Festas e Rodeios

Como clube do livro de famosas virou fenômeno e passou a influenciar ranking de best-sellers

Published

on

Nomes conhecidos do público comandam discussões sobre obras literárias. Reese Witherspoon, Oprah, Gabriela Prioli, Sophia Abrahão e Manuela d’Ávila estão entre as mediadoras celebridades. Sophia Abrahão, Gabriela Prioli e Manuela D’Ávila mantêm clubes do livro com encontros com leitores
Reprodução/Instagram
O clube do livro de Reese Witherspoon não tinha causado um grande impacto quando foi lançado em 2017. Mas a narrativa mudou quando ela mostrou a intenção: unir a literatura com as produções de séries e filmes, feitos por mulheres, com a produtora Hello Sunshine.
O clube é uma espécie de termômetro para as produções. Foi dali que saíram minisséries como “Daisy Jones & the six”, do Prime Video, e “As pequenas coisas da vida”, do Star+.
É comum, por exemplo, que os livros escolhidos entre para a consagrada lista de mais vendidos do “New York Times”. Foram mais de 30 inclusões, como foi o caso recente de “The house in the Pines”, de Ana Reys, leitura de janeiro.
Clube do livro da atriz Reese Witherspoon se tornou sucesso, com obras indicadas na lista dos mais vendidos
Reprodução/Instagram
Ela não é o único nome conhecido que mantém seu clube de leitura. Oprah Winfrey, Florence Welch, da banda Florence + the Machine e a atriz Emma Roberts estão entre as famosas liderando a ideia. No Brasil, ainda que o movimento seja menor, os clubes começam a ganhar destaque.
“Se fizer um teste em uma livraria e pedir três livros do clube, a pessoa vai saber que está no clube da Prioli e do Karnal. É o máximo”, diz Gabriela Prioli ao g1. A apresentadora abriu seu projeto em 2020, e atualmente divide as discussões sobre a obra com o historiador Leandro Karnal.
“A gente mexe com o mercado editorial brasileiro”, opina Prioli. Cassiano Elek Machado, diretor editorial do Grupo Record, confirma a fala da apresentadora: “O clube da Prioli e do Karnal segue a linha parecida com o clube da Oprah, nos Estados Unidos. O que eles indicam tem ressonância e impactam a lista [de mais vendidos]”.
Ele lembra quando Gabriela indicou, antes de organizar o clube, o livro “Justiça”, de Michael Sandel, da Editora Civilização. A obra, segundo Machado, entrou para a lista de mais vendido e colaborou para que Sandel se tornasse mais conhecido no país.
“Ele já tinha público aqui, mas deu uma movimentação muito boa para o livro dele. É o mesmo que aconteceu com o [Albert] Camus”, diz Machado. “É um clássico de muitos anos, mas essa inclusão no clube certamente colabora também para aumentar muito a leitura do livro dele.”
Além dela, a atriz e cantora Sofia Abrahão e a ex-deputada federal Manuela D’Ávila também lideram projetos similares.
Gabriela Prioli: aulão e coesão
Gabriela Prioli abriu a primeira edição de seu clube em abril de 2020. Ela tinha o hábito de compartilhar trechos de seus livros favoritos nas redes sociais, em um quadro chamado “Café com letras”, e decidiu, ao lado de seu irmão, Rafael, estruturar para o formato de um clube. “Todo o leitor está sempre à procura de um interlocutor.”
“A gente quer encontrar pessoas que estejam lendo as mesmas coisas que a gente porque queremos poder bater um papo, conversar, ampliar a nossa compreensão sobre aquilo que estamos lendo.”
Gabriela Prioli e Leandro Karnal durante a conversa no clube do livro
Divulgação
O historiador Leandro Karnal se juntou à dupla no ano seguinte, depois de conhecer melhor a ideia. Ao todo, o clube já reuniu cerca de 40 mil leitores, ou alunos, em quatro edições.
Cada uma dessas edições tem duração de dez meses e, em média, com dez livros lidos, explicados e discutidos. O número pode mudar se uma das obras for mais extensa: para garantir que o volume de leitura não seja muito alto, a dupla divide em dois meses, o que pode reduzir a quantidade de obras selecionadas.
