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‘Entre mulheres’ discute universo feminino com delicadeza, mas é aquém de seu potencial; g1 já viu

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Filme é baseado em livro inspirado em história real sobre estupros em comunidade religiosa boliviana. Drama dirigido por Sarah Poley tem Rooney Mara, Claire Foy e Jessie Buckley no elenco. Numa época em que ainda são reportados casos de agressões e feminicídio, um filme como “Entre Mulheres” é mais do que necessário. O longa, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (2), chamou a atenção após aparecer como um dos candidatos ao Oscar de Melhor Filme.
Ele mostra questões complexas do universo feminino de maneira contundente e, ainda assim, com respeito, cuidado e delicadeza. O filme só não funciona melhor por falta de impacto. Com uma premissa e um elenco tão fortes, era de se esperar que “Entre Mulheres” fosse mais memorável.
Assista ao trailer de “Entre Mulheres”
A trama é focada numa comunidade tradicional religiosa em um local indefinido dos Estados Unidos, onde seus habitantes vivem como se estivessem há centenas de anos atrás. As coisas se complicam quando um grupo de homens droga e estupra as mulheres.
O fato as abala profundamente e elas passam a discutir o que farão depois do ocorrido. Há a possibilidade de seus agressores voltarem. O que fazer, então? Aceitar tudo, ficar e lutar ou fugir.
A partir daí, um grupo formado por parte de suas habitantes, entre elas, Ona (Rooney Mara, de “Carol”), Salome (Claire Foy, de “The Crown”), Marchie (Jessie Buckley, de “A filha perdida”) e Agata (Judith Ivey) passa a se reunir para tomar uma decisão sobre suas vidas. Ao mesmo tempo, elas revelam suas angústias e temores que permaneciam escondidas dentro de si.
Cena do filme “Entre Mulheres”, indicado a dois Oscars
Divulgação
Lugar de fala
Um dos pontos fortes de “Entre mulheres” é o fato de que o roteiro, adaptado pela diretora Sarah Polley a partir do livro de Miriam Toews, dá bastante espaço para que suas personagens se expressem de forma mais profunda do que se vê numa produção hollywoodiana. O livro de 2018 reimaginava os crimes que aconteceram em uma colônia menonita na Bolívia, em 2009. Como no filme, os estupros, claro, abalaram esse grupo religioso ultraconservador.
Com diálogos longos, o filme prende a atenção. Assim, questionamentos sobre assuntos como respeito, maternidade, religião, submissão e amor são discutidos de uma forma madura.
Jessie Buckley e Judith Ivey (ao fundo) numa cena de “Entre Mulheres”
Divulgação
Vale destacar como a diretora, que teve uma carreira de atriz em filmes como “Madrugada dos Mortos” e “Minha vida sem mim”, acerta ao criar uma sensação de isolamento e desolação. Embora pareça que a trama se desenrole há cerca de 100 anos, uma cena deixa claro que história se passa em 2010.
O clima de angústia está ainda em outras escolhas, como a da trilha sonora arrepiante de Hildur Guðnadóttir (ganhador do Oscar por “Coringa”). Os cenários e figurinos são menos coloridos, quase acinzentados.
Rooney Mara interpreta Ona, uma das vítimas dos ataques dos homens em “Entre Mulheres”
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Voltas em círculos
O único problema que “Entre mulheres” possui está na direção de Sarah Polley. Embora consiga extrair boas atuações, ela se mostra melhor roteirista do que cineasta. Falta ao filme mais cenas com a sensação de urgência que a situação pede. Faltam ainda momentos de maior vigor, que tornassem sua mensagem mais marcante.
Além disso, o ritmo lento em certas partes prejudica suas intenções. Polley não consegue ser objetiva: os personagens vão e voltam em suas decisões e sensações. A impressão é de que a trama dá voltas em círculos. A edição, com muitos cortes e destaque a detalhes do rosto das protagonistas, deixa uma sensação de que elas estão desconectadas, longe de tomarem uma decisão tão importante.
Mulheres de fibra
Agata (Judith Ivey) consola Salome (Claire Foy) numa cena de “Entre Mulheres”
Divulgação
Outro grande mérito de “Entre mulheres” está no seu elenco. Embora Rooney Mara seja o nome mais destacado, é Claire Foy que chama mais a atenção com sua interpretação intensa como Salome. Ela consegue passar bem a indignação e a tristeza que sua personagem sofre por ser uma das vítimas dos ataques dos estupradores.
Jessie Buckley se destaca por sua revolta que contrasta com a submissão a seu marido violento: ela foi ensinada a viver dessa maneira. É ela quem levanta uma questão importante sobre como criar seus filhos para que não se tornem homens agressivos, ao mesmo tempo que percebe que é algo que talvez não tenha como controlar.
Ben Whishaw, Rooney Mara e Claire Foy numa cena do filme “Entre Mulheres”
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Entre as veteranas, Judith Ivey e Sheila McCarthy têm mais importância na trama devido a suas personagens representarem a hesitação do tradicional frente ao novo. No caso, o temor de deixar sua comunidade por ser o único lugar que conhecem.
É uma pena, no entanto, que Frances McDormand (uma das produtoras do filme) tenha um papel menor e apareça pouquíssimo no filme. Ben Whishaw (o Q nos filmes de 007 com Daniel Craig) é o único ator com papel de peso e tem bons momentos no longa ao lado de Rooney Mara, especialmente aqueles que falam sobre seus sentimentos em relação a ela. Ele é August, que se torna testemunha dos depoimentos das mulheres da comunidade por saber ler e escrever e, por isso, transcrever o que elas dizem. Sua atuação é bem contida, como o filme pede.
Longe de ser o favorito para ganhar o Oscar de Melhor Filme, seria mais justo que “Entre mulheres” ganhasse o prêmio de Roteiro Adaptado, pelo qual também está indicado, embora não seja favorito. O filme discute o universo feminino com delicadeza e acerta ao focar nas vítimas, e não nos criminosos. É uma pena, no entanto, que algumas decisões técnicas, tomadas na hora da filmagem, diminuam o impacto mais do que deveriam.

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