca Godoi (baixo) e Rovilson Pascoal (guitarra).
Eugênia morde a maçã com gosto e sem culpa, se entregando ao prazer de dar voz a músicas em geral aliciantes pela beleza e força contidas na simplicidade. Aliás, o álbum Foi tudo culpa do amor flagra a cantora em movimento coerente para quem sabe que Eugênia já incursionou com sofisticação pelo território da canção popular romântica no autoral segundo disco, É o que temos (2013), lançado há dez anos.
E, justiça seja feita, a seleção de repertório – escolhido pela cantora e Baleiro a partir de playlist que totalizou cerca de 80 músicas – geralmente foge da obviedade. Nesse sentido, a escolha do primeiro single do álbum, Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1970), lançado em janeiro, soou infeliz por ter dado pista falsa da seleção, já que a sofrida balada lançada na voz de Márcio Greyck vem sendo periodicamente regravada desde o lançamento há 53 anos.
Bárbara Eugênia canta música lançada por Joelma em 1969 no álbum ‘Foi tudo culpa do amor’ como se a canção fosse um sucesso do grupo ABBA
Juliana Robin / Divulgação
Há pérolas raras no álbum. Uma delas é Nasce do silêncio uma saudade (1969), versão em português (escrita por Adriano Celestino) da canção italiana Le stagioni dell’ amore (Remo Germani, Alessandro Lovotti e Gianni Sanjust, 1967), apresentada ao mundo na voz da cantora Milva (1939 – 2021).
Sucesso da cantora capixaba Joelma (homônima da Joelma revelada em 1999 como vocalista da Banda Calypso), Nasce do silêncio uma saudade ganha intencionalmente ar de canção do grupo sueco ABBA na fluente gravação de Bárbara Eugênia e se impõe como um dos muitos pontos altos do álbum.
Outro destaque é a faixa-título Foi tudo culpa do amor (1974), parceria do então casal Diana e Odair José. Lançada na voz da cantora e gravada por Odair onze anos depois, em 1985, a canção ressurge com a devida melancolia no canto de Bárbara Eugênia no arranjo de sotaque country que evidencia o toque preciso da guitarra de Rovilson Pascoal.
Matéria-prima do cancioneiro sentimental, a sofrência aparece mais diluída na abordagem – em ritmo de reggae – de Mentira (1972), composição de Osmar Navarro (1930 – 2012) lançada na voz de Evaldo Braga (1947 – 1973), cantor morto há 50 anos.
O reggae é levado com coro evocativo do universo da canção kitsch, dando relevo à recorrente participação de Julia Valiengo como vocalista do disco com intervenções evidenciadas sobretudo no arranjo de vozes que encorpa Não vou mudar (Fernando Mendes e Dom Wander, 1973) ao fim da gravação.
Cabe lembrar que, no ano em que Evaldo Braga morreu, o cantor e compositor mineiro Fernando Mendes lançou o primeiro álbum, de cujo repertório Bárbara Eugênia e Zeca Baleiro pinçaram essa música Não vou mudar, outra surpresa do disco. A faixa é cheia de groove black, traço incomum do cancioneiro de Mendes, convidado afetivo da gravação de Eugênia.
Primeiro sucesso da dupla Jane & Herondy, Não se vá (Tu t’en vas – Alain Louis Bellec, 1974, em versão em português de Thina, 1976) surpreende menos porque já tinha sido revivido no ano passado por João Gordo com Marisa Orth no álbum Brutal brega (2022).
Ainda assim, o dueto de Eugênia com Baleiro em Não se vá dá charme a disco em que a cantora também revitaliza hit da banda pernambucana Trepidant’s, Vai vadiar (Davidson e Vicente Jr., 1986) e dá voz reverente ao maior sucesso da cantora Kátia, Qualquer jeito (1987), versão em português de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (1941 – 2022) para It should have been easy (Bob McDill, 1981).
Sem a culpa e com o prazer evidente no álbum, Bárbara Eugênia ainda saboreia Gosto de maça (1978), sucesso do cantor Wando (1945 – 2012) antes da fase “obscena”. Baleiro procurou imprimir no arranjo um ar de milonga. E o fato é que a canção Gosto de maçã é soprada como um vento que bafeja o rosto em dia de verão, para citar verso da letra.
Wando, a rigor, abordava o amor de forma menos doída e (muito) menos culpada do que a quase totalidade dos compositores dessas pérolas populares amealhadas por Bárbara Eugenia e Zeca Baleiro em álbum que desafia o império dos beats com canções de sentimento despudorado.
São canções que nunca saem de moda, a julgar pela explosão de Marília Mendonça (1995 – 2021) em anos recentes. Como sentenciou Marília, todo mundo vai sofrer. Só que a sofrência é encarada sem culpa por Bárbara Eugênia em álbum que se equipara ao alto nível de É o que temos, até então o melhor disco da artista.

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