O clube é pago (R$ 687 pelo curso inteiro) e as inscrições para esta edição já estão fechadas. Segundo Gabriela, a primeira parte feita para o grupo é a curadoria dos livros. Ela e Karnal montam cada um uma lista de sugestões, que são debatidas entre eles para que cheguem em uma lista final.
“A gente faz com muito cuidado para ter uma lista que de fato faça sentido internamente”, afirma Gabriela. “São livros que conversam entre si e que garantem uma diversidade de autores e de temas que são importantes para que as pessoas se sintam ampliadas em termos de repertório quando elas saírem do clube.”
Nesta edição, a maior até então com quase 10 mil participantes, há leituras de obras como:
“O Estrangeiro”, de Albert Camus
“Modernidade líquida”, de Zygmunt Bauman
“Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury
“Ruído”, de Daniel Kahneman
“O olho mais azul”, de Toni Morrison
“Pecar e perdoar”, de Leandro Karnal
“Ideologias”, de Gabriela Prioli
Quem entra no grupo tem acesso a um perfil no Instagram, onde são compartilhadas quase diariamente informações sobre o autor e a obra da vez, além de materiais complementares, para que o leitor não fique desamparado e desmotivado durante a leitura. Depois, Gabriela e Karnal comandam um aulão para debater o livro e uma live, com o objetivo de tirar qualquer outra dúvida que os participantes podem ter. “A ideia é ter um grupo coeso mesmo, que consuma o conteúdo, do começo ao fim, e esteja sempre na mesma página.”
A apresentadora conta que a literatura caiu mesmo no seu gosto na adolescência, quando “o mundo não te entende, os livros me entenderam”.
“Eu fui buscar os livros a partir da biblioteca que era do meu pai. Era uma biblioteca simples, pequena. Ele morreu quando eu tinha 6 anos de idade, então, foi ficando um pouco com meu pai que eu me sentia acolhida pelos livros e, hoje em dia, eu busco difundir esse acolhimento.”
“No fim das contas, o clube prolongou a sensação de que os livros já tinham me entregado na adolescência, que é essa sensação de pertencimento. Lá no clube, eu estou entre os iguais, a gente tem os mesmos interesses, a gente está disposto a aprimorar, e isso que fortalece a nossa crença em um futuro melhor. Isso é muito bonito de ver.”
Sophia Abrahão: de romances a suspenses
Sophia Abrahão em live no Instagram para conversar sobre ‘Biblioteca da Meia-Noite’
Reprodução/Instagram
A atriz Sophia Abrahão confessa que não era lá muito disciplinada nos seus hábitos de leitura. “Apesar de sempre ter um livro de cabeceira, sempre estar lendo alguma coisa, eu demorava muito para terminar”, conta.
“Com isso, eu lia menos e pouco. Mas tenho amor pela literatura, li todos os ‘Harry Potter’, desde criança. Tinha interesse pela leitura, mas bem indisciplinada.”
Antes de formar um clube para chamar de seu, ela fez uma tentativa com as colegas de elenco, Lua Blanco e Mel Fronckowiak, durante as gravações de “Rebeldes”. “Começamos a ler juntas, mas não tinha uma estrutura, cada uma terminava uma hora e eu era sempre a última”, conta. “Foi a primeira experiência por livre e espontânea vontade de leitura em grupo e eu amei.”
Ela lembra que depois desta experiência começou a postar nas suas redes os livros que andava lendo e, a partir disso, sentiu que seus seguidores iam atrás das dicas e comentavam sobre as impressões da leitura. Em fevereiro de 2019, decidiu colocar seu clube no ar.
“Não tinha referência nenhuma. Eu falei com o pessoal da minha equipe, porque não queria fazer uma coisa que não fosse ter uma estrutura. Queria uma coisa duradoura.”
Na última semana, ela e seu leitores conversaram sobre “Biblioteca da meia-noite”, de Matt Haig, e agora, estão decidindo qual é a próxima obra a ser lida no clube. Sophia conta que o clube, atualmente com cerca de 10 mil inscritos, passou por uma reformulação. A decisão sobre o livro que entraria na conversa acontecia pelo Twitter. Agora, o clube se reúne via Telegram.
