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‘A gente estava na fé imensa dele voltar dessa tragédia’, diz documentarista que retratou vida de Zé Celso

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Lucas Weglinski dirigiu “Máquina do Desejo – 60 anos do Teatro Oficina”, que reuniu décadas de registro do dramaturgo e de sua obra. Parte da vida do dramaturgo, diretor, ator e encenador José Celso Martinez Corrêa, que morreu nesta quinta-feira (6), aos 86 anos, foi retratada em um documentário sobre os 60 anos do Teatro Oficina. Dirigido por Joaquim Castro e Lucas Weglinski, “Máquina do Desejo – 60 anos do Teatro Oficina” contou sobre as diversas vezes que o ícone das artes teve que se reinventar.
Em entrevista à GloboNews, Weglinski falou que essa força de Zé Celso fez com que ele acreditasse do retorno do artista após a tragédia do incêndio em seu apartamento, na terça (04)
“O Zé se construía e se desconstruía. Ele sempre foi essa fênix. A gente estava nessa fé imensa dele voltar desse incêndio, dessa tragédia, porque o Zé sempre voltou. Seja da tortura, que ele teve na ditadura, seja da erisipela que ele teve na pele, seja do coração. O Zé sempre foi essa fênix e passa para gente esse legado vivo, que é o Teatro Oficina”, conta.
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Incêndio
Zé Celso estava internado no Hospital das Clínicas, na Zona Oeste da capital, após ter mais de 50% do corpo atingido por um incêndio que ocorreu no apartamento onde morava no bairro do Paraíso, na Zona Sul, na terça-feira (4). O quadro de saúde do diretor se agravou nesta quarta-feira (5).
Além de Zé Celso, estavam também no apartamento Marcelo Drummond, marido do dramaturgo, Ricardo Bittencourt e Victor Rosa, que estão em observação pela inalação de fumaça.
Veja FOTOS da carreira do diretor
VÍDEOS
Biografia
Zé Celso morre aos 86 anos; relembre a carreira do dramaturgo
José Celso Martinez Corrêa nasceu em Araraquara (SP), em 1937. O diretor, autor e ator é um dos principais líderes do teatro brasileiro.
Sua influência artística foi além dos palcos, aparecendo também em obras do cinema, como “25” e “O rei da vela”, que 15 anos antes havia feito história na dramaturgia com o espetáculo homônimo.
Sem medo de experimentações e com constante desejo de renovação, Zé Celso provocou atores e público, criando um teatro mais sensorial, sempre guiado pela realidade política e cultura do país.
Zé Celso estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde participou do Centro Acadêmico. O diretor não concluiu o curso, mas foi durante seu período universitário que fundou o Grupo de Teatro Amador Oficina, no final da década de 1950.
Inquieto, irreverente e revolucionário, o artista se destacou com suas montagens de criações coletivas. Seu primeiro texto como autor, “Vento Forte para um Papagaio Subir”, foi levado aos palcos pela companhia em 1958. Em entrevista, Zé Celso contou que escreveu a peça em 40 minutos. E foi ali que decidiu que iria dedicar sua vida à dramaturgia.
Em 1961, o grupo ganhou uma sede na Rua Jaceguai, no Centro da capital paulista, e se profissionalizou, se tornando o tradicional Teatro Oficina. Desde 1982, o Teatro Oficina é tombado como patrimônio histórico. A companhia é considerada uma das mais longevas em atividade no Brasil.
Em 1964, Zé Celso levou ao palco a peça “Andorra”, que marcou sua transição do realismo para um teatro com uma postura mais crítica, inspirada no teatro épico do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Nesse período, Zé Celso viajou para a Europa para aprofundar seus estudos sobre Brecht. Anos após sua volta, o diretor levou o texto do alemão “Galileu Galilei” para os palcos do Oficina.
Improviso no palco, provocações na plateia
Zé Celso Martinez Corrêa em imagem de novembro de 2014
Gabriela Biló/Estadão Conteúdo/Arquivo
Em 1966, a sede do teatro foi destruída por um incêndio provocado por grupos paramilitares. Para reconstrução do espaço, o grupo levantou fundos fazendo remontagens de antigos sucessos no palco.
