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Claudya celebra a ginga brasileira, com apurado senso rítmico, na volta ao Rio

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Ausente há dez anos dos palcos da cidade natal, artista faz bom show em que revive álbum de 1973 e canta o repertório de Sérgio Mendes em 1966. Claudya no palco do Dolores Club com o guitarrista Thiago Pimentel
Rodrigo Goffredo
Resenha de show
Título: Deixa eu dizer
Artista: Claudya
Local: Dolores Club (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 11 de julho de 2024
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ Cantora carioca que entrou em cena na adolescência como crooner, quando morava em Juiz de Fora (MG), Claudya foi projetada nacionalmente a partir de 1965 quando, já radicada em São Paulo (SP), começou a cantar no programa O fino da bossa, atração popular da TV Record. Desde então, Claudya seguiu trajetória oscilante que lhe rendeu pico de popularidade na década de 1980 quando protagonizou o musical de teatro Evita (1983).
Foi por isso que, ao fim do show Deixa eu dizer, apresentado por Claudya no carioca Dolores Club na noite de quinta-feira, 11 de junho, boa parte do público gritou “Evita! Evita!” com a intenção de que a artista entoasse a canção Don’t cry for me, Argentina (Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, 1978), principal tema da trilha sonora do musical.
Os pedidos foram em vão. Na volta aos palcos da cidade natal, após dez anos, Claudya se manteve inteiramente fiel ao conceito do show Deixa eu dizer, cujo roteiro foi calcado na celebração do álbum homônimo de 1973 e em homenagem ao pianista fluminense Sergio Mendes, reverenciado pela artista no projeto Claudya 66, gravado em estúdio de São Paulo (SP).
Evita à parte, cabe lembrar que Claudya viveu um primeiro momento de auge artístico entre 1970 e 1973, período em que lançou três bons álbuns pela gravadora Odeon, com destaque justamente para o terceiro, Deixa eu dizer (1973), disco do qual Marcelo D2 sampleou a faixa-título na gravação da música Desabafo (2008), ação que fez o canto de Claudya ser descoberto por novas gerações.
Produzido por Renato Corrêa, presente na plateia do Dolores Club, o disco de 1973 foi o mote da primeira metade do roteiro de 16 músicas.
Já na primeira música, o samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958), ficou evidente o único problema do show: os pedidos recorrentes da artista para que o público cantasse com ela, o que às vezes gerou clima de churrascaria incondizente com o porte de cantora como Claudya, dona de técnica refinada.
Aos 76 anos, festejados em 10 de maio, Claudya se confirmou afinada e com apurado senso rítmico, evidenciado sobretudo quando a intérprete caiu com desenvoltura no suingue do samba-rock Só que deram zero pro Bedeu (Luís Vagner, 1973), do Samba de uma nota só (Antonio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1959) e de Tim dom dom (João Mello e Codó, 1963).
Esse sambalanço foi gravado por Sergio Mendes no álbum Herp Albert presents Sergio Mendes & Brazil’66 (1966), mote do tributo da cantora ao pianista que reprocessou a ginga brasileira para os gringos e a exportou para os Estados Unidos, estourando em escala mundial o samba esquema novo Mas que nada (Jorge Ben Jor, 1962), número feito já no fim do show de Claudya – aí sim com apropriado coro do público – antes do arremate com o samba Deixa eu dizer (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, 1973) e do surpreendente bis com Day tripper (John Lennon e Paul McCartney, 1955), canção dos Beatles gravada por Mendes no álbum de 1966 celebrado por Claudya na segunda metade do show.
Do antológico disco de Mendes, a cantora também rebobinou Slow hot wind (Henry Mancini e Norman Gimbel, 1964) em registro classudo que se tornou um dos pontos mais altos do show. O samba-canção Você não sabe amar (Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, 1950) também reapareceu em tempo de delicadeza condizente com o traço modernista da obra de Dorival Caymmi (1914 – 2008), de quem Claudya ainda reviveu João Valentão (1953).
Se a lembrança do samba Com mais de 30 (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1970) soou como xerox pálida do registro original da própria Claudya, evidenciando a caduquice de letra que somente fazia sentido na era hippie, o blues Noite de verão (Claudya e Raul Telles, 1973) aumentou a temperatura do show enquanto Garra (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1971) expôs a sintonia jazzística entre a cantora, o pianista Alexandre Vianna e o guitarrista Thiago Pimentel.
Já Esse cara (Caetano Veloso, 1972) se ressentiu da ausência de sensualidade na interpretação da artista, deixando no ar a sensação de que a canção estará para sempre atrelada ao canto de Maria Bethânia, intérprete original da música.
No todo, Claudya fez bom show, elegante, com repertório irretocável, ainda que determinadas músicas tenham se afinado mais com a voz maturada da cantora do que outras.

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