Livros do clube de leitura de Sophia Abrahão
Reprodução/Instagram
“As votações acontecem por lá. A gente coloca três opções de títulos, e eles escolhem. Depois, tem um período para a compra do livro, a data de início da leitura e para a conclusão”, diz.
Os encontros, antes do Facebook, são feitos no Instagram aberto para quem quiser participar. Todo o processo leva cerca de um mês. Se o livro for mais extenso, com mais de 350 páginas, por exemplo, o tempo é estendido.
“Durante este período, a gente tem muita interação. Eu interajo no chat, consigo mandar áudios, e a gente vai trocando figurinha.”
Os livros escolhidos variam de romances, fantasias e suspenses. Já foram lidos:
“Morte no Nilo”, de Agatha Christie
“As cores do coração”, de Dani Assis
“O clube P.S. Eu te amo”, de Cecelia Ahern
“Fique Comigo”, de Ayòbami Adébáyò
e vários livros de Harlan Colben e Karin Slaughter.
Slaughter, aliás, já participou de uma conversa com a atriz e seus leitores. “Pude reunir alguns inscritos no clube para fazer perguntas diretamente para ela”, conta e acrescenta outro encontro também marcante: em 2019, Sophia comandou uma rodada de perguntas com Ayòbami Adébáyò, autora de “Fique comigo”, que veio ao país para a Feira Literária Internacional de Paraty, a Flip.
Sophia Abrahão em roda de perguntas para Ayòbámi Adébáyò, autora do livro ‘Fique comigo’
Reprodução/Instagram
“Consegui reunir alguns dos leitores que são do Rio de Janeiro com ela para essa roda de perguntas. Esses encontros que consigo proporcionar por meio do clube são muito interessantes, tornam as pessoas mais entusiasmadas”, diz.
Ela ainda emenda: “Outra coisa que me chama atenção é que os debates ampliam muito nas lives”, diz.
“A gente já deve ter lido ao longo desses anos uns três romances que tem como pano de fundo a Segundo Guerra Mundial. A gente não verticaliza no assunto, mas falamos sobre contextos do mundo, o que é muito legal, [é uma troca] muito rica”, afirma a atriz.
A entrada no clube é gratuita e Sophia lembra que é uma turma mais nova, que nem sempre tem como bancar o livro. Para dar um pouco de apoio, ela sorteia exemplares e busca desconto com as editoras. “Óbvio que parte do meu público já trabalha e ganha seu próprio dinheiro. Mas parte dele ainda depende dos pais, e não é sempre que eles conseguem comprar.”
O resultado, segundo ela, tem sido bem positivo: é comum receber o retorno de pais e mães com agradecimentos ao clube por ter colocado os filhos na leitura.
“Eu sou a favor das leituras na escola, só que às vezes é uma obrigação, cai na prova, a gente tem que estudar e acaba associando a leitura a uma coisa maçante, chata”.
“Quando as pessoas entram no clube porque querem, elas transformam essa ideia de leitura maçante para um hobby, um tempinho que elas tiram para elas.”
Manuela d’Ávila: leituras femininas
A ideia do clube de leitura da ex-deputada federal Manuela D’Ávila também veio com as redes sociais, a partir de seus compartilhamentos das suas leituras nas plataformas.
“À medida que tomei a decisão de postar os livros, comecei a me dar conta que era um dos assuntos mais relevantes das minhas redes.”
“Ou seja, era uma das minhas influências mais positivas que eu podia exercer: as pessoas passarem a ler, se dedicarem, passarem a fazer esforços para ler mais mulheres, para ler mais mulheres negras, mulheres de outros países fora do eixo central.”
Foi durante a pandemia, segundo Manuela, que o interesse do público nas plataformas aumentou e ela começou a pensar em uma experiência para que essas pessoas que trocavam ideias naquele ambiente pudessem fazer de uma maneira mais organizada, como um clube do livro.