No ano seguinte, o Oficina ressurgiu com o espetáculo “O Rei da Vela”, que entrou para a história da dramaturgia brasileira como um marco da modernismo e do tropicalismo.
Baseado na obra de Oswald de Andrade, de 1937, o espetáculo foi dedicado ao cineasta Glauber Rocha e era uma peça marcada pelo engajamento político, pela necessidade de promover rupturas e pelas ideias do movimento tropicalista.
Zé Celso colocou seu toque no espetáculo aplicando um caráter de obra aberta ao texto que, antes, parecia mudo, e incluiu um tom mais grotesco, obsceno, violento e irreverente ao apresentado na obra original.
Renato Borghi, Grande Otelo, Ítala Nandi, Dina Sfat, Dirce Migliaccio, Otávio Augusto e Othon Bastos integravam o elenco do espetáculo, que era apresentado em um palco giratório.
No final da década de 1968, Zé Celso levou ao Rio de Janeiro sua primeira peça fora do Teatro Oficina. Na ocasião, ele dirigiu o histórico espetáculo “Roda Viva”, escrito por Chico Buarque, com um tom provocador. O espetáculo, que ganhou remontagem em 2019, fazia uma crítica contundente à sociedade de consumo e à violência institucional.
“Roda Viva” foi lançada no período em que a censura praticada pela ditadura ficou ainda mais acirrada. E, até por isso, a peça é considerada um marco da luta artística pela liberdade de expressão.
No espetáculo, os atores incitavam a plateia fisicamente, iniciando algo que se tornou uma marca nos trabalhos do diretor.
Com os trabalhos seguintes, Zé Celso foi aumentando ainda mais os projetos sensoriais, que estimulam os atores ao improviso e colocam a plateia em uma posição secundária, como elementos ativos em cena.
Essas iniciativas de Zé em transformar a relação entre o palco e a plateia chegaram a gerar um movimento chamado por ele de te-ato.
Exílio em Portugal
Zé Celso Martinez Corrêa no Teatro Oficina em São Paulo, em imagem de março de 2017
Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo/Arquivo
Os integrantes do Teatro Oficina foram perseguidos pelo regime militar. Em 1974, Zé Celso partiu para o exílio em Portugal depois de ficar detido por 20 dias e ser torturado.
Durante o exílio, ele apresentou algumas peças e dirigiu o documentário “O Parto”, que retratava a queda do regime ditatorial, em Portugal, com a Revolução dos Quadros, após 41 anos de salazarismo.
Zé retornou ao Brasil em 1978. Na década de 1980, Zé Celso ficou afastado dos palcos, se dedicando a pesquisas e a oficinas ministradas no espaço.
O retorno de Zé Celso para atuação aconteceu em 1991 na peça “As Boas”, na qual atuou ao lado de  Raul Cortez e Marcelo Drummond.
Em 1993, subiu ao palco com a peça “Ham-let”, dirigida por ele. Com o espetáculo, venceu a categoria de melhor Diretor do Prêmio Shell naquele ano. A vitória foi uma entre as dezenas conquistadas pelo artista ao longo da carreira, incluindo premiações no Troféu APCA, no Troféu APCT e no Festival de Gramado.
Ao longo de sua trajetória, Zé Celso também atuou em filmes como “Arido Movie” e “Encarnação do Demônio”, dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão.
Em 2005, Zé Celso levou a montagem “Os Sertões” para Alemanha. A imprensa local chamou o espetáculo de “teatro pornô” pelo fato de os atores ficarem nus em algumas cenas.
Casamento com Marcelo Drummond 
Aos 86 anos, diretor Zé Celso se casa com Marcelo Drummond em festa no Teatro Oficina
Reprodução/Instagram/Teatro Oficina
Em junho de 2023, Zé Celso se casou com o ator Marcelo Drummond  após quase 40 anos de relação. A festa aconteceu no Teatro Oficina em uma cerimônia que trouxe muita música, encenações e rituais artísticos, com apresentações de cenas de atrizes como Bete Coelho e Leona Cavalli, e números musicais de Daniela Mercury e Marina Lima.
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