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Por que os grandes nomes da MPB não são biografados em vida?

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Gal Costa ganha biografia póstuma enquanto Maria Bethânia completa 60 anos de carreira sem um livro que descortine os bastidores da artista em cena. Gal Costa (1945 – 2022) – à esquerda – e Maria Bethânia são cantoras que entraram em cena em 1964 e que nunca foram biografadas nestes 60 anos
Julia Rodrigues / Fernando Young / montagem g1
♫ OPINIÃO
♪ Desde o início do ano, o jornalista Guilherme Amado trabalha em biografia de Gal Costa (1945 – 2022). O livro tem lançamento previsto para 2027 pela editora Companhia das Letras. “Contar a vida de alguém é uma responsabilidade imensa, e esse alguém sendo a Gal é mais ainda”, ressaltou Amado em rede social ao propagar a notícia.
Infelizmente, o jornalista e escritor não terá a colaboração da cantora por motivo óbvio. Gal Costa está morta. A biografia de Guilherme Amado será, claro, póstuma. O que leva a uma questão incômoda: por que os grandes nomes da MPB não são biografados em vida?
Até nove anos atrás, podia-se alegar que era preciso ter autorização prévia do biografado para editar um livro do gênero. Em junho de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, liberar a publicação de biografias sem a tal autorização – na prática um entrave que deixava os biógrafos nas mãos dos artistas ou dos herdeiros, no caso dos nomes já falecidos.
Abriu-se então uma porta pela qual poucos entraram no segmento da bibliografia musical brasileira. Cantora do mesmo porte de Gal Costa, Maria Bethânia completa 60 anos de carreira neste ano de 2024 sem ter uma biografia nas prateleiras das livrarias que descortine os bastidores da cena (muda?) da artista nessas seis décadas. Lacuna lamentável diante do alcance e da relevância da intérprete na música do Brasil. Lacuna não preenchida pela autorizada fotobiografia Então, Maria Bethânia (2017), organizada por Bia Lessa.
Chico Buarque, que acaba de festejar 80 anos, já foi alvo de livros com recortes da obra do artista e de alguns perfis generosos escritos com o aval do cantor e compositor. Mas nunca ganhou de fato uma biografia alentada, ampla, da dimensão da importância do artista na cena cultural do Brasil. O livro de tom mais biográfico, Para seguir minha jornada (2011), escrito pela jornalista Regina Zappa com o aval de Chico, tangenciou o formato de um almanaque.
A mesma Regina Zappa assinou com Gilberto Gil o livro Gilberto bem perto (2013), quase na mesma linha de almanaque, embora editado com requinte.
Não, não é fácil escrever biografias de gigantes da MPB de forma totalmente independente sem descontentar uns e outros. Regina Echeverria provocou controvérsias com a primeira biografia póstuma de Elis Regina (1945 – 1982), Furacão Elis, trabalho de fôlego, lançado em 1985, três anos após a morte da cantora. Echeverria retratou Elis com a complexidade de toda alma humana.
Quando mais o biógrafo expõe as contradições inerentes de todo ser humano ao contar a saga de um artista, mais a biografia ganha vulto (e o autor, desafetos). Só que, para isso, é preciso escrever com independência, com autonomia, como fizeram Echeverria e o jornalista Julio Maria, autor de outra fundamental biografia da Pimentinha, Elis Regina – Nada será como antes (2015).
Às vezes, há independência na construção da narrativa, mas falta senso crítico dos autores na escrita e na interpretação dos fatos. É o que desvalorizou Caetano – Uma biografia – A vida de Caetano Veloso, o mais Doce Bárbaro dos trópicos (2017), biografia não autorizada de Caetano Veloso, escrita pelos cariocas Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco em empreitada heroica. Valeu somente pela boa pesquisa dos autores.
Enfim, que venham mais biografias dos gigantes da MPB revelados na década de 1960. E também de grandes nomes surgidos posteriormente. Marisa Monte, por exemplo, já tem trajetória apta a ser biografada por ter mudado os padrões da música brasileira a partir de 1989.
Pode ser árduo e fatigante produzir um bom livro do gênero, mas o ganho para a cultura nacional é eterno quando uma biografia resulta satisfatória. E como já sentenciou o próprio Caetano Veloso em 1968, em parecer referendado pelo STF em 2015, é proibido proibir…

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