A ideia original era voltar o clube para a leitura de mulheres da literatura contemporânea basicamente. O critério mais relevante das seleções de livros era ser de autoras mulheres, com diversidade reginal, racial e até de editoras.
Encontro com leitoras do clube do livro de Manuela D’Ávila
Divulgação
Atualmente, no entanto, são dois grupos de leitura que duram até o fim do ano. O primeiro é o Clube de Leitura da Manu com 5 livros contemporâneas, com as obras como:
“A filha única”, de Guadalupe Nettel
“Sobre minha filha”, de Kim Hye-jin
“A vida real”, de Adeline Dieudonné
“Fique comigo”, de Ayobami Adebayo
“As primas”, de Aurora Venturini
De julho a dezembro, o clube traz conversas semanais com a própria Manuela, que lê trechos das obras. “É uma leitura organizada para o mês inteiro, para que as pessoas que não têm o hábito de leitura consigam encaixar nas suas rotinas durante o mês. A gente estabelece metas: se é um livro de 300 páginas, são dez páginas por dia.”
Depois da leitura do trecho, há um debate com os participantes. “Além disso, semanalmente, eu produzo um conteúdo audiovisual, em que a gente estuda a obra. Eu e mais duas pessoas que colaboram comigo produzimos um conteúdo extra, de apoio ao livro”, diz.
O mês encerra com um encontro com uma convidada, muitas vezes a própria autora do livro em pauta.
“A gente já recebeu quase todas as autoras dos nossos livros. Recebemos Ana Buarque de Hollanda, Sefi Atta. As autoras vivas no último clube, estivemos com todas”, diz
“Quando falamos do ‘Quarto de despejo’, da Carolina Maria de Jesus, nós conversamos com uma pessoa que coordena um trabalho em um galpão de reciclagem.”
O segundo grupo é o Clube sobre o livro ‘Um defeito de cor’, que inicia nesta terça-feira (27) e vai até novembro, em que será abordado apenas esta obra. O primeiro encontro é com a autora, Ana Maria Gonçalves.
“Eu criei uma primeira edição só com autores com relação com Porto Alegre”, conta. “Tinha ‘O avesso da pele’ [de Jefferson Tenório], ‘Marrom amarelo’ [de Paulo Scott], e obras do José Falero. Depois eu criei um especial Annie Ernaux”, conta.
“Eram clubes fora da lógica. Então, agora, para dar conta de um pedido antigo das pessoas – que era um clube do livro ‘Um defeito de cor’ -, e eu tive a ideia de criar um clube com leituras fundamentais, de obras mais densas, livros clássicos ou livros como ‘Um defeito de cor’.”
Segundo Manuela, os clubes, que são pagos, chegam a reunir entre 500 e 700 pessoas. Ambos estão com as inscrições abertas com valores de R$ 467, com doação de bolsas sociais, e R$ 437, sem a doação de bolsas.
Indicações dos clubes do livro da Manuela D’Ávila
Reprodução/Instagram
“É uma experiência transformadora, muito impactante. Mesmo eu que li a vida inteira, ler coletivamente, debater, olhar a mesma obra com outras mediações sociais e culturais que não as minhas é algo incrível”, diz.
“Não por nada que depois da primeira edição do clube nós criamos as bolsas. Porque éramos majoritariamente mulheres e mulheres brancas. Então, nós tínhamos que fazer um esforço para ter uma representatividade mais diversa, e por isso criamos as bolsas para mulheres negras, indígenas e mulheres trans, o que tem um resultado belíssimo no clube do ponto de vista desta mediação e deste debate coletivo.”
De dentro do clube, ela diz, saem muitas histórias e considera ali um lugar de autocuidado e confiança.
“É um lugar fechado, e é fechado de propósito. Por exemplo, quando lemos ‘Vista chinesa’, da Tatiana Salem Levy, nós tivemos mais de quinze relatos de violência sexual de pessoas de dentro do clube”, conta.
“Tem sido uma experiência incrível também como um espaço seguro de reflexão sobre a sociedade, sobre a nossa vida em sociedade, a partir de vidas que não são as nossas. A literatura tem essa magia.”

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Copyright © 2017 Zox News Theme. Theme by MVP Themes, powered by WordPress.